quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

RESPEITO OU INDIFERENÇA?


Quando o filho é adolescente, podemos errar a medida de nossa atenção. Ou ser chato demais ou mergulhar na indiferença. 

Eu jurava que estava respeitando meu filho. Deixava fazer suas coisas, enfronhar-se em seus jogos de computador, ter sua rotina de sonâmbulo pela casa. 

Às vezes conversava amenidades de futebol, às vezes conferia se precisava de algo, mas sem nenhuma ênfase.

Ele se trancava no quarto ou permanecia horas em silêncio. 

Considerava seus hábitos naturais. Não questionava suas atitudes, não debitava a irritação e a grosseria eventuais na lista negra do isolamento. 

Eu me enxergava um pai descolado, moderno, compreensível. 

Jantávamos olhando para os pratos, os abraços eram vesgos, perdoava o distanciamento, seguíamos a vida como se ela fosse automática.

Até que minha mulher me falou algo no ouvido que me tocou:

- Ele deixou de conviver, ele somente vem passando pela gente.

Aquilo me apertou o peito. E se ele estivesse precisando de minha ajuda? E se ele esperava o dia inteiro que puxasse assunto mais sério? Será que não deveria ter renunciado minha educação e meu trabalho e minhas urgências que no fundo nunca são urgentes?

Chamei meu adolescente para um papo a sós. Ele estranhou, porém aceitou.

Fazia tempo que não sentávamos frente a frente, na mesma altura das sobrancelhas. 

Contei que procurava entender seu espaço e não incomodá-lo, mas que no fundo não aguentava de saudade. Era como se ele estivesse morando longe e fazendo intercâmbio. 

Ele começou a respirar lento para não chorar. 

Descobri que o filho achava que não dava mais bola para ele, que se sentia abandonado, que sempre me ocupava com outras prioridades.

Sofreu calado nos últimos cinco meses. 

Ele estava sem amigos na escola, com dificuldades de pedir licença, já murmurava no lugar de falar. Já aparecia todo maniático, criava tocs e exigências (como fechar a janela do banheiro ou lavar de novo os talheres antes de usar) por viver demais em sua solidão. 

Confundi respeito com desinteresse. 

Mirei sua boca miúda, seus olhos aguados, sua tosse emocionada, e me despertou um desejo de pedir desculpa para os dois: para mim e para ele. 

Como pai, tenho que intervir. Mesmo que erre a medida e seja chato. 


Ano 45, Janeiro 2014 Número 526

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

E VOCÊ?


Ela prepara sua própria pasta de dente, com juá, linhaça e menta, para se prevenir do flúor das pastas convencionais. Flúor é tóxico mesmo em pequenas quantidades.

Ela usa desodorante feito com polvilho doce, já que os vendidos têm alumínio e triclosan, que podem ser nocivos e há estudos de correlação com câncer de mama e distúrbios endócrinos.

Ela emprega óleo de coco como demaquilante para não recorrer a produtos que são testados em animais ou com substâncias de origem animal.

Ela pinta o cabelo com tintura à base de henna, dispensando os metais muito pesados dos produtos do salão.

Ela lava os cabelos com bicarbonato de sódio e vinagre de maçã. Xampus e condicionadores possuem parabenos, sulfato de sódio e óleo mineral, que agridem o corpo a longo prazo.

Ela se protege do sol com óleo de gergelim ou óleo de semente de cenoura. Grande parte dos filtros solares traz ingredientes cancerígenos na composição.

Ela procura comer frutas e vegetais orgânicos – os agrotóxicos são nocivos à saúde.

Ela utiliza apenas soja orgânica. A tradicional é transgênica.

Ela lava a roupa com amaciante e sabão líquido natural à base de coco e a louça com detergente biodegradável.

Ela cria seus produtos de limpeza com álcool de cereais, vinagre e bicarbonato de sódio. Não polui o meio ambiente, assim como não precisa respirar químicas pesadas.

Ela não tem ar-condicionado de propósito. Para diminuir o calor, ampliou as árvores no pátio e as folhagens na sala.

Ela não alimenta seus cachorros e gatos com ração (transgênicas em função do milho e da soja, sem contar que não possuem umidade). Cozinha diariamente para seus animais de estimação.

Ela evita antisséptico de farmácia. Em machucados, coloca gel de babosa, que limpa e cicatriza mais rapidamente.

Ela é adepta de composteiras domésticas. As minhocas se encarregam de transformar os resíduos em adubo para as plantas.

