Mágico é aquele que revela o segredo e todos continuam não entendendo o que ele fez.
Falo de Moacyr Scliar, autor de mais de setenta livros, entre romance, crônica, conto, literatura infantil e ensaio. Morreu neste domingo (27) à 1h, por falência múltipla de órgãos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Foi o único ilusionista que me convenceu desde a infância. Incompreensível onde arrumava tempo para escrever e manter colunas na revista Veja e nos jornais Zero Hora e Folha de São Paulo.
Confessava que tinha disciplina e acordava cedo, mas não tinha como acreditar, ele mantinha um exército dentro de si, um exército de um homem só domando centauros, produzindo miragens, dobrando os dias, duplicando a claridade da página.
"Não se dorme dentro do livro. São turnos ininterruptos de luz", brincou uma vez comigo.
"Então, o livro é o único lugar de Porto Alegre que fica aberto 24h", respondi, e ele riu da minha conclusão, eu queria ter aqueles olhos azuis imensos e sobrancelhas quase transparentes para poder rir um dia.
Scliar era ubíquo, estava em dois lugares ao mesmo tempo, é certo que no coração do leitor. Suas ilusões mais conhecidas envolviam aparecimentos súbitos, leitura da mente, e tudo o que desafiasse a explicação racional com seus personagens fantásticos, sequiosos pela verdade como num Antigo Testamento.
Era médico para despistar seus poderes ocultos. Colocou, inclusive, o Cruzeiro de Porto Alegre na semifinal do Gauchão (partida decisiva é hoje), como um dos 19 torcedores do time.
Eu não conhecia no mundo alguém mais gentil, mais dedicado. As costas sempre eretas de nadador, o passo rápido, o mundo se apequenava com sua ligeireza: mandava cartas, telefonava para agradecer uma referência, antecipava notícias, não esquecia coisa alguma.
Foi o primeiro a me saudar na literatura em minha estreia com As Solas do Sol. Meu primeiro comentário crítico no jornal é dele: Carpe Diem. Carpe Carpinejar. Minha pasta de resenhas começa com ele.
Acentuava traços filiais na hora de contar histórias. Acentuava traços paternos na hora de repreender. Ele me enxergava fumando no saguão de um hotel e logo mandava:
- Põe no chão, põe logo no chão, antes que vá primeiro do que o cigarro.
A ameaça escondia uma preocupação, um conselho de amor. Eu apaguei o vício, ele nunca apagou suas virtudes.
Ele, ele, ele, cadê ele? Resta uma armada de ausências pelo Brasil. Não havia evento literário que não houvesse o nome de Moacyr Scliar no folder. Chegava ao Acre e ele passara por lá na noite anterior. Chegava ao Amazonas, ele aterrissaria no dia seguinte. Pulava para Pernambuco e nos encontrávamos para dividir a tapioca no café da manhã. Escolas pelo interior, universidades, bienais, Scliar, além de escrever sem parar com toda qualidade.
Mágico. Scliar era um mágico.
Choro e fico com vontade de recolher uma por uma de minhas lágrimas para não desperdiçar nada que vem de sua literatura. Ele não desperdiçou nada ao longo de 73 anos.
Agora está acordado dentro do livro. Lá ninguém dorme. Posso procurá-lo sempre que precisar.
42 comentários:
Grande Moacyr! Vai fazer falta! =(
Homenagem à altura do homem e do escritor. Que viva sempre dentro do livro e em nossos corações.
Perfeito e emocionante o texto, Carpinejar!
Boas palavras, Carpinejar.
=( Agora a tristeza é inevitável como a sua permanência de sempre, Scliar.
Linda homenagem. Ele de fato era ubíquo. Esteve também em Goiás. Entrevistei-o, ainda quando eu era estudante de jornalismo. Recordo-me de sua atenção, de seu carinho com uma jovem e inexperiente estudante. Decidi, certa vez, fazer um estudo sobre as fronteiras entre jornalismo e literatura. Ele desenvolvia textos literários a partir de notícias de jornal, se não me engano para a Folha de S. Paulo. Escrevi a ele, solicitando auxílio. Ele me respondeu com a maior solicitude. Infelizmente, porém, abandonei o projeto. Mas ficou sempre comigo a memória de seu talento e de sua gentileza.
Grande Scliar! Grande texto o teu Carpinejar!
