quarta-feira, 31 de julho de 2013

AMAR DEMAIS É APENAS AMOR

Arte de  Eduardo Nasi

Amar demais não é crime. Amar demais não é doença. Amar demais não é pecado.

Amar demais não é um atentado. Amar demais não é desespero. Amar demais não é carência. Amar demais não é um abuso.

Amar demais não é uma violência. Amar demais não é um desequilíbrio.

Amar demais é amar. É estar amando um pouco mais do que ontem e um pouco mais do que hoje e um pouco mais porque a memória se espalha na imaginação e o desejo não tem cura.

Não existe amor demais, existe amor de menos, existe desamor.

Não existe amor demais, existe amor necessário, amor essencial, amor crescendo.

Não existe amor demais, existe amor e ponto. Amor com sua lógica incoerente, seu pulmão de coração, sua febre ansiosa.

Amar demais é amar sofrendo como todos que amam. É amar inseguro como todos que amam. É amar desconhecendo as fronteiras como todos que caminham com a boca.

Amar não tem régua de abraço, não tem bafômetro de beijo. Não há como dizer que um ama mais do que o outro, ou que um ama pelo outro.

Os amores se misturam quando se ama. Os amores não param de se transferir. Os amores não cessam de recomeçar.

O amor é uma saudade que não se contenta em chegar. É — ao mesmo tempo — o medo de não ser mais ninguém e a alegria de ser tudo.

O amor não é um gesto isolado, impreciso, parado. É um gesto contínuo.

Amor é velocidade. Não conheço jeito de fotografar o amor, e definir: — Este é o seu tamanho!

Amor é desobediência. Não conheço jeito de estancar o amor, e declarar: — Este é o seu limite!

Amar demais é amar correndo com o batimento. É jurar que o mundo vai terminar se o amor terminar. É querer morrer de tanto viver. É nascer brigando e dormir beijando.

É amor, e deu, não inventaram modo mais calmo, versão reduzida, plano controlado.

Amor é uma paz ensandecida, uma guerra calma, uma curiosidade insaciável.

Amar demais não deveria assustar. É como impor cor ao crepúsculo, intimidar a mancha luminosa da lua, censurar um pássaro no alvorecer, trancar o rebanho de estrelas no estábulo de uma nuvem.

Amar demais é querer mais do mesmo amor, é se fartar e sempre faltar, é encontrar procurando, é achar se perdendo, é abençoar amaldiçoando.

Amar demais não tem uma imagem tranquilizadora, um objetivo, uma linha de chegada.

Amar demais não tem controle, pedágio, fiscalização. É realmente assustador. É realmente terrível.

Amar é demonstrar e não se contentar, é repetir e ainda ser inédito, é se arrepender já em pensamento.

Amar é escolher e não se acomodar, é cumprimentar uma vez e jamais se despedir.

Não há amor errado, mas amor aprendendo.

Não há amor demais. É amar como nunca antes. É amar transbordando vento e virando caminho.

Amar demais é amar. Será doação, entrega, não se controla o que foi oferecido, não se cobra de volta.

Se alguém diz que você ama demais, peça uma carta de recomendação.






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 30 de julho de 2013

O IMPOSSÍVEL É O SOBRENOME DO MEDO



Perdemos mais tempo arrumando desculpas do que vivendo.

Perdemos mais tempo adiando do que aceitando a dificuldade.

Perdemos mais tempo explicando a desistência do que enfrentando o sim.

Eu garanto que a fuga dá mais trabalho do que se encontrar. Porque estaremos longe, mas com saudade. Porque estaremos protegidos, mas vazios. Porque estaremos aliviados, mas entediados.

A vida é simples, milagrosamente simples.

A esperança é firmeza. Consiste em seguir adiante mesmo com pânico, mesmo com receio.

Não há como acalmar o coração senão vivendo.

Parece que nunca conseguiremos fazer, mas vamos fazer, acredite, toda a vida foi feita de sustos bons.

Somente tememos o que é importante. Somente temos dúvidas do que é essencial. Somente entramos em crise por enxergar com clareza a dimensão de nossa escolha.

Os riscos valorizam a recompensa.

Viver não é para solitários. Sempre tem alguém nos chamando para nos acompanhar no perigo.

Eu pensei que nunca percorreria o corredor de minha infância caminhando, mas o vô me esperava do outro lado. Eu caí e ele me levantou com suas mãos de regente.

Eu pensei que nunca me manteria equilibrado numa bicicleta, mas meu pai fingiu que segurava a minha garupa e pedalei de olhos fechados com o vento me guiando.

Eu pensei que nunca aprenderia a ler e a escrever, mas a letra da minha mãe foi a escada para as histórias.

Eu pensei que nunca teria uma namorada, mas o beijo veio distraído no recreio da segunda série.

Eu pensei que nunca conseguiria nadar, mas os braços foram se revezando até atravessar a piscina.

Eu pensei que nunca passaria no vestibular, mas sacrifiquei noites e pesadelos para um lugar na faculdade.

Eu pensei que nunca teria filhos, eu pensei que nunca dividiria a casa com alguém, eu pensei que nunca seria dependente do olhar de uma mulher, eu pensei que nunca teria dinheiro, eu pensei que nunca seria feliz.