Ela não põe fora latas e vasilhas plásticas, viram vasos para flores.

Ela não mata mosquitos e insetos com spray. Espalha óleo de neem na residência e queima incenso de citronela.

Ela não compra absorventes descartáveis. Prefere um coletor de silicone medicinal hipoalergênico e antibacteriano. É mais higiênico, não resseca o corpo e não produzirá mais de 4 mil absorventes que demoram em média um século para se decompor.

Ela passa toda a sua rotina cuidando do nosso futuro.

E você ainda tem preguiça de somente separar o lixo seco do orgânico dentro de casa. Não fica com vergonha?





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 28/1/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17687

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O HOMEM É MAIS VAIDOSO DO QUE A MULHER

Arte de Georges Rouault

A mulher tem a fama de ser vaidosa. Mas o homem é bem mais. Seja um brucutu, seja um modelo, seja um estivador, seja um DJ.

A vaidade masculina não decorre da preocupação estética, pois se vê tão superior, que dispensa enfeites. Sua fragilidade parte do conteúdo, de sua essência.

Enquanto a mulher é segura espiritualmente e humilde na aparência (procurando infinitamente acessórios e roupas para se melhorar), o homem é indeciso na esfera emocional e soberbo em sua imagem externa.

Ele sempre foi um metrossexual da alma. Sua ostentação vem da carência – precisa constantemente ser legitimado, festejado pela sua companhia, senão se apaga.

Uma prova desse contraste é que é muito mais fácil puxar o saco do homem do que da mulher, é muito mais fácil seduzir o homem do que uma mulher, é muito mais fácil mentir ao homem do que a uma mulher, é muito mais fácil enganar sexualmente um homem do que uma mulher.

A mulher aguenta as críticas, o homem entra em depressão. A mulher rebate ofensas, o homem se flagela com um único desaforo. A mulher não responde a conversinha fiada, o homem exige réplica até de fofoca. A mulher brinca com a desconfiança, o homem é sério e dramático quando o assunto é sua reputação.

Apesar da fachada inviolável, ele é dependente de um agrado. Não dispensa cafuné na linguagem, um afago em seu ego. Adquire segurança de fora para dentro, a partir da repercussão de suas ações. Diferente da mulher, que carrega uma maior confiança e autonomia e contesta a opinião dos outros se acredita que está certa.

O homem não sobrevive diante da estiagem do elogio, por isso não fica sozinho e emenda relacionamentos. Pede alguém ao lado que eleve sua estima, que diga que ele é o cara, o escolhido, o insubstituível, o melhor do mundo. Sua pressa infantil em ser reconhecido prevalece sobre qualquer descoberta individual.

A vulnerabilidade do macho é megalomaníaca. Ele anseia mesmo por uma chuva de confetes. Bajulação se for o caso. Não importa se a declaração é exagerada ou não, fundamentada ou artificial.

Se o homem não se sente admirado dentro do romance, ele se desapaixona. Extingue-se. Pula fora.

É um Narciso no corpo de Hércules. Usa a opinião feminina como espelho, onde costuma se afogar.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 21/1/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17680

MUDAREMOS

Arte Faturi

Era aquele que dizia que não bebeu nada, apesar do bafo de cerveja.

Era aquele que dizia que não fumou, apesar do cheiro de cigarro.

Era aquele que dizia que não pegou as chaves, apesar de ter sido o último a sair com elas.

Era aquele que negava antes de ouvir a pergunta. Das situações mais triviais às mais complexas.

Desprezava as pequenas mentiras. Acreditava que representavam lapsos necessários, pequenas omissões imprescindíveis para viver a dois.

Eu me transformei por amor. Busco ser honesto sempre, assumindo as mancadas e as falhas.

Mentir não me tornava imperfeito, mentia porque não admitia errar. Não aceitava arranhar a minha imagem. Somente mente quem se julga perfeito, e quer esconder seus vacilos.

Atravessei um tabu de décadas, deixei para trás antigas crenças que não entendo de onde tirei.

Todo homem é conservador e resiste às metamorfoses. Até se apaixonar.

“Não vou mudar”, portanto, é uma frase falsa. Apague de seu vocabulário.

Por amor, mudaremos sim. É só mudando que amadurecemos.

Por amor, nos revolucionamos sim.

Pode vir com sua teimosia, com seu orgulho, com sua arrogância, afirmando que é imutável, que não mexerá em seu temperamento, que tem seus hábitos, que foi assim toda a vida, mas mudará sim.

A convivência influencia, abre as ideias, destrói intolerâncias, força a mutação emocional.

