Repassarei um truque aos filhos. Como selecionar um brigadeiro. Nunca compre o doce enorme. Logo se imagina que aquilo deve ter uma latinha inteira de leite condensado.
Na prateleira, é o imperador das bandejas, o pai do quindim, com o formato achatado de capuz. Sua criança babará no balcão, sofrerá um ataque de epilepsia. Por favor, contenha o impulso dela.
Apesar da aparência lustrosa e crocante, coberta de granulado, é uma enganação. Todo chocólatra fareja que é falso. Não pode ser real. Ele vai durar para sempre porque é impossível comer. Na primeira mordida, a arcada perderá seu fio. Procure um moleiro para recuperar a lâmina. É uma pasta com farinha. Até Taiwan seria mais caprichosa na pirataria.
O brigadeiro mais gostoso curiosamente é o pequeno, do tamanho de uma unha. Uma titica. A panelinha guarda lugar para mais dois. Não transmite nenhuma superioridade. Sozinho, não será localizado no mostruário, é uma formiga sendo carregada por uma folha. Depende de lupa, microscópio, pinça.
Mas é esse que fará você pagar o dobro e repetir à exaustão. A gana é obturar todos os dentes com seu conteúdo.
Com o minúsculo confeito, o desejo vem em caixa alta. Somente a língua trabalha, é quase líquido, desmancha no céu da boca e adoece o pensamento.
Portanto, repassarei também um conselho aos netos. Como duvidar do primeiro encontro. As estrelas não escrevem, unicamente brilham.
Ainda temos a expectativa de que ele teria que ser mágico, com efeitos especiais, relâmpagos, tremedeira, suor, frio na barriga. O corpo pescaria a clarividência, estaria certo do destino, pressentiria o casamento no primeiro toque, no primeiro beijo. Seria uma moleza, uma ejaculação precoce, uma tensão infindável. Abandonaríamos os compromissos pela certeza indomável das pupilas. Em madrugadas de lareira, o par esbaldaria aos amigos de que não houve hesitação, foi uma junção perfeita, um golpe de misericórdia no batimento cardíaco.
Já testemunhei amores avassaladores e cinematográficos que não duraram nem a manhã seguinte. O casal experimentou cenas de porta-retrato na cômoda, com todos os sintomas do cortejo romântico e idealizado: a música parou e as casualidades se moveram secretamente. E os dois não seguiram adiante, pois sequer se esforçaram.
O contato inicial pode ser uma droga, a pessoa irritar e bancar a arrogante, cometer grosserias e atazanar a paciência e mesmo assim despertar a curiosidade. Nada mais promissor do que a confusão. A proximidade surgirá pela desconfiança, pelo desafio desagradável, pelas visitas diárias ao ódio, até o momento em que não falará de outra coisa senão dela. Expulsará lentamente os preconceitos e aceitará de que não escolhemos o melhor, mas o necessário.
É a insistência que produz o amor, não o deslumbramento.
Paixão à primeira vista não existe com brigadeiro ou com mulheres. Mas cheiro à primeira vista é imbatível. A química não costuma falhar, desde que tenha tempo para misturar os ingredientes.
segunda-feira, 1 de março de 2010
OS OLHOS SÃO COADJUVANTES DO OLFATO
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27 comentários:
P-E-R-F-E-I-TO!
Adoooro as comparações entre a vida e as pequenas coisas presentes em seus textos.
A princípio parecem tão banais, mas ganham uma relevância inenarrável nas entrelinhas.
Sou fã e gostaria de um dia poder escrever como você!
Suce$$o!
E as banalidades são sempre profundas, não é?
rs
*TaTi*
(www.banalidadesprofundas.blogspot.com)
Belíssima forma de filosofar sobre coisas que eu realmente amo nessa vida: brigadeiro e relacionamentos, no caso, o amor.
Todo mundo sabe que é mais facil comer uma bandeja de brigadeiros pequenos do que um brigadeiro gigante, até porque este último, muitas vezes, é feito de 'moça fiesta' - o pior das falsificações deste doce.
O tamanho, por muitas vezes enche os olhos, mas não alimenta a alma, não sacia o desejo, nem desperta curiosidades... adorei a parte em que disseste que "É a insistência que produz o amor, não o deslumbramento."
Já o seguia no twitter, mas não sabia que as belas frases que escrevías vinha do blog. Acabou de ganhar uma fã.
Grande abraço.
Sim, sim e sim, "cheiro a 1ª vista é imbatível", costumo dizer que podemos ficar sem comer e sem beber durante um largo espaço de tempo, mas sem respirar a gente n aguenta quase nada, sendo assim, se o cheiro n agrada, danou-se. E quando num relacionamento o aroma da pele do outro, enjoa, já melou, já morreu se não tudo, quase tudo.
beijos Carpinejar, como sempre vc é brilhantemente soberbo.
Solange Mazzeto
Excelente texto, como sempre!
Concordo que seja a insistência pelo que vale a pena que produz o amor! hehe
E mais: a química realmente precisa de tempo para que se misture todos os ingredientes.
Um abraço!
"É a insistência que produz o amor, não o deslumbramento."
Se o Amor tiver pai, deve ser tu, Fabro!
Adoro teus pensamentos.
À você cabe a forma latina "sapere" - linda analogia entre desejos e essências...
Amando cada texto seu, parabéns Fabro e uma ótima semana 'procê'!
Bravo!
