sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

ATAQUE SEDUTOR

Foto de Fabrício Carpinejar

Minha namorada tem um cãozinho. Cora. Branca, com o pelo fofo, graciosa, carismática. Não me estranhou nas primeiras visitas. Faço carinho forte em seu pescoço para mostrar autoridade. Quando ela me enxerga, dá piruetas, cambalhotas e aperfeiçoa uma mania bem peculiar de morder o rabo em movimentos circenses e repetitivos, como um helicóptero pousando.

É uma ginasta canina: apesar de mirrada (4 quilos) e de sua pequeneza de colo, pula meio metro na captura de brinquedos e ossos. Rápida, não ficaria atrás de um Grey Hound. Tem eficiência e comicidade, como Garrincha na linha de fundo. Seu andar lembra um desenho animado, com o movimento vesgo e embaralhado. Dribla a perna direita com a esquerda. Um andar fanhoso, que desperta piedade da pedra. Na hora de subir a escada, levanta as duas patas traseiras ao mesmo tempo, o que acentua a compaixão de manco. Transforma todo obstáculo em escadaria de igreja, toda caminhada em pagamento de promessa. O mistério lambe seus dedos.

Cínthya costuma levar a cadela na Praça da Encol. Acho que o nosso namoro evoluiu e poderia arrematar mais um grau de compreensão: partilhar o cachorro.

- Deixa?
- Não é incômodo? Não sei se é uma boa ideia...
- Sim, será divertido. Sim? Sim?
- Ok, tome cuidado ao atravessar a rua, ela é especial.
- Fique tranquila, espere em casa que a gente já volta.

No ano novo, colegas escrevem carta de intenções, o que deve ser feito para melhorar a vida nos próximos doze meses. Eu também, mas de segundas intenções e mastigo o papel para não sofrer constrangimentos. Passear com cão para seduzir era uma delas.

Debaixo de minha generosidade, escondia a astúcia de testar a Cora como chamariz feminino. Uma isca para pescar tubarões loiros e morenos. Fácil começar um assunto despretensioso com a mulherada sobre seus filhotes. Estão mais acessíveis do que nas baladas, onde é arriscado sobreviver ao exame rigoroso das amigas. Encontram-se leves na praça, vulneráveis, dispostas a confessar qualquer coisa sobre pet shops, efeitos de xampus e medicações, qualquer detalhe do cuidado animal. Nem um pouco dificultoso entabular um papo.

"Ai que lindo, que raça é?, como é bem cuidada, moram perto?, sempre vem aqui?, qual o signo do cão? e o seu?, mesmo?, eu faço igual, como temos afinidades!, me ensina a receita?, me deixa seu telefone para pedir conselhos".

Feito, não precisamos de mais nenhum pré-requisito a não ser amar cachorros. Tudo fica ainda mais excitante se os bichos decidem trepar em nossa frente.

Aprendi a cuidar da guia, a mantê-la próxima de mim, arrumei saco plástico destinado à higiene e parti na minha missão sagrada. Sentei no banco de madeira e aguardei o assédio. Porque não precisava me aproximar de ninguém, bastava aparecer no clube a céu aberto e juntar as sobrancelhas de responsabilidade. Quanto mais tímido, mais confiável.

Cora brincava com os cadarços soltos de meu tênis e, de repente, uma jovem morena e gostosa se aproximou.

- Que bonitinha, é sua?
- Claro que é, Cora.
- Qual raça é?
- Cusco, uma mistura com Terrier.
- Ah, você adotou?
- Meu coração não resistiu ao olhar carente dela.

(Já me projetava no cachorro, criando uma linguagem ambígua e indireta)

A conversa seguia exatamente como ensaiei, a moça tinha traços tailandeses, fogosos. Seu cachorro era um Jack Russel, de nome Rolo, raça que sinalizava um espírito de aventura.

Botei a Cora em meu colo, amansei meu nariz em seu focinho, preparando o agrado final, que geraria intimidade para confissões arrebatadas.

- Posso tocar?
- Sim, é mansa. Ela vai abanar o rabo de felicidade.

Seus dedos avançavam maravilhosos e torneados de anéis, as palmas abertas como uma escova. Quando ela foi tocar em suas orelhas, Cora produziu um salto fulminante, imprevisível. Sequer latiu antes do ataque. Não consegui contê-la. Com os dentes, puxou uma mecha da moça, gerando gritos afobados, gemidos histéricos e uma forçosa inclinação da cabeça.

Ainda ficou rosnando com o aplique arrancado. Salivando como um Fila albino em miniatura.

- Ela é horrível, você é horrível, não devem estar aqui. Vão embora.
- Desculpa, é a primeira vez que acontece...

Fugi do convívio correndo, proscrito do Bela Vista, ameaçado eternamente de desterro, proibido moralmente de frequentar o entardecer naquele lugar.

Não imaginava que Cora tivesse ciúme de mim.

11 comentários:

  1. Cotidiano...

    Feliz cotidiano! O canino, claro. Rs.

    Boa, Carpinejar.

    FELIZ 2010!

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  2. Linda crônica... Agora já sei o que fazer com minhas cartas de segundas intenções...

    PS.: Sua foto da carteira de identidade me levou a questionar sobre a sua digital... Eu a achei, digamos, diferente... Ok, isso é redundância, eu sei. Ok, esqueça isso... (Não sei porquê, mas teimo em usar um excesso de reticências.)

    Um abraço

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  3. Com tanto background em cachorras e tchuchucas, tem uma aqui em casa pra ser adotada. Só morde o dono, então o passeio continua garantido.
    Valeu, Carpinejar.
    Manda ver no Twitter.
    Obrigada,
    Jura.

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  4. kkkk...
    Cachorros são os melhores vigilantes, mas sempre a serviço dos seus próprios donos!

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  5. Ahh... estes peluidos inconstantes...
    Mas, adoráveis..Não achas?
    Abraço prá vc!!!

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Hahahahaha, mas quem foi que te disse mesmo que ela tinha ciúmes de você?!?! Ela estava é protegendo a "propriedade" de SUA DONA!!!!
    Nota 10 pra Cínthya, pela cumplicidade com seu bichinho!!
    Homens.... Sempre entendem tudo errado!!

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  8. Pelo menos foi o cabelo e não a cara. Se cora falasse, hein?

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  9. Ouvi sua entrevista do dia 30. "a inimizade é uma amizade mais severa" "acreditar
    em papai noel é acreditar na amizade e no amor que também é invisível" etc... Fabrício, você é uma universidade !

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  10. Cora fora treinada pela dona! rs.. Abs! Maria Tereza. =)

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