Eu pensei, mas fui fazendo. Fazendo. Fazendo.

O impossível é apenas o sobrenome do medo.

Você acha que somos impossíveis, mas é do impossível que o amor gosta.

O impossível é inesquecível.

O impossível é o possível repartido. O impossível é o possível a dois.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 30/07/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17507

ME AME COM FÉ

Arte de Caravaggio

A fé casa mais do que o amor. 

A fé é uma esperança que não morre. 

Que você tenha fé em mim mais do que esperança. 

Pela fé acreditará sempre em mim, tanto faz o que aconteça, tanto faz o desespero. 

Estará comigo na pobreza, na doença, na falência, na dor, na angústia até a noite escura dobrar a esquina do sol.

Hoje todo mundo não quer relacionamento, mas felicidade. Ser feliz o mais rápido possível. 

Felicidade é fácil, a fé é difícil.

Felicidade no empurra ao descarte, fé nos ensina a valorizar o pouco que somos.

Felicidade é atingir objetivos, fé é não largar a mão de nossa companhia mesmo quando os objetivos não são atingidos. 

A fé é estar junto mesmo quando somos tristes. É ajudar o outro a se levantar. É não abandonar o outro porque ele está passando dificuldades. 

A fé é uma certeza para suportar todas as demais dúvidas. 

O amor nunca passa sem a fé. A felicidade passa, sempre passa.

Amor nos leva para fé, a felicidade só nos leva ao egoísmo. 

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (30/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

sábado, 27 de julho de 2013

QUE LANCE!

Arte de Fatturi

Amar é narrar.

Amar é descrever passo a passo de nossa companhia.

Eu demorei a perceber, mas sou um narrador esportivo das manhãs de minha casa.

Todos que amam são. Não é uma exclusividade vocacional. Não é um dom incomum.

Logo que desperto, vou descrevendo as ações e reações de minha mulher. Como se ela não soubesse o que está fazendo.

Tomo um microfone imaginário, ajeito o timbre e deslindo suas lindezas.

“Juliana acorda, ela se espreguiça, ela está de bom humor ou de mau humor? Vamos ver... Abrindo os olhos... Ela se levanta devagar! Quando levanta rápido, está braba. Quando levanta aos poucos, ronronando e me abraçando é sinal de alegria. Feito: está de bom humor, ela ri para mim. A torcida vibra.”

Não lembra uma partida de futebol?

“Juliana busca um copo de água e vem tomar no quarto para olhar o que vestir, ela nunca escolhe as roupas com antecedência, ela sempre procura as roupas antes de sair, agora é o momento decisivo do pênalti, ela olha as traves do armário, analisa o que vai usar, chuta com confiança uma combinação e gol, gooooooooool de Juliana, gooool”.

Quem ama pensa em avisar o outro da própria vida - o que é engraçado e curioso.

Quem ama se vê no direito de devolver a consciência para seu amado.

É a pretensão de informar o outro dos seus movimentos. Como um espelho verbal. A voz passa a ser o espelho mais leal do quarto.

Não há intervalo no jogo de reflexos: tento ser ela, adivinhar seu estado emocional e sua vontade de viver. Eu me afasto de meus interesses para encarnar uma personagem e compreender suas escolhas.

O amor me concedeu uma técnica apurada de observação. Uma sensibilidade para antever dribles e contra-ataques. Pontuo suas caras e bocas com eloquência radiofônica. Desfaço ironias, despejo gentilezas.

Não me limito ao papel de narrador, também cumpro a função de comentarista. Além de detalhar o andamento da véspera do trabalho, dou pitacos no uniforme, na situação do gramado e nas estratégias em campo.

“Não acha que está frio? Pode precisar de um casaco. Calma aí, deixa espiar a web...Há previsão de chuva de tarde, melhor uma botinha”.

Isso quando não invento de atuar como repórter em campo, armando entrevistas na beira da cama ou da mesa do café.

“Está tudo ótimo? Dormiu bem? Sonhou com o quê?”

Todo dia é um suspense para desvendar seu temperamento. Mas não estou sozinho, não duvide, ela faz o mesmo, questionando minhas mínimas e estranhas atitudes. Como a de jamais acordar em silêncio.

 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 28/07/2013 Edição N° 17505

sexta-feira, 26 de julho de 2013

PREGUIÇA LIVRE

A preguiça é a maior desculpa pra não ter relação.

Se você está solteiro e não sai, parece que se está perdendo tempo. Se está casado e não sai, parece que está dividindo a vida.

Reflexões de DRnaTV, da TVCOM, exibido na terça (23/7).

Veja aqui:

DELÍCIAS DO INVERNO

Arte de Jean Philippe Arthur Dubuffet

Reclamamos que está frio a cada quinze minutos, falamos do tempo a cada quinze minutos.

Mas o inverno é uma maravilha para o amor e para preguiça.

O quero-quero de pantufas sabe disso.