Era essa "a inspiração poética para uma nova safra de boas crônicas, o espaço para ceifar os melhores relatos de nossas novas experiências e a liberdade para plantar as sementes do porvir. Daí nascerá uma escrita diferente, única e que seria inexistente caso não tivéssemos vivido o amor com elas", que me referira anteriormente.
Viva!
Augusto.
"É a insistência que produz o amor, não o deslumbramento"...que frase mais sábia Fabro, é na mistura dos sentimentos do dia-a-dia que se constroe uma relação duradoura, é na insistência que podemos tirar a temperatura da relação.
Bjosssssss, amei o texto.
Adorei!!Me identifiquei muito inclusive.
Aconteceu um episódio bem interessante comigo hoje pela manhã que pode ser descrito por esse seu post!
Conheci seu blog agorinha!Através de uma tweetada de @rosana aquela papa links legais!
Muito legal!Parabéns!
grande abraço
Sua frase "É a insistência que produz o amor, não o deslumbramento" lembrou um livro lido há anos: "Amor, sentimento a ser aprendido"...
Escreveu lindamente!
Abraços.
Muito lindo ! Parabéns !
eu me surpreendo toda vez que leio algo teu, é incrível. são as doses de bom humor e compreensão no meu dia.
nossa, mais uma crônica genial. GENIAL.
beijos.
Gostei muito da analogia. Aprecio muito a maneira como você se expressa. É evidente a intimidade que tens com as palavras.
Beijos
Cada dia fico mais encantada pelo teu texto, pelas palavras, pelo pensamento...to com medo de me encantar, também pelo cheiro...haha...você tem uma urbanidade, uma simplicidade e uma objetividade muito instigante...sou fã de carteirinha!!!!!!
Sorte
adorei.
visito sempre que posso.
Salve!
A quimica é mutante, é a dança dos elementos.
É a insistência na atenção ao outro e ao jogo que perpetua o prazer da companhia.
Que desafio, heim!
Acabei de perder uma partida...mas ainda insisto...
Gosto daqui, congrats!
Se puder leia "...até que a morte..." do Rubem Alves, lembrou demais.Acho q vai gostar.
Grande Abraço
André
www.megantena.blogspot.com
Muito bom o texto, porém acho que não podemos generalizar quando falamos de amor. Se fosse uma ciência exata, se alguém soubesse uma única fórmula que pudesse ser aplicada sempre e garantisse o sucesso de uma relação ou estaria rico ou evitaria muito sofrimento para si e para a humanidade.
Acho que mais do que o olfato, o coração é quem sabe das coisas em matéria de sentimento. Talvez o olfato (química) esteja muito mais para paixão do que para o amor. Poderia dizer ainda que o "essencial é invisível aos olhos" e com a permissão do mestre Saint-Exupèry, diria que também é inodoro. Pena que nos custa tanto ouvir a voz do coração. Realmente somos quase sempre surdos para isso. Humm... pelo visto a audição apurada é outro sentido essencial para o amor...
Mas como ia dizendo, não existem fórmulas, regras. Conheço também várias pessoas que se conheceram da noite para o dia, se apaixonaram perdidamente, casaram rapidamente e para a descrença e inveja da maioria "viveram felizes para sempre". Outros ficaram cozinhando o tal do amor durante anos e anos a fio, para no final das contas chegarem a conclusão que nem mesmo amor verdadeiro um dia sentiram um pelo outro. Fiquemos com as infinitas variáveis quando se trata de amor. É melhor.
Fabrício, essa crônica foi ótima.
É na insistência que se conquista o amor... mas depende de quem insiste...
E os sentidos, são de suma importancia.
Tem que ter química, se não, não rola física.
Beijos
Acredito que tudo é questão de sentidos, realmente. Sentir os detalhes e depois caminhar, deixar acontecer e ter a surpresa do 'de repente'.
Adorei a comparação e ficou linda a parte do brigadeiro. Brigadeiro grande de padaria é um crime, só engana! kkk
Beijo.
q coisa gostosa de ler! como é que não achei esse blog antes?
Mto bom ler seus textos, mas q golpe baixo é esse em todos nós!! O quanto sabemos q não insistimos e os receios percorrem nossos poros, as diferenças não somam, mas se embatem, se encavalam e ao invés de de produzir um bolo de linhas em nós cegos difícies de desatar, se abandonam...
Obrigada no entanto por dar esse toque tão precioso! o simples, o que tá na cara, e o que não ousamos... beijos
Incrivel!
Acabaste de escrever exatamente o que eu estava precisando ler!
Excelente!!
Carpinejar, a cada vez que leio suas crônicas descubro nas coisas mais minuciosas grandes aprendizados!!!
Quando eu crescer quero ser como você!
Jacelena Dourado
Sim! O bom e velho negrinho, aquele sem chocolate granulado, só com uma fina camada de açúcar, que vai criando aquela casquinha que derrete na boca...
Derreti.
Um beijo doce!
Com açúcar, com afeto.
O cheiro nunca nos engana, mesmo. O olfato é exigente demais.
Pelo cheiro já dispensei namoros, pelo cheiro já me perdi em amores sem fim...
De todos os seus textos os quais eu já li nesse curto espaço de tempo em que eu conheci seu trabalho, esse foi o que eu mais gostei. Já divulguei nos meus perfis de redes sociais. Muito lindo. E vale não só para os relacionamentos amorosos, mas para outros vários momentos que norteiam a nossa vida e que dependem também de escolhas. Perfeito Fabrício. Parabéns. ;D
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