Alunos da Escola João Carlos Rech treinam para gincana municipal. Foto de Adriana Franciosi
No Rio Grande do Sul, não existe cidade do interior, mas somente capitais.
Bento Gonçalves é a capital do vinho. Caxias do Sul é a capital da uva. Santa Cruz do Sul é a capital do fumo. Pelotas é a capital do doce. Novo Hamburgo é a capital do calçado. Nova Prata é a capital do basalto. Em cada pórtico, está gravado o orgulho de uma cultura ou a vaidade de uma economia. Muitas vezes a identidade é resultado de uma peculiaridade famosa do lugar, a exemplo de Cândido Godói, que todo mundo sabe que lidera a taxa de nascimento de gêmeos no país.
Quando não há fabricação de um produto dominante, municípios não ficam atrás e criam lemas sentimentais. Como Alecrim, terra do reencontro, ou Aratiba, local da Energia Positiva, ou ainda Paim Filho, celeiro da solidariedade. Em nossa peregrinação pelo continente pampiano, destacamos Vera Cruz, a curiosa e insuperável capital da Gincana.
WAR
A 166 km de Porto Alegre, com 22 mil habitantes, Vera Cruz é a regressão à infância. Melhor do que hipnose ou túnel do tempo. Retoma-se uma época escolar em que era natural disputar corridas de saco, puxar o cabo de força e fazer rifas.
A gincana é uma febre coletiva. Desde 1989, nos primeiros dias de junho, cinco mil pessoas são mobilizadas para desvendar tarefas gigantescas e concorrer a R$ 25 mil em prêmio. As equipes têm sedes próprias, verdadeiros diretórios políticos abertos o ano inteiro, filiando voluntários e organizando eventos beneficentes para arrecadar fundos.
– Vencer uma gincana é nossa Copa do Mundo, corresponde a entrar para a história da província – esclarece o dentista Cássio Hoff, 32 anos.
– Fiquei rouca por meses, é a glória da minha vida – avisa a estudante Elisandra Rauper, 24.
Com o sigilo de vestibular, uma equipe especializada monta o concurso envolvendo exercícios de matemática, episódios do arco da velha e atividades esportivas. As questões nunca se repetem. O objetivo é homenagear o conhecimento de diferentes gerações dentro de uma família.
– O filho valoriza o que o pai sabe que valoriza o que o avô sabe que valoriza o que neto sabe. Um ajuda o outro a completar os trabalhos. Não vejo nada tão bonito como uma criança exclamando: “Minha mãe conhece a resposta!” – diz Juliano Pauli, 30, coordenador da gincana.
Durante 72 horas consecutivas, a população para, e assiste uma divertida guerra entre seis equipes. O mapa da cidade se converte num tabuleiro de War. A rivalidade é do tamanho de um GreNal, da magnitude folclórica de um duelo dos bois Garantido e Caprichoso.
– Baixa um espírito de combatividade. Amigos de diferentes equipes se dão um tempo até o fim da competição, viram espiões – alerta Cássio, que foi obrigado a mudar de equipe, dos Selvagens para a heptacampeã Kaimana, senão sua esposa Sabrina pediria separação.
SUPERAÇÃO
Já foram 350 charadas distintas em 23 edições. A criatividade não tem fim. Sobressaem operações faraônicas como encontrar a maior quantidade de fichas telefônicas em oito horas (a vencedora coletou 254 fichinhas) ou trazer um preá ou um louva-a-deus em menos de 30 minutos.
– O banco de dados das equipes supera o cadastro da prefeitura – brinca Hoff.
Ninguém tem medo do vexame. O desejo de vencer supera o constrangimento. Empresários, por exemplo, correm 100 metros equilibrando frutas na cabeça. Os prazos apertados não permitem explicações. Encontros repentinos se assemelham a sequestros, o bucólico trânsito da Rua Cândido de Medeiros trepida em fuga de malucos.
– Gritamos para uma colega: “Entra no carro”, ela deve confiar – lembra Patrícia Neves, 21.
O cemitério se eleva a uma peça fundamental na definição do vencedor. Procurar um morto que nasceu numa determinada data, no apogeu escuro de madrugada, é uma solicitação quase tradicional, a sobremesa do suspense.
– Trata-se de um jogo maravilhoso de dedução, um momento detetivesco, de juntar pistas e atingir uma revelação – define Juliano.
Crianças passeiam por lápides decorando sobrenomes alemães, sem ressabio de fantasmas e assombrações. Desde pequenas, desprezam o medo do escuro e do sobrenatural para somar pontos.
Em Vera Cruz, gincana é brincadeira séria. Que ganhe o mais vivo.
Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 32, 19/11/2011
Porto Alegre, Edição N° 16891
Conheça o cobiçado troféu da gincana municipal
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 32, 19/11/2011
Porto Alegre, Edição N° 16891
Conheça o cobiçado troféu da gincana municipal
6 comentários:
Em http://vervedirlass.blogspot.com
-Sinceramente, vervedirlass (verve por pretensão).
Fabrício, explica-me: carpinejar sendo verbo, indica que ação?