Tem certas coisas deliciosas que só o frio traz:

– Dormir de conchinha, com os pés colados.
– Usar uma meia sobre a outra.
– Tomar chá, café e chocolate quente, tudo que tem fumaça.
– Escrever nos vidros embaçados.
– Cheirar os cabelos depois do banho.
– Pôr luvas que combinem com as botas.
– Vestir casacos pretos de mafioso.
– Beber vinho e ficar corado.
– Comer bobagens e não se sentir gordo.
– Buscar um lugarzinho na frente do fogão a lenha.
– Namorar no sofá com edredon velho cobrindo os joelhos.
– Acordar tarde no final de semana.
– Pedir para a mulher, por favor, levar o cachorro a passear.

Ouça o que falei na manhã de sexta (26/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

terça-feira, 23 de julho de 2013

DOIS ENGRADADOS DE LEMBRANÇAS



Trinta e sete anos resultaram em vinte e quatro caixas.

Meu amigo Daniel Scola empacotou sua vida para casar. Mudou-se para casa nova com a namorada Gaby.

Tudo o que viveu entrou em vinte e quatro caixas, tudo o que economizou, tudo o que recebeu e ganhou, tudo o que não soube jogar fora, tudo o que é.

– Eu sou vinte e quatro caixas! –, ele me repetia.

Scola estava feliz, porém ainda inconsciente da própria felicidade, ainda com o riso atrasado.

Experimentou a solidão de descer todos os livros, CDs, objetos para o frete.

Não deixou ninguém ajudá-lo a embrulhar suas coisas. Era um ritual de passagem. Foi se despedindo do passado, das lembranças do colégio, dos amores antigos, das tristezas, das medalhas, dos boletins.

Suspirou, bocejou, gargalhou como se fosse louco, absolutamente desacompanhado.

Viajava longe sem sair do lugar. Lembrar é viajar com a roupa do corpo. Os braços doeram, as costas doeram, as pernas doeram pelos sucessivos deslocamentos imaginários. Estar em vários tempos dentro de si cansa.

Mas não abdicou de realizar o translado sem ninguém. Ninguém mesmo. Nem parentes nem amigos. O corpo precisava acompanhar a exaustão da mente.

Urgia superar o passado antes de se virar para frente. Quem se casa depende de um momento sozinho com seus fantasmas.

Organizou seus pertences com a obsessão de um bibliotecário, marcando o conteúdo com hidrocor, isolando o papelão com fita.

– Sou vinte e quatro caixas – ele buscava se convencer.

Assim como concluímos, quando jovens, que a festa tinha sido boa pelo número de cervejas que bebíamos, Scola não parava de se gabar das vinte e quatro caixas.

– Minha vida consumiu dois engradados de lembranças, não foi mal, hein?

Quando ele colocou as bagagens reunidas na sala, disse que agora pediria ajuda para Gaby.

– Cansou?, perguntei.

– Não, é que, quando ela me ajudar a abrir as caixas, ela entrará para sempre em minha memória, na minha infância, na minha adolescência, vai se infiltrar definitivamente em minha história. Vou mostrar as fotos, explicar o que são meus objetos de estimação, perguntar onde podemos colocar. Não serei mais solteiro para recordar.

Daniel Scola descobriu que se mudar é guardar sozinho para abrir a dois.

E, no final, arrebentar as caixas e desistir de separar as vivências. Nunca mais saber o que é dele ou dela.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 23/07/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17500

UM LUXO

Arte de Rufino Tamayo 

Tem homem que não suporta discutir a relação. Sofre de alergia. 

Não fico brabo, não fico chateado. Eu agradeço. Sou profundamente grato. Sou feliz. 

É muita alegria ter alguém que lhe espera para desfazer mal-entendidos. 

É muita alegria ter alguém que perde três horas do seu dia para me entender.

É muita alegria ter alguém que ainda encontra tempo para tirar satisfação mesmo depois de uma rotina estafante de trabalho. 

É muita alegria ter alguém que se importa com a minha opinião.

É muita alegria ter alguém que defenda seu ponto de vista.

É muita alegria ter alguém que não tem preguiça, que aceita se incomodar para melhorar a convivência. 

É muita alegria ter alguém que fala primeiro comigo antes de expor as dificuldades para os amigos.  

E muita alegria ter alguém que chora ou grita, que se emociona, que valoriza cada olhar ou palavra.  

É muita alegria ter alguém que decide dormir tarde só para esclarecer sua opinião e descobrir o que estou pensando.

É muita alegria ter alguém que não vira para o lado, que não é indiferente.

Quem está se separando não discute - foge de qualquer conversa.

A paz é para os mortos. Já o ruído é para os vivos.  

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (23/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

domingo, 21 de julho de 2013

A ROUPA PARA DORMIR QUE NOS ACORDA

Arte de Isabelle Tuchband

A mulher mais sexy não dorme de baby doll.

Não dorme de camisola.

Não dorme de pijama.

Não é a que dorme nua tampouco.

É a que dorme com as roupas emprestadas de seu homem. Aquela que veste sua camiseta.

Você vê sua roupa nela e fica com vontade de botar no dia seguinte, deseja levar o perfume futuro adentro. Você lembrará dela ao escolher o que vestir de manhã, não somente ao se despir de noite.

É uma armadilha para a dependência. Para criar vínculo e intimidade.