Tentei fazer uma homenagem a ele no meu blog... conheci Scliar ainda adolescente ele fez uma visita ao meu colégio depois de termos estudado um dos livros dele... desde então leio-o sempre.
Ficará para sempre imortalizado nos corações de seus leitores.
Quem teve a sorte de encontrar Moacyr Scliar numa estante de livraria, biblioteca, receber de presente ou inidcação ou ainda teve uma leitura obrigatória pra escola de título dele, provavelmente não tenha se arrependido de conhecer um humor muito sagaz e sentido orgulho de conhecer uma imaginação fértil, que o tornou imortal ainda em vida.
Bonita homenagem, abraço!
Ingrid Strelow
Me fez chorar Carpinejar.
Eu sou apenas um leitor do Scliar, mas sinto como se ele fosse um amigo bem próximo. e agora ele partiu. Vou sentir saudades. Saudades de um grande escritor. E que eu possa encontrá-lo e reencontrá-lo dentro dos livros.
Abraço.
Fora de tudo, mas dentro de um livro...
NUNCA MAIS
by Ramiro Conceição
Silencio por aquilo que não foi dito;
que ter nascido poderia por aquilo;
por aquilo... que jamais será vivido.
Nunca mais
a primavera,
nossos odores.
Nunca mais
aquelas cores.
Nunca mais
qualquer risada
naquela estrada.
Nunca mais
qualquer palavra…
Nunca mais!
Maravilhosa homenagem, Carpinejar, a esse que foi um legítimo contista, cronista, mágico das palavras.
Lindo texto.
Beijo
Carla
Emudecida dada!
Caramba, arrepiei aqui. Linda homenagem Carpinejar.
O Moacyr vai deixar saudades...
Pedro Bravo,
http://www.fotosdepalavras.info/
A homenagem ficou a altura do homenageado com certeza.
Teu texto traduz o que hoje sente o Rio Grande e todo o país.
Abraços
Meu primeiro contato com Scliar foi na faculdade, quando uma professora de literatura sugeriu um trabalho sobre a obra "O Exército de Um Homem Só", que é considerada uma das principais obras de ficção. Mas essa é apenas uma: ele escreveu mais de 70 livros. E ocupava uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, desde 2003, ocasião em que foi recebido pelo sr. Carlos Nejar, pai de Fabrício...
KA./
Homenagem magnífica, como Scliar. E realmente, não deixa de viver, dentro dos livros...
Fabrício,sábias as tuas palavras, fiquei emocionada!
Beijos,Aline.
Lindo texto. Hoje Belém também teve uma grande perda nosso filósofo e escritor Benedito Nunes morreu às 11h da manhã. E Belém acordou chorando uma chuva fininha e silenciosa. Duas grandes perdas no dia d hoje. Acho que Deus estava precisando de histórias no céu.
@blancodanielle
Ele calçou suas sandaias de prata, vestiu seu manto de estrelas e como diria Quintana enluarou-se.
Comovente homenagem.
abraços
Bonitas palavras... Pena ser um momento de tristeza para a literatura.
Belo texto, Fabrício. À altura do doce Scliar.
Abraço doído,
Sandra Kischeloski
Mestre Carpinejar,
Traduziste com exatidão o nosso querido Moacir Scliar, mágico das palavras. Ele vai deixar saudades para a literatura gaúcha. O bom é que os livros e os amigos permanecem para contar e recontar suas histórias. Grande homenagem! Beijo. Lúcia.
Choerei tanto e não consigo parar de chorar ... ele se foi, mas os livros permanecem vivos !
Sim hoje nosso Moacyr se foi, mas com certeza estará eternizado dentro de seus livros e dentro de nossos corações. Abraços.
Nossa... Que homenagem mais incrível! Com certeza, o grande Moacyr Scliar se emocionou com tantos sentimentos bons direcionados a ele. :)
Pequeno fragmento de tudo que ele era, adoro como ele transformava pequenas notícias em crônicas inteligentes.
Belíssima homenagem.
De tão belas, as palavras se tornaram conforto.
Belíssimo texto, Fabrício! Verdadeiro e comovente! Levou-me às lágrimas, tamanha foi a pungência da dor que derramaste nele. O Scliar foi uma unanimidade e retrataste muito bem o por quê disso. Irretocáveis palavras!
Lindas palavras! Scliar nos deixa sós em nossos exércitos e junta-se aos homenzinhos que sempre o aplaudiram.
