Arte de Eduardo Nasi
— Mãe, tenho que conversar sério.
— O quê?
— Não aguento mais viver assim, meu coração está apertado, cansei de mentir.
— Desembucha, meu filho, estou preocupada.
— A senhora já deve ter me visto com a Raíssa estudando no quarto.
— Sim, o que aconteceu?
— A gente estava revisando Matemática, preparando cálculos da prova e a gente beijou na boca.
— Ai Ai Meu Santo Pintor Caravaggio…
— Mãe, eu não consegui me controlar, sei que é errado, mas ela cheirou meu rosto e eu…
— Chega, por favor, não faço questão de saber. Não mereço tamanha humilhação.
— Mas mãe…
— É errado, é contra a natureza, contra as regras de Deus.
— Mãe, por favor…
— Vou pegar meu remedinho.
— Mãe, não vem pôr remedinho na língua, impossível conversar desse jeito.
— Coitada da menina, você se aproveitou dela?
— Não, não foi, é amor.
— O que você quer dizer com amor?
— Estou tentando dizer que sou heterossexual.
— Um filho heterossexual? Não, você não foi educado em escola de padre para sair heterossexual.
— Mas eu gosto de mulher.
— O que seu pai dirá disso, Aurélio? Tem ideia do que está propondo? É uma crise passageira, coisa de adolescente.
— Eu não fico interessado por meninos na escola, não posso ir contra meu desejo.
— É fase, querido. É só cortar os cabelos, fazer chapinha, que passa.
— Mãeee!
— É vontade de ser especial, logo some. Que tal comprar maquiagem no shopping hoje? Há todo um estojo de esmalte, sombras e delineador da Marilyn Monroe, novidade da Mac, acredita?
— Não está me ouvindo, ajuda!
— Eu compro um armário novo para você se esconder, mais espaçoso, com luzes embutidas e espelho, será seu camarim, que tal?
— Vou enlouquecer.
— Isso também aconteceu com o filho da Bete, durou três meses e ele já se veste de Lady Gaga de novo.
— Me ouve. Preciso de seu apoio, não dá para me entender? Não complica.
— Para de falar bobagem.
— Não é um momento, mãe, é uma decisão antiga. Colocava as cuecas do pai em segredo.
— Roubava as cuecas de seu pai?
— Sim, e a bombacha, e os moletons rasgados, e as alpargatas.
— Alpargatas? Eu eduquei você para salto 12. Por que nunca me contou?
— Nunca prestava atenção em mim, apenas se preocupava em comprar sapatos e bolsas.
— Filho, você somente tem 16 anos, é jovem para decidir que é heterossexual. Calma, espera um pouco, muita água vai rolar por debaixo da ponte.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
11 comentários:
claro, claro. Porque ser heterossexual é um problema nessa sociedade heterofóbica. Os dados rolam. Um. Avança. Volte três casas e tente outra vez.
Gostei da sátira.
Gostei da cronica... Nice...
Gostei do alerta! Precisamos cuidar + da educação de nossos filhos homens, em especial. Só assim,quem sabe, no futuro teremos homens +seguros, bem +resolvidos e +felizes, homens que amem, mesmo sem compreender, uma mulher.
Brisei!
Muito bom seu blog amigo.
Ninguém aqui entendeu a real intenção da crônica.
Sendo o que quer ser é o que importa. Beijo
parabens pelo belissimo blog, acompanho o mesmo desde 2010, recomendo a muitas pessoas. Parabens
Ri bastante, embora eu ache que tem alguma crítica velada à reação das mães ao saber que tem um filho gay...
Mas do jeito que o mundo está indo, não muito longe daqui será um espanto saber que o filho é heterossexual. Existe quase uma obrigação da pessoa engolir goela abaixo que é melhor se gay que ser hetero.
Parece que um homem gostar só de mulher é quase uma afronta, uma discriminação a todo e qualquer tipo de prazer. Um preconceito até...
Eu respeito os gays, mas não suporto essa apelação, esse quase incentivo à homossexualidade...
Abraços da Ana Maria
Li como uma crítica ao posicionamento dos pais ao descobrirem que seus filhos têm relacionamento homossexual. O Carpinejar só inverteu o problema. Excelente reflexão. Ao ler me questionei, como um jovem de 16 anos hetero, para os pais, sabe o que quer e um jovem da mesma idade homossexual é considerado imaturo.
Essa é a minha leitura do texto.
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