A mulher que dorme com sua roupa devolverá a crença do sexo no casamento e o gosto pela rotina, além de ser uma prova incontestável de beleza. Pois, apesar de seu traje, ela permanece linda. Nem as medidas masculinas estragam sua volúpia. Ela transforma a camiseta larga em um vestido curto, sofisticando a simplicidade.

A mulher fatal não é a que encarna figurino de sex shop, que está armada para o crime.

A mulher fatal não é a que realiza espetáculo e pole dance.

A mulher fatal não será previsível com rendas e cinta-liga, não aparecerá rebolando com chicote e algemas.

A mulher fatal é absolutamente caseira. Ela disfarça seu desejo, não entrega sua intenção de imediato.

Jamais imaginará que terá sexo com alguém que colocou sua camiseta.

Mas ela engana para impressionar, é uma pureza que excita, uma ingenuidade que desconcerta.

Com a despretensão de uma peça emprestada, ela não segue roteiro, faz com que a transa seja inesperada.

Você cogitará que ela quer apenas dormir, mas ela acordará seus instintos selvagens.

É um golpe de estado. Uma impressionante virada de mesa. Na verdade, uma virada de cama.

A mulher que toma sua roupa para dormir arma um ataque caseiro, uma invasão camuflada. Finge que não se interessa para assumir o controle da situação.

Uma mulher que pega sua roupa para dormir irá enlouquecê-lo (o que é mais sensual do que o improviso?).

Ela vai dizendo nas entrelinhas: “Enquanto não tenho seu corpo, uso sua roupa”.

Não existe cena mais encantadora do que uma mulher que rouba sua roupa para dormir. É o começo de todos os saques. Roubará sua vida dali por diante.

 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 21/07/2013 Edição N° 17498

quinta-feira, 18 de julho de 2013

A MÁQUINA RECEBE RONNIE VON

O apresentador Ronnie Von já posou seminu como forma de protesto.

Ele aprendeu com o pai que o grande julgador é aquele que julga os outros por si mesmo.

A entrevista foi ao ar em meu programa A Máquina, da TV Gazeta, na terça (16/7).

VAGÃO VAZIO

Você acredita em amizade colorida?

Dentro dela há cobranças?

Há como ser amigo e parceiro e não misturar as duas posições?

DRnaTV foi ao Trensurb para descobrir se os passageiros adotam essa companhia para o sexo.

A exibição aconteceu na terça (16/7) na TVCOM, com produção de Fernando Muniz e mediação de Sara Bodowsky.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

RAINHA MÁ

Arte de Eduardo Nasi

Eu voltei de viagem na segunda-feira e encontrei a pia cheia de louça, com todos os copos usados. Todos. Sem exceção.

Pratos e pratos sobre a mesa de apoio. Um absurdo de trastes domésticos. Parece que o armário fora baixado para perícia policial.

Estava assustado. Jurei que tinha entrado no apartamento errado. Ou que tinha sido corneado.

Perguntei para minha mulher, com o coração na mão.

— Houve festa ontem?

— Não, ela me respondeu.

— Não me mente… Como que não? Serviu um exército? Olhe a quantidade de louça para lavar.

— Vinguei minha vida de solteira.

— Como? Que doideira de se ouvir…

— Fui eu mesma que sujei tudo.

— Está brincando?

— Não, pegava sempre um copo diferente e não lavava. Era meu sonho. Passei a vida inteira me reprimindo, tendo que repor quando sujava. Quis um dia sem fazer nada. Sem detergente. Sem esponja. Sem pais.

— Um dia de princesa?

— Não, de rainha má.  Sem alguém me censurando. Sem alguém me controlando. Sem alguém me mandando fazer com a palavra ou mesmo com o silêncio contrariado.

— E acumulou a louça…

— E acumulei a alegria de não ser ninguém.

— E se sentiu melhor?

— Pude me sentir mal sem culpa. Não sei se me entende…

— Explica.

— Ter um dia vazio. Um dia nulo. Um dia que não fosse salvo. Um dia perdido. Um dia posto fora. Um dia meu.

— E?

— E cheguei em casa e atirei as roupas pelos corredores, sem dobrar, sem colocar na máquina, sem me importar onde iria pousar, sem ordem de queda e de procura.

— E?

— E assisti filmes sem parar. E não me importei onde largava a colher e o pote de sorvete. E onde me largava. E onde dormia. E onde acordava.

— E?

— E coloquei música alta e dancei Labirinto de David Bowie e realizei coreografias.

— Tudo sozinha?

— Sim, não diria sozinha, mais que sozinha: fora de mim.

— Que loucura!

— Loucura foi esperar esse momento.

— Isso é adolescência atrasada.

— Não, acho que é infância atrasada. Infância muito certinha. Muito controlada. De quem não aceitava decepcionar os outros. É a primeira vez que tenho um espaço meu, um espaço também para não ser, um espaço para desrespeitar, um espaço para ampliar minha liberdade.  Um espaço para não me assustar com o erro.

— Volto amanhã, concluí, conformado, e me dirigi de novo a porta.

— Por que vai embora, amor?

— Não serei eu a limpar sua vida de solteira. Mas prometo cuidar de sua vida de casada.





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 16 de julho de 2013

QUANDO MINHAS PALAVRAS VOARAM

Arte de Alexandre Calder

Nossa vida não é triste.