"Agora está acordado dentro do livro. Lá ninguém dorme. Posso procurá-lo sempre que precisar."
É lindo isso, é o que torna os escritores imortais,a palavra viva, a palavra presente, a palavra eterna.
É a presença na ausência, como dizia Drummond.
Bela homenagem, Carpinejar.
E meus sentimentos pela perda que a literatura brasileira sofre hoje...
Bela homenagem, Fabrício. Beijo!
Bonito texto, poeta! E eis que o Benedito Nunes também se foi. Nossa tarefa, digamos assim, é levar ao futuro a obra dessas pessoas todas. Abraços, camarada! Webston Moura.
Fiquei emocionada, Carpinejar.
de fato, Scliar era gentil, recusava poucos convites e parecia não dormir nunca.
Também escrevi sobre ele, que teve uma importância grande pra mim:http://tatilazz.blogspot.com/2011/02/meu-caso-com-o-moacyr-scliar.html
Fabrício, tb fiz uma pequenina homenagem em meu blog para Scliar... Se puder dá uma passadinha lá:
http://oceanar.blogspot.com/2011/02/exercito-de-um-homem-so.html
Bjs
Não gosto da sensação que me toma quando morre um escritor. Fico sentindo uma perda maior que se sente quando morre um não escritor. Não que eu não sinta a morte das pessoas que não escrevem, muito pelo contrário. Sinto, e muito, muitas vezes. Mas quando morre um escritor eu tenho a impressão de que houve um desastre, e com ele morreu tantas pessoas que ainda poderiam viver em sua obra...
Bobagem? Pode ser. Você pode dizer até que muitas pessoas estão salvas já na obra do escritor que morre, contudo, trata-se de uma utopia involuntária de minha alma. Eu queria a humanidade inteira salva. Mas não salva somente no sentido de tomada por Deus, no sentido bíblico, mas salva no sentido de jamais ter sua história apagada.
Eu lamentei por Scliar. Eu continuarei a lamentar. Aqui, no meu canto, no meu recato, no meu anonimato.
Abraço, Fabrício!
Jefhcardoso
É Fabrício, os escritores embora que parem, na vida ou na morte, jamais abandonará os seus fieis leitores. Suas lembranças estão registradas nos livros e textos que a literatura não se cansa de abraçar, qualidades de cultura, talento e sucesso. Scliar já faz falta aos parentes, amigos e ao mundo literário, a prova disso é o seu último escrito. Depois desse, por ele, outro não haverá, e sim lágrimas de vazios que outros não preencherão, pois será sempre único, como todos, partindo do princípio das diferenças, cada um na sua essência, é especial. Concordo, Scliar é um mágico que a vida fez sumir. Mágica é a literatura, que mesmo perdendo um dos seus talentos, sabe enxugar as lágrimas dos leitores com dolorosas saudades e excelentes lembranças, para que livre fiquem os olhos, com satisfação, correrem em seus textos, que só educa e incentiva a leitura e novos escritores. Nobres são os que compartilham suas habilidades com a humanidade. Os deixam imortais, eternos em suas lembranças. Lágrimas de saudades e lembranças.
Margareth.
Faber, do coração, lindo texto... um poeta louvando o outro. Saudades, Lys.
A última palestra que assisti dele foi na Academia Mineira de Letras. Fiquei em uma longa fila à espera de um autógrafo em dois exemplares do livro Manual da Paixão Solitária um para mim e outro para minha orientadora. Scliar além de ter autografado enviou um grande abraço a Lyslei. Eu comentei com ele a respeito da proximidade da minha defesa da dissertação sobre o romance A mulher que escreveu a Bíblia e ele carinhosamente respondeu: "Diga a Lyslei para entrar em contato comigo, dependendo da data, eu irei." Quem sabe não continuo tendo a honra de contar com a possibilidade da sua presença!
Simone Guimarães
Lindas e sinceras palavras.Carpinejar traduziu todo o nosso sentimento com esse comovente poema que homenageia Moacyr Scliar - um dos grandes representantes da literatura latino-americana. Aqui em Belém também estamos de luto: morreu um dos maiores intelectuais brasileiros, o filósofo Benedito Nunes, no mesmo dia da partida de Sciar.
Estava viajando e fiquei sabendo um pouco tarde da morte dele.
Aqui, minha homenagem:
http://impressoesliterariasdeumaloira.blogspot.com/2011/03/seu-moacyr.html
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