O medo é supersticioso, não eu.
Tenho que vestir a mesma camisa surrada para assistir jogo do Inter. Quando estou em dúvida amorosa fecho um envelope vazio e mando pelo correio ao meu endereço. Só atendo o telefone no quarto toque. Coisas dessa laia.
Vivo abastecendo sinais, testando o sexto sentido. Sou um talentoso taquígrafo de suspeitas. Ansioso demais para aguardar estrelas cadentes ou velas de aniversário. Sopro pedidos a toda hora.
As viagens sucessivas me tornaram altamente atento aos detalhes, sempre à beira da morte ou de um milagre.
Embarquei para Poços de Caldas, com escala em Campinas. Sentei no fundo da aeronave e notei que esqueci a revista que comprei na tabacaria. Dei dinheiro de graça, idiota. Já entendi como uma advertência, que bobagem sair de casa. Tudo é uma mensagem das intenções do destino comigo. Abaixei os ombros e tentei adormecer, poderia ser também a manifestação do divino para acalmar o corpo e me poupar do estresse.
Quando encontrava a zona erógena das pálpebras, o avião começou a tremer. Ouvi que nos aproximávamos de uma zona de turbulência. Ou seja, mais importante do que qualquer zona erógena. Levantei a bandeja e puxei conversa com meu vizinho. Puxo papo apenas prestes a cair. Eu me sentia em desvalia, tal criança apresentando trabalho numa Feira de Ciências.
A asa farfalhava, isopor de aeromodelo. Logo iria quebrar. O vento corria a 220 km/h. As turbinas se soltariam em tocha olímpica, acrescentando crepúsculo ao céu paulista.
O quarentão que me acompanhava parecia simpático, falante, cheirando a loção pós-barba. Um pouco avarento, sem dúvida, já que escondeu dois pacotes de batatas chips no bolso do casaco. Cismei em questionar sua profissão. Levei um susto: pastor da Igreja do Sétimo Dia. Nunca havia me acomodado junto de um pastor. Era o selo do Juízo Final. Um pressentimento fúnebre. Ele estava ali para encomendar minha alma, recomendar os pecados para a triagem das cinzas.
Ainda suspirou diante da janela:
— Seja o que Deus quiser.
Apanhei suas palavras como uma extrema-unção. Não inspirava pose de cabra que lutaria pela sua permanência até o último baque. Entregou de cara o jogo ao juiz.
Ele me perguntou se tinha fé, falei que sim, senão não torceria para o Internacional. Meu riso não comoveu suas covinhas, tinha simpatia pelo time do Olímpico. Esclareceu que eu não deveria levar futebol a sério. Repliquei que se fosse gremista, não levaria mesmo. Ele fez um estrondoso sinal com o dedo na frente da boca:
— Shhhh!, não é momento de brincadeira.
E chamou a aeromoça pelo painel luminoso.
A atendente veio com aquele rebolado típico de desastre, batendo com suas coxas nas poltronas.
— O que deseja?
— Um lenço de papel, por obséquio?
Era a primeira vez que ouvia alguém usando obséquio. Claro agouro de que iria morrer. Uma premonição muito maior do que dividir o braço de couro com um pastor. Por obséquio, a gente escuta uma vez na vida e outra na morte. Significava um torpedo de Deus. São poucos os instantes em que o poderoso está online.
Fiz o levantamento das linhas tortas: a revista extraviada, o pastor e o obséquio; não havia escapatória, estava liquidado, dormi para sedar o efeito do fogo.
Ao acordar no aeroporto de Viracopos, eu me vi ludibriado. Como que sobrevivi? Não é justo traduzir profecias do aramaico e não receber a mínima atenção.
Crônica publicada no site Vida Breve
Um excelente texto. Parabéns pela criatividade, originalidade e bom humor.
ResponderExcluirQue delícia de texto. Leve, cativante e bem-humorado! Parabéns!
ResponderExcluirQue maravilha! Eu sou um pouco assim,rsrs, colorado e místico de meia tigela :)
ResponderExcluirrisos - ainda bem que existes - podes traduzir nossos temores e ainda nos fazer rir deles...
