terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

COMPLEXO DE GUAIPECA


Gaúcho tem a obrigação de ser feliz nas férias. Sua felicidade é praia. Quem permanece em Porto Alegre e não consegue ir ao litoral se sente culpado diante dos filhos. Pede desculpa com o suspiro.

É diferente do carioca, que tem sua alegria parcelada dia a dia. Do nordestino, que comprou à vista o oásis. Do catarinense, cercado de ilhas para todos os poros.

Gaúcho depende do mar para se enxergar de folga. Seu problema é que não fica satisfeito porque não pode ostentar. Sofre do complexo do guaipeca. É como se nosso mar não desfrutasse de pedigree para expor aos amigos e faltassem curvas para confirmar sua sensualidade.

Inventamos de achar que Torres é a exceção de uma praia monótona, retilínea e sem exuberância.

Talvez seja o momento de terminar com a depressão turística. A realidade significa um ponto de partida, nunca o destino final.

O que é feio pode ser inteligente. O que não é formoso pode ser exótico.

A imaginação é uma virtude que forma o triunfo de qualquer banhista. Tem proporcionado benefícios incalculáveis para a resistência da personalidade gaudéria.

Imagina se aqui fosse Angra? Não daria certo.

Beleza demais me deixa preguiçoso, terei que exercer montanhismo, caminhadas pelos morros, descer dunas. É tanta coisa para olhar e fazer que acabarei não me molhando.

Água transparente não é uma maravilha, gera incômodo, lembrarei apenas que não cortei as unhas dos pés.

Nas praias achocolatadas do sul, posso perder a sunga e não serei preso por atentado violento ao pudor. A malha marinha demorou anos de erosão de conchas para atingir esse impagável vidro fumê, que conserva a privacidade do mergulho. Em Copacabana, uma bunda branca já seria manchete. Nossa praia é involuntariamente de nudismo e não causa escândalo.

É parar e pensar como o Nordestão vem sendo uma dádiva. Gerou a melhor arquitetura do guarda-sol do país. Ninguém coloca um guarda-sol como a gente. É fundo, firme, intransponível, existe uma técnica militar apuradíssima somente conhecida pelo exército otomano, capaz de enfrentar e amansar ventos automobilísticos. Diante de toda adversidade, ele não voa. Verifica se o mesmo vai acontecer em algum pacote pela Bahia? Nunca.

As crianças aprendem lições de trânsito ao natural. Carregam uma visão privilegiada das leis. Não serão atropeladas. Pelo método Piaget, as bandeiras explicam o funcionamento do semáforo.

Os salva-vidas não são broncos. Modelam castelos defronte de suas guaritas, para mostrar que a arte é uma espécie de socorro.

Os surfistas desencavam manobras e não dependem da altura para andar em tubos. São imbatíveis em campeonatos, íntimos das marolas, transformam o cochicho de espuma em maremoto.

O protetor solar recebe uma fina camada de areia que impede a entrada dos raios ultra-violeta. Temos muito menos risco de câncer.

Nosso repuxo é terapêutico, muito mais benéfico do que uma fisioterapia. As pernas aparecem torneadas de ir e voltar de um banho. Já observei jogador de futebol se recuperar de lesões sérias. Entra mancando e volta correndo.

Não abaixaremos a crista com a chuva. Com o alagamento repentino das ruas, experimentamos a chance de encenar Woodstock. Muita lama e liberdade, um contato direto com a natureza.

Dizem que Ronaldinho Gaúcho inventou o drible elástico em Cidreira fugindo dos esguichos dos carros.

Na ausência de programas, criamos passeios para analisar as residências alheias. A curiosidade nos permite ampliar os conhecimentos de decoração.

Não nos interessa unicamente a vista paradisíaca. O que vale é a interação com os vizinhos, reunir a família, reencontrar colegas. A areia torna-se um pretexto para intensificar o convívio e antecipar fofocas.

Como nossa praia não é linda de morrer, continuamos vivendo, graças a Deus.


Foto de Adriana Franciosi
Arte de Gonza Rodriguez
ZH, Geral, p. 45
Porto Alegre (RS), 9/02/10
Faço a minha estreia na série "Estrelas do Mar". De terça a domingo, publicarei crônicas sobre o litoral gaúcho no jornal Zero Hora.

23 comentários:

juliana disse...

Se nossas águas fossem claras e quentes, sem duvida seriam praias perfeitas.
Bjos Fabro!!

Niqui Nazer disse...

ÓTIMO! Uma visão sarcástica e inteligente do nosso litoral! Ele merece!

Peter disse...

É o velho problema: o que é nosso nunca é bom.

Pela campanha: O que é nosso é bom sim, e merece respeito!

Maria Tereza disse...

Isso aí! Cada um defende seu peixe como pode! =)

O Neto do Herculano disse...

E o que diz numa hora dessas um baiano que nao gosta de sol, coreografia de carnaval e alegria plastificada???

Gabriela Schotten disse...