Mesmo quando não temos uma alegria, temos uma esperança.

A esperança é a alegria nascendo.

Nunca fui vítima do passado, órfão da memória, coitadinho da infância.

Não me diferenciei pela dor, nem me destaquei pela tristeza.

Detesto reclamar. Reclamar só chama rancor.

O que eu passei, passei, superei de algum jeito, os traumas não me mataram.

As brigas não me levaram ao ódio e ao ressentimento. Não fiquei sequelado.

Aquilo que parecia um sofrimento eterno também esqueci.

Não irei me vangloriar das feridas. Gosto mais das minhas sardas do que das minhas cicatrizes.

Sofri o que aguentei. Aguentar é deixar de sofrer.

Fui educado numa escola pública em que não tinha ninguém para me defender.

Durante dois anos, cedi meu prato de comida para a turma da rua Lavras. O bom é que odiava sagu e polenta, as duas refeições básicas da época.

Era terrível a gangue formada por garotos quatro anos mais velhos do que eu. Andava com canivete e chaco. Arrastava vítimas pelos corredores do Imperatriz Leopoldina. Cobrava a feitura de temas e revistava bolsos dos colegas no recreio.

Desfalcou várias vezes minha mochila. Levou estojos, cadernos, réguas e a coleção de bolitas.

Sobrevivi ao roubo. Sobrevivi ao medo. Sobrevivi aos reveses.

Lembro que eles me seguraram pelos pés na janela do terceiro andar do refeitório.

Fiquei balançando do lado de fora. Um ioiô das risadas dos meninos.

Eu gritava de horror.

Quinze minutos balançando pelo avesso. Um enforcado dos pés.

Como se estivesse num kamikaze do parque de diversão.

Alucinado de ponta-cabeça. Batendo com o peito na parede do lado de fora.

Minhas palavras de socorro voaram pelo pátio. Pelo bairro. Foi quando aprendi a voar pela boca.

Eu me esvaí em lágrimas como qualquer criança naquela situação-limite.

Devo ter mijado, devo ter babado, devo ter feito o testamento na hora.

Olhava para baixo e me enxergava despedaçado no concreto.

A poça de sangue marcaria minha despedida do mundo.

Os guris me mantinham preso apenas pelos tênis.

Agradeço que usava Kichute amarrado nas canelas, o calçado nunca escorregava. O cadarço firme como um cordão umbilical.

Se não fosse o Kichute, estaria morto.

Sempre teremos uma esperança maior do que a tristeza. A esperança já é uma alegria.

Mesmo que seja um Kichute.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 16/07/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17493

A INTENÇÃO DESMERECIDA

Arte de Giacometti

Meu amigo preparou o almoço. Uma massa pesto maravilhosa.

Quando sua esposa apareceu em casa, fui elogiar:

 Seu marido é um autêntico chef italiano. Cozinhou uma massa e tanto. 

Adivinha o que ela respondeu?

 Assim é fácil, qualquer um faz, ele usou molho pronto. 

Em vez de comemorar o capricho do marido, ela desdenhou. Ela subestimou. Ela colocou o sujeito para baixo. Ela diminuiu a importância do ato. 

De repente, nem percebemos o quanto rebaixamos quem a gente ama. 

Pelo pretexto da sinceridade. Pelo pretexto da espontaneidade. 

É um desejo de desmascarar totalmente dispensável, é um desejo de ser mais verdadeiro do que a verdade totalmente desnecessário. 

A pessoa se esforça em ser gentil e agradar e não respeitamos a tentativa, não reconhecemos a intenção.

Temos que avacalhar, mostrar que o outro não é perfeito, expor fraquezas publicamente, entregar os defeitos. Para quê?   

Devia ser o contrário. Os casais deviam se proteger, deviam se cuidar, deviam se unir pelas virtudes.

Os casais deviam se incentivar, se elogiar, se respeitar. 

Acordar e escolher algo bom a ser dito, algo bom a ser sublinhado.  Não alimentar o rancor já no café da manhã. 

O mundo do trabalho já é tão cheio de crítica, o mundo do trabalho já é tão perverso, não é justo maltratar nossa família. 

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (16/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:

domingo, 14 de julho de 2013

O APAIXONADO JAMAIS ADIA ENCONTRO

Arte de Fatturi

Quem está apaixonado não desmarca encontro.

Cancela trabalho, família, viagem, mas não suspende compromisso.

Assume prejuízo, enfrenta chefia, suporta calado todos os dissabores, mas não abre mão. Não nega o que foi firmado.

Mesmo que tenha trocado o mês ou se confundido com a data, assume o erro como acerto e segue em frente. Troca de turno com colega, compra amigos, arruma atestado médico.

Quem está apaixonado jamais desmarca encontro. Nem altera horário. Não tem coragem de pedir para que seja mais cedo ou mais tarde. Não é capaz de reivindicar 10 minutos a mais ou a menos. Não mexe no assunto. Não adapta planos. Não negocia prazos.

Aceita a data como um desígnio. Uma audiência de Justiça. Uma convocação da Receita Federal. Se não for, tem a sensação de que será preso, condenado por esnobar o amor.

