domingo, 16 de setembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

FILHO ÚNICO DO AMOR

Arte de Fatturi

“Tenho 30 anos, ele, 42. Nunca casou, é jovial sem ser ridículo. Viajamos, nos divertimos. A receita parece dar certo. Amigas sabiam do passado negro dele. No e-mail, enquanto ele dormia, vi comunicação com outras meninas. Por que homens precisam de outras janelas quando uma porta está aberta? Mirna”

Querida Mirna,
 
Já matou a charada intuitivamente: ele é o solteirão convicto. Não se interessa em casar. Sua rotina é falar com várias amigas ao mesmo tempo e manter sua dominação territorial. Não entrega a carteira de sedutor. Acompanhado ou não, mantém uma rede de contatos sempre atualizada.
 
É como um chefão preso; continua dando ordens de dentro do presídio. Seus amigos mandam as últimas notícias da farra e o mantém informado dos movimentos de conhecidas.
 
Homem sem antecedentes matrimoniais até os 40 é pior do que boneco inflável. Poderá encher ou esvaziar seu ego que ele não mudará a concepção de independência. Dificilmente se dispõe a trocar o estado civil e abdicar da fama junto às mulheres. Prefere o conforto da privacidade ao trabalho de ceder espaço e abdicar do próprio passado. É um tipo decidido, costuma ter profissão consolidada, que serve como desculpa para a falta de tempo.
 
Seu namorado nasceu para relações curtas e efêmeras. Deve preferir namorar no inverno, ideal para programas a dois e viagens românticas, mas encerra a relação no verão, quando deseja estar com condicionamento físico em dia e aproveitar a liberdade das baladas.
 
Não é o perfil que trai, é o que termina e não oferece chance para intimidade mais longa. É inconcebível a ideia de morar com outra pessoa e partilhar seus segredos e perder suas manias. É o filho único do amor. O filho mimado. Não admite dividir o quarto.
 
SAÍDA DE EMERGÊNCIA
Arte de Fatturi


“Vamos não vamos, nos perdemos, voltamos. Ele mudou de cidade, mas sempre ia me ver. Uma semana antes de eu ir para a Suécia, ele pediu que eu ficasse, propôs morar com ele. Foi da boca para fora. Ele vasculha minhas fotos e mural no Facebook, mas não manda mensagem. Será que não sou nada? Graça”

Querida Graça,
 
Vocês criaram aquilo que chamo de “romance de saída de emergência”. É um relacionamento que não conhece paz, harmonia e calma, adora crises e cresce com a possibilidade do fim.
 
Quando estão perto de romper em definitivo, as juras são renovadas e alimentam a ilusão de que o relacionamento engatou de vez. Em seguida, com a estabilidade, a convivência retoma o batimento e voltam a provocar um ao outro por uma nova declaração e picos de audiência cardíaca.
 
Ele ama você, mas não ama a vida que pode ter com você.
 
Ele ama você, mas odeia estar amando. Compreende o amor como uma maldição, uma pegadinha do destino. Pretende ficar próximo, mas rejeita o cenário de simbiose e dependência.
 
Confia que o amor é uma fragilidade a ser evitada. Atrapalhará sua liberdade de ir e vir, prejudicará os negócios e o desempenho profissional. O amor é uma espécie de inimigo insaciável, a exigir disponibilidade para gentilezas, mimos e cuidados.
 
Ele experimenta a seguinte crise: não se separa e também não se entrega. Procura se livrar do amor, mas não de sua companhia.
 
Isso explica a vigília em silêncio (vasculhando seu Facebook) e a natural resignação diante dos adiamentos e promessas quebradas (como a do aeroporto).
 
Entendeu a contradição?
 
Não construiria minha vida para chamar seu retorno. Não mudaria os hábitos ou inventaria viagens loucas para atrair seu desespero. Vai sofrer muito.
 
Não pode ser metade do que você é porque ele não é inteiro.
 
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 16/09/2012 Edição N° 17194
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

3 comentários:

ana disse...

Nos dois casos, me parece que sāo homens que temem o abandono, por isso se protegem de todas as formas possíveis. Evitam o envolvimento para , em caso de rompimento, nāo terem de conviver com a baixa da autoestima.
Ser abandonado nem sempre significa que estamos abaixo das expectativas do outro. Pelo contrário, às vezes é por estarmos muito acima. Nāo pensamos isso, temos a tendência a achar que a outra pessoa estava insatisfeita conosco, mas muitas vezes ela está insatisfeita com ela mesma e nāo consegue se relacionar com alguém especial.

Thayane Gaspar disse...

Não sei como você consegue interpretar tão bem os relacionamentos e ainda torná-los poéticos.

ganhar dinheiro disse...

parabens pelo belissimo blog, acompanho o mesmo desde 2010, recomendo a muitas pessoas. Parabens