Amor é exceção. É quando praticamos a exceção. Pode deixar as regras para os outros.

Quer uma maior declaração do que tentar fazer o que não admitia ou apreciar o que recusava?

Se você mantinha distância de água, por amor fará natação.

Se você alertou que jamais dirigiria um carro, por amor entrará numa autoescola.

Se você alimentava horror de avião, atravessará o oceano atlântico de seu medo.

No relacionamento que dá certo, promessa não é maldição. Ainda que tenha lavrado verdades no cartório, elas serão lavadas dentro de casa: vão desbotar, vão amarelar, vão desaparecer.

Já vi gente parar de beber, parar de fumar, parar de trapacear, parar de trair.

Vícios são abolidos, virtudes são regeneradas: mudaremos sim.

Encontraremos coragem no olhar terno e confiante de nossa esposa. Localizaremos vontade na cumplicidade ingênua do filho.

Mudaremos sempre. Mudaremos vários fins enquanto não vem nossa morte.

Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 19/01/2014 Edição N° 17678

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

NÃO HÁ COMO IMAGINAR

Arte de Paula Rego

Um amigo virou alcoólatra.

Ele era alegre, falante, dirigia negócio promissor, morava em seu apartamento no Moinhos de Vento, viajava para Buenos Aires nas férias, adorava dançar nos sábados.

A última vez em que eu o vi foi em janeiro de 2012, num restaurante italiano da Cidade Baixa. Reencontrei-o há pouco, dentro de um carro, encolhido no banco de trás, com o olhar parado e morno, sendo conduzido para a terceira clínica de desintoxicação. Estranhei os cabelos loiros queimados nas pontas, ele que nunca descuidou de sua imagem.

Em um ano tomado pelo álcool, transformou-se num fiapo de gente: perdeu o endereço comercial, gastou o imóvel para quitar dívidas do vício, não tem capacidade de decidir nem o que vai comer.

Assim como retiramos o rótulo da garrafa de cerveja com a umidade, sua história desapareceu. A bebida sugou sua identidade, seu temperamento, sua memória, até torná-lo anônimo.

Não fiquei triste que ele não me reconheceu, fiquei triste que ele não se reconhecia mais. Sequelado excessivamente para poder reconstruir sua trajetória.

Se o estado deplorável do amigo me assustou, o que deve latejar nas veias de sua família: em seus irmãos, em seu pai, em sua mãe?

O que é ter um filho que se anulou, que morreu para o mundo, a um passo de se apagar a qualquer momento?

Não há como imaginar o sofrimento dos pais. Porque imaginar ainda não é passar a semana inteira levando o filho de um lado para o outro, de um hospital a outro, na baldeação ininterrupta de médicos.

Não há como. Porque eu disponho de tempo para imaginar, eles somente têm tempo para cuidar.

O pai, que jurava que a educação do seu filho estava resolvida (formado e com emprego), enxerga-se impelido a reiniciar a paternidade e caminhar com uma criança grande amarrada aos ombros.

Não há como imaginar o que é receber uma ligação de madrugada para retirar seu filho mergulhado no meio-fio de alguma ruela, onde apanhou ou caiu misteriosamente, lavar os ferimentos e atravessar a noite em claro, rezando para que Deus ofereça uma segunda chance e não o leve embora.

Não há como imaginar o próprio filho querendo matá-lo, possuído de raiva; querendo roubá-lo, possuído de ansiedade; querendo escapar porta afora, possuído de pânico.

Ele melhora um pouquinho, e logo piora de novo. Ele se regenera num mês, e afunda nos seguintes. Ele se acalma um instante, para explodir e bater em quem encontrar pela frente.

Não existe mais o luxo de um dia bom, mas somente dia menos ruim. As expectativas são renovadas para a certeza da frustração.

A família de meu amigo tem todos os motivos para desmoronar, porém permanece de pé. O casal de pais não se separou, os irmãos não se distanciaram, ninguém usa uma desculpa para não trabalhar, um pretexto para não seguir com a rotina. Choram no meio das tarefas, riem de puro alívio, dedicam-se a uma eterna fisioterapia emocional em torno de uma pessoa (as palavras reaprendendo a andar, os lábios reaprendendo a beijar, os braços reaprendendo a abraçar).

Apesar da convicção de que ele é irrecuperável, nenhum dos parentes desiste. Só conhece o amor verdadeiro quem teve uma esperança falsa.

Eles continuam, como continuam os que realmente acreditam em milagres.