Não brinca com a autoridade do encontro. Receia que não aconteça de novo, não arrisca zombar do destino. Não oferece chance ao azar. Teme um imprevisto, penteia o calendário, apressa o relógio e o coração.

Vive o transe de ser feliz, a hipnose de não pensar em um segundo plano.

Quem está apaixonado não arranja desculpa, inventa saídas.

Quem está apaixonado não se presta a solicitar fiado, paga à vista.

Só aquele que realmente não sente saudade é que adia encontro. Se o café é sempre postergado é que falta vontade.

Adiar compromisso é sinal de desamor. Não precisa de mais nenhuma prova. Não há aquele interesse máximo, aquela tara, aquela dependência.

O sujeito pode ter uma justificativa nobre: imposição do emprego, doença, tragédia. Nenhum pretexto servirá para remendar a esperança.

Não se mexe em encontro entre apaixonados. Deixa para adoecer depois, deixa para morrer depois.

Se alguém liga para reagendar sacrificou a paixão. É aviso fúnebre, é velório da voz. Significa que não está realmente a fim. Demonstra que tem um interesse passageiro, efêmero, pouco sério.

O apaixonado enlouquece com a simples hipótese de não ver mais o outro. Não vai estragar a importância do enlace, diminuir a expectativa, mostrar desapego.

Eu fiquei imensamente eufórico ao lembrar que nunca desmarquei nada com minha mulher, Juliana.

Fui me gabar para ela:

- Amor, jamais cancelamos nenhum encontro entre nós, não é legal?

Juliana me analisou com desconfiança:

- Fabrício, a gente só teve um encontro e não mais nos desgrudamos.

Eu percebi que a tática para não sofrer com atrasos e remanejos é permanecer junto desde o primeiro beijo. E não se soltar mais.

Foi o que eu e Juliana fizemos.

A paixão é um sequestro. O amor é quando pagamos o resgate.


 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 14/07/2013 Edição N° 17491

sexta-feira, 12 de julho de 2013

TODA MÃE MERECE O ADEUS DE SEU FILHO


Minha secretária Cléo chegou no trabalho chorando um dia desses. 

Sua filha tinha saído de casa sem se despedir.

Sua filha tinha pego todas as suas coisas enquanto ela estava comigo.

Sua filha não deixou nem um bilhete. 

Sua filha aproveitou a ausência para chamar o caminhão de mudança e fazer o frete em segredo. 

Sua filha limpou os armários e o quarto. Como uma ladra. Como uma desconhecida. 

Sua filha foi morar com o marido e não deu um único abraço de tchau. 

Toda uma vida sendo cuidada, sendo sustentada, sendo alimentada, sendo amada e nem um beijo de despedida. 

Nem um pedido de desculpa, nem um pedido de agradecimento.

Nem um aceno de mão na janela. 

Custava esperar a mãe voltar do serviço, custava explicar o que estava acontecendo, custava olhar nos olhos antes de seguir seu caminho?

Não há nada mais triste do que ser abandonado pelos filhos. 

Os filhos pensam que os pais estão contra eles. 

Os filhos pensam que os pais aguentam qualquer coisa.

Os filhos pensam que os pais superam tudo. 

Os filhos pensam que os pais já estão ultrapassados.

Os pais só pensam diferente, mas continuam amando igual. 

Por mais que doa, ninguém se torna adulto sem aprender a se despedir.

Toda mãe merece o adeus do filho. 

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (12/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:


quinta-feira, 11 de julho de 2013

A MÁQUINA RECEBE LUIZA POSSI

A cantora Luiza Possi conta que quando pequena dizia que o nome da mãe, Zizi Possi, era Paloma, para protegê-la do assédio.

Ela diz que tirou a vida pessoal do foco de importância para poder levar uma vida normal.

A entrevista foi ao ar na noite de terça-feira (9/7), em meu programa A Máquina, na TV Gazeta.

NO TÚMULO OU NO CORPO

Você tatuaria o rosto da amada?

Gravaria o nome de seu par no braço? Ou no peito?

DRnaTV foi ao Estúdio Edu Tattoo para saber se o amor requer provas, inscrições.

A exibição aconteceu na terça (9/7) na TVCOM, com produção de Fernando Muniz e mediação de Sara Bodowsky.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

MEU IRMÃOZINHO ESTÁ DE ANIVERSÁRIO

Arte de Fabrício Carpinejar

Eduardo Nasi caminha cheio de moleskines no bolso. Seu bolso é uma prateleira.

Ele reforça o figurino de casacos para carregar mais cadernos. Mesmo que seja um calorão.

Desenha de pé na Paulista, nos cafés, nos restaurantes.

Armado de cinco canetas especiais, onde mistura portas e janelas.

Jamais põe óculos escuros para não espelhar as pessoas. Não pretende ser espelho de ninguém — é falta de educação.

O elevador é mal-educado, ele não. A cama de motel é mal-educada, ele não.

Eduardo Nasi anda como um pássaro. Em pulinhos. Parece que vai voar assim que alcançar a primeira esquina.

Seu pensamento gira rápido, suas ideias não têm pescoço.

É paciente ao extremo. Não leva desaforo para casa — arranja um cinema ou um teatro ou uma exposição no fim do seu expediente.