ResponderExcluirbesos
(canalha!!! )
Fabrício a melhor parte foi ter fé se não não torceria para o Inter e o parágrafo do grêmio.
ResponderExcluirBjos
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAdorei, acordei triste com alguns desencontros da vida, e eis que ao som da música de Los Hermanos e seu texto, soltei um sorriso.
ResponderExcluirParabéns!
Fabro, ri muito! hahaha Se o obséquio vai aparecer uma vez na vida, outra na morte, cuidado! Fuja das pessoas formais!
ResponderExcluirQue maravilha!!Ler teu post de manhã e passar o resto do dia com um sorriso no rosto. Bjs.
ResponderExcluirMuito divertida a descrição da cena. Quando a intuição funciona, antevê o que está nas entrelinhas, acabamos procurando o tal "pelo em ovo". Ter tido sucesso na intuição é o que complica...
ResponderExcluirEngraçado, pois estarei com você na oficina no Barco semana que vem, e senti um alívio em saber que, ao escrever sobre o SMS de Deus, que estava vivo e portanto, poderei te conhecer pessoalmente na oficina.
Aí imediatamente lembrei que deve haver o vôo até Sampa. Tomara que Deus esteja Offline... rs
Até semana que vem!
Abraços,
Augusto.
Muito bom o texto. Visite-nos no blog http://revista-seja.blogspot.com Um abraço, Daniel
ResponderExcluirSempre adorei seus textos e a simplicidade como as vezes vc traduz coisas complexas como por exemplo as noaasa "superstições" e manias... As formas como vemos td como um anuncio do destino, msm qdo não cremos nisso...rsrs Obrigada por nos brindar sempre c seus textos, palavras, idéias... Um bjo!
ResponderExcluirAdorei o texto, todo ele.. e, a frase "Tudo é uma mensagem das intenções do destino comigo" diz tudo.. adoro ai as perolas q voce tira do fundo do seu mar e compartilha conosco.. obrigado! Jander
ResponderExcluir"Ansioso demais para aguardar estrelas cadentes ou velas de aniversário. Sopro pedidos a toda hora."
ResponderExcluirVocê é um gênio!
Quem é você??? Por favor, me diz! Sensacional texto.
ResponderExcluirEsse é o problema dos SMS, às vezes eles vão para números errados.
ResponderExcluirSorte a nossa!
Beijos.
Adorei seu texto! Magnífico tudo que escreve!
ResponderExcluirAté hoje me dá um aperto no peito quando lembro que perdi o meu "Canalha!"!
Só para constar... Também ouvi ninguém falar obséquio. Ficarei atenta! Quando alguém falar, eu começo a orar/rezar para que o avião não caia.
=)
"Puxo papo apenas prestes a cair." eu também sou assim.
Amei!!!
ResponderExcluirDifícil vai ser, de agora em diante, pegar um avião sem me lembrar de você...
Beijos e bons voos.
Cid@
"Era o selo do Juízo Final. Um pressentimento fúnebre. Ele estava ali para encomendar minha alma, recomendar os pecados para a triagem das cinzas." que drama! rsrs... ótimo texto! =)
ResponderExcluirCom a intuição não se brinca.
ResponderExcluirSabendo usá-la podemos nos livrar de muitos embaraços.
Você sempre nos surpreende Fabro, ainda bem que voltou salvo dessa viagem.
ResponderExcluirBjossss, te admiro demais.
O divino anda se manifestando demais; o transtorno de ansiedade generalizada que o diga.
ResponderExcluirInteligente e divertido...muito bom de ser lido...perfeito o texto. Já havia lido outras crônicas e considero uma melhor que a outra; me impressiono com a tua capacidade de escrever de forma tão peculiar e interessante a respeito de várias temáticas: de cuecas até acerca da intuição. Parabéns pelo blog e pelo dom da escrita!
ResponderExcluirAbraço.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÉ justo, justíssimo! (risos)
ResponderExcluirÉ Fabrício, vc como Nostradamus está um ótimo escritor. Coloca na revisão teu sexto sentido, ainda tem muita crônica sua pra ser escrita! Adorei as risadas provocadas por este SMS. =)
ResponderExcluir