Amar com a vida a favor já é complicado, não há como imaginar amar com a vida contra.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 14/1/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17673

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O QUE SOFRE O LAVADOR DE LOUÇA

Arte de André Hallet

Sou um lavador de louça contumaz: retiro manchas, elimino riscos nos copos, realizo milagres com o Limpol e o Sapólio. A esponja e o Bombril são extensões de minhas mãos. Não uso luvas ou água quente por uma questão de caráter; recuso qualquer elemento que seja entendido como uma vantagem.

Faz 30 anos que lavo por persuasão feminina, e já assimilei os sofrimentos do ofício.

O pior não é lavar a louça, é terminar o serviço e a esposa comentar que faltam as panelas. No campo de batalha do fogão, descobrir que resta o triunvirato formado pela panela com o arroz queimado, a frigideira com o molho de carne e a panela de pressão do feijão. Tudo o que lavou não corresponde nem à metade do que cabe ainda lavar.

A notícia aniquila com sua boa vontade. Ao assumir o comando da torneira e do detergente, o mínimo que deseja é visualizar o trabalho a ser feito. Pretende ter a consciência exata do seu esforço. Não quer sofrer nenhum contratempo. O surgimento de quinquilharias de última hora é o equivalente a ser trapaceado na contagem doméstica.

Eu me sinto roubado. Eu me sinto traído pela casa. Eu me percebo humilhado. Nada contra colaborar, o que me incomoda são os imprevistos.

Louça é para profissional. Requer planejamento. Não dá para mudar as regras no meio do jogo. Acabo irritado com o despreparo dos familiares, que nem se desculpam e soltam – com risinhos envergonhados – pires e peças retardatárias na pia.

O pior não é lavar a louça, é lavar antes de servir o doce e o café. Assim que decretar o descanso pousando a chaleira na toalha de crochê, aparecerão pratinhos e xícaras para o segundo turno eleitoral da espuma.

O pior não é lavar a louça, é estender o pano de prato no gancho e sua mulher decidir – porque é você que está com avental naquele dia! – desovar todos os potinhos da comida na geladeira. Precisará dar conta de um estoque completo da Tok&Stok.

O pior não é lavar a louça, é quando esfrega aquela fôrma do assado, debruçado nas frinchas, suando frio, e a família lhe chama sem parar na sala – você não escuta nada porque é impossível participar da conversa ao mesmo tempo noutro lugar.

Mas o pior, o pior mesmo, não é lavar a louça, é secar a louça. Coitado do secador, vice-prefeito da cozinha. Ninguém jamais lembra ou agradece essa tarefa que pode ser exercida pelo vento.

Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 12/01/2014 Edição N° 17671

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

SOFRIMENTO NÃO É CHARME

Arte de Sam Francis

Em minha escola, havia a Maria do Suspiro. Um nome que funcionava como apelido amoroso.

Ela desmaiava semana sim, semana não.

Produzia um acontecimento importante na turma, com descrições de como foi a queda, os passos para reanimá-la, quem a socorreu.

Destacava-se como uma santa na lista de chamada. Se o tombo ocorria antes do recreio, dominava o assunto das rodas no intervalo. Se ocorria depois, não se falava de outra coisa na saída.

Assim que acordava da pane, Maria Suspiro recebia biscoitos, bolo e chá, recebia cuidado e atenção especial dos professores, recebia uma hora exclusiva na sala da direção, e recebia – pasmem – a chance de sair mais cedo.

Passei a minha infância inteira treinando desmaiar. Mas não consegui.

Eu me sobrecarregava de roupas no verão. Botava uniforme com gola rolê. Só que minha pressão não baixava. Eu apenas ficava com a fama de excêntrico.

Sobrevivia um dia jantando ninharias e renunciando o café. Só que a fome apenas produzia barulhos no estômago.

Sofria de amores platônicos, me distraía e jamais me esgotava emocionalmente.

Gostaria mesmo de desmaiar. Ensaiava tonturas na cama. Mas logo me despertava mais animado ainda.

Idealizava o copo inesperado de água com açúcar e os colegas ao meu redor, perguntando se estava bem e se havia recuperado a consciência.

Ansiava por aquela vertigem de amolecer os ombros e se dobrar como água de cachoeira.

Busquei desmaiar na igreja e somente cochilei. Busquei desmaiar na aula de matemática e somente ronquei. Além de não desfalecer, ganhava advertências e ocorrências que sujavam o histórico escolar. Minha saúde perfeita não ajudava a alma romântica. Ganhei a fama de malandro e espertinho, preguiçoso e inconveniente.