Sua rotina nunca sai conforme o planejado. É uma rotina esclerosada.

O que mais adora fazer é cozinhar para si. Lasanha vegetariana, por exemplo. Ele diz que a lasanha vegetariana nasceu mesmo para a solidão.

Eduardo Nasi é gentil, quase caridoso em sua gentileza. Fala calmo, manso. Não guarda nada de ópera, apesar de amar ópera.

Jamais mostra a namorada aos amigos para não gerar inquéritos e fofocas. Apresenta apenas a namorada quando já é ex. Conheci todas as suas ex, nenhuma atual.

Sua dificuldade é comprar sapatos. Considera os sapatos masculinos iguais. Alega que falta argola e salto no homem.

Nasi me conheceu como poeta, me desconheceu como cronista. Somos amigos há quinze anos. Nos telefonamos meia-noite e meia, quando estamos cansados e não vamos mais mentir.

Ele costuma explicar que não perde tempo conversando comigo antes. Por quê?

— Você unicamente passa a falar sério depois da meia-noite. Antes, é ficção.

Ele emprega o você, não mais o tu gaúcho. Traz tiradas maravilhosas. Seu sarcasmo vive se jogando do viaduto. Diz que abandonar a terapia é também receber alta. Somente alguém bem resolvido é capaz de negar a mãe, o pai e depois o terapeuta.

A orfandade emocional é a perfeição.

Ele trabalha como publicitário, formou-se como jornalista, é um contista invisível.

Odeia ponto-cruz. Odeia roupa com ponto-cruz. Odeia brilhos com ponto-cruz. A virtude do ódio é que não precisamos explicá-lo, é regido por arbitrariedades.

Nasi usa bengala para endireitar o olhar do outro. Usa suíça para implicar com o olhar do outro. Usa lenço na fatiota para mostrar que o passado é exuberante.

É um ancião com menos de 40 anos.

Ele nasceu em Porto Alegre, mas surgiu em Berlim.

Eu amo muito Eduardo Nasi.

Ele só existe em minha imaginação, mas eu empresto a você todos os dias.






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 9 de julho de 2013

NÃO TENHO MAIS AVÓS VIVOS



Nenhuma casa de avó para visitar mais.

O Mercado Público de Porto Alegre é a casa de avó que ainda me resta.

O casarão amarelo em que até fantasmas e vivos não se estranham, em que o antigo e o novo não se desentendem.

O Mercado Público é onde tenho a liberdade de neto, sem a pressão de filho.

É uma quadra inteira de conselhos e mandigas, um prédio pintado de crepúsculo, com marquises e varandas, histórias e assoalhos, porões e janelões.

Todos podem entrar, não há discriminação social, intelectual, espiritual, é o clube social em que basta nascer gaúcho para ser sócio.

O Mercado Público é o aquário do Guaíba. Um girassol de pedra.

De seu segundo andar, posso enxergar a cidade, o rio, pedir colo a uma nuvem.

As pombas voam com entusiasmo em seu teto alto de catedral. Os cachorros procuram caixotes de madeiras para sestear.

Foi no Mercado Público que minha filha aprendeu a comer peixe.

Foi no Mercado Público que comprei erva-mate para mandar para meu pai no Rio de Janeiro.

Foi no Mercado Público que encontrei pó de casamento para jogar na minha mulher Juliana (e deu certo).

Foi no Mercado Público que abandonei meu medo de mendigos.

Foi no Mercado Público que arremessava aviãozinho de papel em direção à prefeitura.

Foi no Mercado Público que ampliei minha coleção de selos.

Foi no Mercado Público que carreguei um peixe numa sacola de plástico para entregar de presente a meu melhor amigo.

Foi no Mercado Público que quase morri de mocotó disputando quem comia mais com meus irmãos.

Foi no Mercado Público que tomei meu primeiro café forte e dispensei o açúcar.

Foi no Mercado Público que escrevi poemas de minha estreia: a tarde enferrujava nos dobres das dobradiças.

Foi no Mercado Público que minha mãe contou que iria se divorciar do meu pai. E, para compensar a notícia, deixou que repetisse sorvete com salada de fruta.

Foi no Mercado Público que gastei o meu primeiro salário como jornalista.

Foi no Mercado Público que comprei frutas exóticas para treinar meu paladar a viajar longe.

Foi no Mercado Público que meu eco passou a andar sem coleira.

Foi no Mercado Público que marquei encontros comigo e me perdi de mim.

Foi no Mercado Público. Sempre minha vida foi no Mercado Público.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 08/07/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17486

POR QUE ESTÁ TRISTE?

Arte de Marc Chagall

Tenho uma mania irritante.

Quando alguém está chateado, brabo e nervoso, fico chamando atenção.

Fico alertando que a pessoa está chateada, braba e nervosa. Como se ela não soubesse.

Ela grita, e aviso que ela está gritando.

Ela esperneia, e aviso que está esperneando.

Fico em cima como mosca.

Fico narrando o mau humor como uma partida de futebol.

Momento a momento. Frase a frase. Cada lance da partida.

"Vê como está pessimista?" "Olha o que está dizendo?" "Para que tanta ofensa?"

Fico descrevendo o azedume como se fosse Pedro Ernesto Denardin.