Fabrício, moro aqui no sul de SC e as praias aqui da redondeza não tem nada de exuberantes. O mar só fica quentinho e limpinho se tiver a presença das temíveis águas-vivas... Mas a gente aproveita como pode. Triste são os moradores dos estados que não tem litoral. Nem praia pra sujar os pés de areia eles tem por perto.
Adoro o que tu escreves! Parabéns pelas letrinhas.

Beijo!

Ane disse...

Carpinejar, sobretudo adoro o teu exótico senso analítico sobre as situações mais mundanas e comuns.

"Os salva-vidas não são broncos. Modelam castelos defronte de suas guaritas, para mostrar que a arte é uma espécie de socorro."

Tudo bem, o nosso litoral não é assim, uma brastemp... Mas depois deste texto, talvez alguns leitores possam indentificar a verdadeira beleza de nossas praias: a atitude daqueles que as frequentam.

Abraço,

Ane.

twitter.com/poesialiteral

Jééh disse...

não conheço as prais gauchas, mas adorei o seu texto (nossa tudo haver isso) :P

Piqui disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Piqui disse...

Excelente texto! Lembrei do "Veraneio no Rio Grande do Sul", do Paulo Wainberg, já leram?

http://blogdogaviao.blogspot.com/2009/12/veraneio-no-rio-grande-do-sul-paulo.html

:)

Abraço,

Piqui

Anônimo disse...

Deus, esse HNETO fica toda hora tentando postar frases de efeito!

Agora é " E o que diz numa hora dessas um baiano que não gosta de sol, coreografia de carnaval e alegria plastificada???" ]

Antes disso foi: "Somos nós, machos ocidentais, o prato do dia"

Porra, toda hora postando clichês, isso é uma heresia no site do Carpinejar. Vai mané, raspa a cabeça e começa denovo.

Fábio

Kari disse...

Engraçado que, ao ler, lembrei do meu noivo, gaúcho. Quando ele vem me visitar, no Recife, ele fica querendo ir para a praia o tempo inteiro. E ás vezes eu nem quero porque é algo tão comum pra mim. Mas é engraçado como ele dá um valor gigante. Já até se apaixonou por Porto de Galinhas...

óTimo texto!
Beijos

Thays Petters disse...

O paranaense não fica muito longe do gaucho!

Kéli Graziéli disse...

Ó... mais uma parenaense se identificando com o texto... uma pequena diferença é que os curitibanos não fazem muita questão de "interagir com os vizinhos", mas a "análise das residências alheias" acontece... e muito!!!

Bjo grande!

Anônimo disse...

É, eu não sei o que veem neste tal Carpinejar. Literatura até bem escrita, mas sem o fogo dos grandes escritores do Sul. Quintana, veríssimo... Carpinejar é um projeto, um personagem. Precisa aparecer como ele mesmo e não com adereços. Infelizmente é feito de lágrimas e pesadelos.

Anônimo disse...

Genial. Grande texto, inspirado. Quem procura projeto é arquiteto. Carpinejar não tem fogo, tem lava. É vulcão. beijo Simone

Nádia Lopes disse...

Fabro, tu me fez voltar ao meu primeiro encontro com o mar, houve uma vez um verão em Cidreira, onde me deslumbrei com a quantidade sem fim de água indo e vindo e nem sabia que havia águas de outras cores e temperatura no mundo...saudade dessa sensação!
beijo

Anônimo disse...

que lindo!

Anônimo disse...

Sem o fogo dos grandes escritores do Sul??? Esse Hneto é mesmo ridículo. Tem um blog sofrível MESMO, sempre me dá ânsia de vômito quando escreve. Inveja vem do fracasso, da falta. Seu pobre.

Anônimo disse...

E vocês que o seguem não endendem a crítica, Paciência. Carpinejar é um vulcão extinto. Ele é UM PERSONAGEM. Quero ver verdadeiramente sem os adornos. Ele se fantasia para uma palestra sobre cultura, quase um palhaço. lamentável que Oswald morreu.

Anônimo disse...

Adorei sua análise sobre as praias do RGS. Quem conhece uma, conhece a todas. Sou de Florianópolis e as praias daqui são curvilíneas sim... MAs em Cidreira, uma onda geladinha, bem batida, num mar azulzinho depois de uma chuva, derruba qualquer celulite.
Você é muito bom!
M.Alice

Anônimo disse...

Fantástico, verdadeiro e muito bem humorado este texto, realmente até parece que o autor já passou férias na praia do Cassino, na cidade do Rio Grande. A maior e a melhor praia do Rio Grande do Sul lá se encontra, com todos os predicados indicados pelo autor e o mais belo nascer do Sol.

Anônimo disse...

Muitooo bom!! Adorei!!

Inclusive eu ouvi uma vez que os gauchos achavam que Santa Catarina deveria ser o quintal do Rio Grande do Sul...que SC deveria fazer parte do RS...
Olha só o complexo de guaipeca que ronda os gauchos..
hahahahahahaha

Priscila - Criciuma - SC