Já Maria do Suspiro tinha uma performance impressionante, inimitável. Não compreendia como ela sempre caía bonito, nunca batia com a cabeça ou se esborrachava no chão. Não se machucava, não criava cicatrizes. Ela virava os olhos, empurrava o rosto para trás, e se escorava em alguém ao seu lado, que amparava imediatamente sua frouxidão. Não a vi caindo uma vez desacompanhada. Tinha um senso infalível de momento. Não descia a escada da respiração sem um corrimão ou desprovida do apoio de um braço generoso.

Seus desmaios eram educados, gentis, sedutores. Nem demorados para gerar pânico. Nem rápidos demais para não provocar dúvidas.

Por muito tempo, fui apaixonado pela minha carência. Forçava adoecer para chamar atenção. Enquanto Maria do Suspiro sonhava com a paz de minha vida, com a normalidade discreta dos colegas.

Ninguém é doente por charme. Entendo talvez um pouco tarde. Hoje respeito mais a fraqueza dela do que o meu egoísmo.

Apanhar por amor jamais melhora o amor.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 1/7/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17666

domingo, 5 de janeiro de 2014

AMOR-SEQUESTRO E AMOR-REMANSO


Arte Edu

Se você se afastou dos amigos, dos filhos, da família, é bem possível que esteja vivendo um amor-sequestro.

Não está numa relação, mas num cativeiro, sem contato com o mundo externo e apartado de uma segunda opinião.

Seu paradeiro é desconhecido, não sai do quartinho escuro, não troca ideias com a roda de colegas, não avalia sua condição, apenas se alimenta das sombras do passado e do pensamento.

Ficará tão sozinho, tão distanciado de sua rotina anterior, que não terá mais uma vivalma para pagar o resgate.

O isolamento é o termômetro da falta de felicidade.

O amor-sequestro consiste em devotar suas energias exclusivamente para sua companhia e esquecer o elo das demais amizades. É criar uma simbiose com o sequestrador (namorada ou namorado), a ponto de discutir por qualquer coisa, por qualquer problema.

Você passará mais tempo tentando salvar o relacionamento do que aproveitando o relacionamento. Enfrentará uma situação de pânico, contando os dias, angustiado com a ausência de perspectiva e de estabilidade. Só falará do mesmo assunto: o tratamento injusto que recebe.

Não há como amadurecer com o amor-sequestro. Ninguém cresce pressionado. Ninguém cresce emparedado. Ninguém cresce cobrado. Ninguém cresce ameaçado do fim.

No amor-sequestro, nada é suficiente. Pode oferecer seu máximo de ternura, que será pouco, o máximo de gentileza e será pouco, o máximo de entrega e intensidade e será pouco.

Quando os pedidos são insaciáveis, você não está sendo amado, demonstra que seu par apenas espera sua falha para humilhar e expor a superioridade.

Tornou-se refém das brigas e da insatisfação do outro. Buscará agradar, e decepcionará com frequência. Buscará reverter a situação, e somente agredirá de volta.

No amor-sequestro, deixa-se de ser inteiro para ser fragmentado, parcial, com dificuldades de resolver o trabalho e dar continuidade para a vida social. Nunca sobra folêgo para novas tarefas e compromissos.

O ideal é o amor-remanso. Ter paz para errar, pensar no erro e retribuir com atitudes afirmativas. Experimentar um relacionamento com a sensação de contar com todo o tempo para alinhar os passos (entender para aprender). Pois a solução dos problemas não acontece com hora marcada.

Os amigos e a familiares se manterão próximos, aconselhando, amparando, valorizando o enlace. Tem chance de sentir saudade, não estará sufocado e asfixiado num mesmo lugar, não se enxergará culpado ou em desvalia. Será admirado pela sua lealdade, por aquilo que você é. Por mais que não esteja certo, sua namorada ou seu namorado estará com você, ao lado, esperando que perceba a verdade, respeitando seu ritmo.

Não há maior liberdade do que a tranquilidade. Desfrutar de calma para se conhecer e assim se doar melhor.

A eternidade está no presente, não no futuro. Que seja eterno porque confiamos.

Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 05/01/2014 Edição N° 17664

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

ECO DESAFINADO

Evite o eco nas brigas: o que você disse, o que você me ofendeu?

E entenda: quem quer se separar não manda embora ou diz que vai embora, mas apenas termina o relacionamento.

Veja o programa exibido na TVCOM, na noite de terça-feira (31/12), com produção de Fernando Muniz.