Não havendo movimento sem causa, você (e Cinthya ao teu lado) tornou-se conhecido meu (por ainda só nos textos) por uma razão que para mim é muito óbvia: redenção.
Ontem de noite, cedo, eu tinha sono; ao invés de dormir, a me prender na vigília tentou-me o Guga, em seus dez anos depois de ganhar do Corretja.
Nem sei como terminou; não deu nem para o começo; não do jogo dele, que jogava como sempre, e despachava a esquerda como nunca, deve ter ganho, claro, isso eu nem sei; não deu para o começo eu vê-lo jogar; zapeei e achei (?) o que realmente procurava: Hitch, o Conselheiro Amoroso.
Também durou pouco, não que eu não goste, é que já vi não sei quantas vezes, e o que queria – e quero enfim – é parecido, mas é diferente.
Certo que zapeando voltei ao Hitch outras vezes ainda, numa delas para aprimorar a vista da cena em que Hitch entende que Maria é que é casada e não a irmã dela.
São artistas, eu sei, mas o olhar de Maria da declaração de amor que Hitch faz é revelador do quanto amar é deslumbrante.
Ela é artista, eu sei, foi também o que Hugh Grant disse, contando que Julia Roberts Anna Scott o pedira em amor, em Um Lugar Chamado Notting Hill (este re-visto completo), falando a ele que era “apenas” uma mulher, e que lhe pedia para ser amada.
Eu procurava histórias como essas; eu procurava a Lu; a minha Lu; eu procurava – e procuro – a minha Lu, o meu amor.
Conclui de ler Borralheiro para dormir só depois, e desperto necessitado de escrever-te ouvindo “She” (She, may be the mirror of my dreams ...).
Lu morreu há dez meses e dois dias.
Fabrício, será que existe amor que, de tão grande, para provar-se precisa desafiar a morte, vence-la? (... minha pequenez pergunta se melhor não seria testar-se nas provas simples do estar-ao-lado, do cotidiano, do superar coisa pouca ...). Será coincidência que também tenha visto o final de The Devil and Daniel Webster, O Julgamento do Diabo?
Como ao rever Hitch, entendo agora que a história do nosso amor tem de ser vista, e revista, no cotidiano das repetições ...
Enxergamos mal, olhemos muito ..,
Borralheiro me mostra o que eu enxergava sem ver; e você; e você e Cinthya.
A Lu está em tudo isso; tem que estar (precisa?); só pode ser ela.
Redimir-me implica enxergar além, ver com se juntam todas as coisas.
Vocês me ajudam nisso.
Este era para ser sobre Santo Cristo e sobre o O Que É O Que É.
Somos de Santo Cristo/RS; eu da cidade de, e a Lu da Linha Divisa; era para mencionar que Santo Cristo é a “Terra do Homem da Terra” ou, como dizem alguns supondo faze-lo jocosamente, a “Capital do Melado”.
De Santo Cristo, cidade mais doce da região portanto, onde “carpinejar” soa assim meio atávico, evocando carpir, carpir_nejar, bordejando o plantio dos sonhos, revirando a colheita das predecessões, daquilo que fomos, que somos e seremos.
Carpinejar é isso? Bem, então, me ajuda a carpinejar em busca da minha Lu, que para isso vivo e viverei.
Um abraço, bom domingo, Cláudio Roberto Ost.
http://wp.clicrbs.com.br/santarosa/2011/01/18/oito-dias-depois-mais-uma-mulher-perde-a-vida-no-km-135-da-br-472/?topo=77,1,1
Carpinejar, adoro teus textos! Sempre ganho livros teus do meu namoro e acho muuuiiitoooo romantico!
O Boralheiro é o retrato invertido de minha casa, onde ele é o psciquiatra que no máximo expressa um "foi bom" e eu a desesperada a contar cada detalhe minimo do meu dia, e etc... incrivel!
Parabens pelo teu trabalho!!
Bettina Capri
Realmente é muito bacana ver e sentir por meio dessa leitura a felicidade compartilhada pelos moradores de Vera Cruz, dá vontade de ir pra lá participar um pouco de tudo isso.
Ao Cláudio Roberto Ost,
na tentativa de aliviar um pouco a sua dor...
DO OUTRO LADO DO RIO
by Ramiro Conceição
Lá, do outro lado do rio, talvez
algo esteja alegre e compense
a tristeza de cá.
Lá, talvez, comece a lucidez
que lave a insensatez deixada aqui,
mas que precisou partir ao outro lado
onde talvez presenteie, principie tudo,
pois, afinal, quem sabe exista só
um lado e, enfim, mortos e vivos
façam parte dum universo sem lados.
Disso ninguém sabe efetivamente!… E
o interessante é que, não importa o lado,
sempre se pousa… cá ou lá… calado!
Obrigado por traduzir de maneira tão perfeita o espirito da nossa gincana. Se houver curiosidade nosso desfile tematico ja foi tema do teledomingo na RBS TV.
Se quiser ver de perto a proxima sera dias 2,3 e 4 de junho de 2012. Abraco!
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