Quem não está legal não vai se recuperar nunca com a pressão. Tende a piorar.

Quem está triste acaba mais triste com o excesso de perguntas.

Não permaneça em cima observando de lupa, que o desespero aumenta.

É básico: quem está triste precisa se isolar um pouco. Respeite. Saia de perto.

Mas sou tão irritante que quando a companhia já dá sinais de recuperação, eu pergunto se já passou a raiva.

Para que lembrar?

Sempre que a gente pergunta se o outro melhorou, ele se indigna novamente.

Não volte ao assunto. Não seja a voz do aeroporto do desastre.

Ouça comentário que fiz na manhã de terça-feira (9/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Jocimar Farina:


domingo, 7 de julho de 2013

FALAR-LHE-EI A TEU RESPEITO

 
Arte de Fatturi

Eu tossia com violência, mal à beça, com asma de fechar a garganta e o nariz.

Era alta madrugada.

Puxava o ar como se fosse um carrinho com controle. Algo separado de mim. Um vento estranho que exigisse o alcance visual.

Sofria a chegada do inverno. Seria mais uma passagem tumultuada pela emergência do hospital Moinhos de Vento. Estragaria o dia seguinte de trabalho. Já estava desanimado prevendo as consequências de arrasto e das poucas horas de sono.

Foi quando a banalidade me ofereceu seu milagre.

Depois da nebulização, já tranquila com a medicação, Juliana pegou com vontade a minha mão esquerda e beijou meus olhos.

Beijou os dois olhos em sequência. Beijou minhas pálpebras como se fossem lábios. Umedeceu meus olhos com sua saliva.

Não parava de acalmá-los com seu perfume. Sua boca caminhava de um lado para o outro, como uma compressa de febre.

E vi o quanto ela me desejava.

Quem beija a boca está apaixonado. Mas quem beija os olhos de seu homem está amando verdadeiramente.

Beijar os olhos é ter medo de perder quem a gente quer, é ter medo da viuvez, da solidão, do abandono, de nunca mais ser feliz.

Ninguém beija os olhos à toa, por distração.

Beijar os olhos é uma demonstração de apego, de urgência, o equivalente a uma serenata na janela.

Não é para qualquer um, é um gesto pensado, decidido, orquestrado pelos nervos e solicitado por todo o sangue do corpo.

É o auge da delicadeza. É quando a feição se abre em corredor do altar.

É o cume da sutileza, manifestação maior de confiança.

Beijar os olhos de um homem é a mesóclise da vida a dois. A mesóclise é linda, mas rara, deve ser usada em ocasiões muito especiais.

Uma mulher somente beija os olhos de seu homem porque chorar não é mais suficiente. E chora com a própria boca em outros olhos. Sua língua é uma lágrima emprestada.

Trata-se de um beijo que rouba o rosto inteiro. Um comprimir confuso, sincero, impetuoso.

Talvez seja uma confissão mais do que beijo. Talvez seja um voto de fidelidade. É o instante em que ela aceita que o tempo não existe no amor, o que existe é a palavra dada.

Beijar os olhos de um homem é um pedido de casamento feito pela mulher.

Não me curei da asma, mas, desde aquela noite, meus olhos respiram muito melhor.

 
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 07/07/2013 Edição N° 17484

sexta-feira, 5 de julho de 2013

NÃO MISTURE OS TRAUMAS

Arte de Tim Burton

Em todo relacionamento é saudável evitar comparações.

Não é necessário comparar. Comparar é só criticar, colocar defeito, inventar um senão.

Quem ama deseja se sentir único, exclusivo, inesquecível.

Não quer se ver repetindo fatos, copiando lembranças, imitando os outros.

E nem digo comparar o atual com um ex que é caso para divórcio.

Jamais exponha: "Isso o meu ex também gostava", "Como você é parecido com meu ex", "Você faz igual ao meu ex".

Não. Não. Não. Impensável.

Intimidade não é grosseria, intimidade é educação.

Além do fantasma do ex, marido e mulher odeiam ser comparados com o pai e a mãe.

Não fale que seu marido é igual ao seu pai, ou igual à sua mãe.

Urticária na certa. Discussão na certa. É muito irritante se ver semelhante ao sogro ou a sogra.  Por mais admiração que se tenha pelos dois.

É tragédia grega. É transformar a cama de casal em divã.

Ser parecido ao pai ou a mãe dela nunca é bom, é para indicar alguma censura ou uma amolação. Nunca vai ajudar o amor. Não é um destaque positivo.  Não é um exemplo alegre.

Você estará lembrando os piores momentos de sua criação: ou chamando seu parceiro de conservador, de implicante, de autoritário.

Pai e mãe são um só. Assim como marido e mulher. Não misture os traumas.  Cada um no seu tempo e no seu espaço. 

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (5/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Jocimar Farina e Leandro Staudt:

quarta-feira, 3 de julho de 2013

MANIFESTO AO AMOR

Quais são as reivindicações da relação?

Educação? Gentileza? Sexo?

DRnaTV luta pelos direitos amorosos.

O quadro foi ao ar na terça (2/6), na TVCOM, com produção de Fernando Muniz e mediação de Sara Bodowsky.

.