terça-feira, 25 de outubro de 2011

SACOLEIROS DO DIVÓRCIO

Arte de Natalia Gontcharova

Eram separados recentes. Mariana e Renato já tinham atravessado o apocalipse do primeiro mês, momento crítico em que se torce deslavadamente para a tragédia do ex. (Torcer é um eufemismo, rezava-se para que o divórcio logo se transformasse em viuvez. Quem passou pela fossa sabe do que estou falando: o desejo 24 horas por dia para que o outro morra, desapareça da face da Terra, evapore da humanidade. E que seja uma morte retumbante, com ampla repercussão nas redes sociais, esmagado pelo Arco da Redenção, ou atropelado por uma bicicleta na ciclovia do Gasômetro).

Os dois curtiam a segunda fase da separação: a curiosidade do ódio, aquele período fundamental em que se paga por informações para descobrir como o nosso antigo par está reagindo ao luto. Mariana e Renato queriam porque queriam notícias, adoeciam de ansiedade para desvendar se o ex engatou um novo relacionamento e esqueceu o passado, mas não poderiam se telefonar. Soaria suspeito ligar para os amigos perguntando, ficaria muito na cara o interesse, representaria uma recaída. (Ansiedade não é o nome certo, talvez seja medo de que o ex seja feliz primeiro. Existe uma competição oculta entre os separados: quem sai mais nas baladas, quem emagrece mais, quem tem mais amigos no Facebook, mais seguidores no Twitter).

Ambos psicanalistas, lacanianos assumidos, Mariana e Renato não se sentiam à vontade usando a filha Marisa, de três anos, como garota de recados. Viviam criticando essa atitude, quando a criança é intermediária da crise, uma espécie de mula do tráfico amoroso, levando ofensas e indiretas entre os lares.

Mas Mariana e Renato encontraram um modo inteligente de se comunicar: as sacolas das lojas. A filhota chegou para dormir na casa do pai com os pertences numa sacolinha de caríssima loja feminina de sapatos, onde cada par não custava menos de R$ 500. Aquilo irritou o homem: “Eu sofrendo para pagar a pensão e ela gastando os olhos da cara”. Para quê? Não deu outra: a filha voltou para a mãe com sacolinha de grife masculina. Mariana reparou na marca Armani e se enfureceu: “Comigo, ele vivia de abrigo molambento, velho, agora torra tudo o que não tem com terno, deve estar apaixonado por alguma piranha”. A reação veio no final de semana seguinte. Providenciou que a filha visitasse o pai com uma sacola de free shop. Renato bufou: “Agora a cretina viaja ao Exterior! Ao meu lado, só íamos almoçar na sogra em Cachoeirinha”. Preparou a vingança mais do que perfeita, apareceu numa rede de lingerie para pedir uma sacola emprestada na maior cara de pau, comportou as coisinhas da filha lá dentro e teve sucesso. Sua desafeta predileta babou, esperneou e ralhou que não aguentava a provocação: “Ele nunca comprou um sutiã para mim, sequer conhece o número do meu peito, agora o pilantra distribui peças íntimas para suas namoradas”. Após sete dias, apelou de vez e pôs as roupinhas da menina numa bolsa plástica prateada e fosca, própria de sex shop.

Foi um golpe baixo. Renato perdeu a educação dos símbolos, pegou o telefone e rompeu o silêncio:

– Da próxima vez, pode mandar os objetos da nossa filha numa sacola que não seja de sacanagem?
– Por quê? Está com ciúme? – pergunta Mariana.
– Não, imagina, deixa pra lá...

E começava a terceira e última fase da separação: a hipocrisia, fingir que nada mais é importante.



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 25/10/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16866

16 comentários:

  1. Meu Deus Carpinejar, você é "o cara"! Amo seus textos incondicionalmente....por mais que eu nunca fui casado, me ví já na separação! Manda uma abraço pra mim no twitter, manda? @michelribas

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  2. 40% do seu texto está refletindo na minha real situação. Abraço.

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  3. Carpinejar! Há também os casais que, não precisam da filha e nem das "sacolinhas". Pois estão morando juntos, com "esse" discurso diário e separados. E quem sofre é, os filhos; tanto lá ou cá. Deve-se pesquisar a "relação", no consultório do carpinejar?
    -Sinceramente, vervedirlass.

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  4. Moço, você é pra casar mesmo. Casar e não ter divórcio certo, nem com sacolinha de sex shop.
    Abraços!

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  5. A viagem pra Natal foi produtiva, né?! Adorei!

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  6. Como o ser humano é patético quando regride a esse ponto, se importando com quem "diz" que quer distância...rsrs

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  7. depois da terceira fase, não tem volta.
    Adoro ler teu blog! Parabéns!
    Beijos e aproveito:
    http://gabifavarini.blogspot.com/)

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  8. Tenho acompanhado sempre teu blog,
    estás cada dia melhor.
    Um beijo meu,

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  9. Defino como "caçar encrenca" ler você. A gente se apaixona por Carpinejar e passa a viver desse platonismo.

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  10. Só você para conseguir descrever tão perfeitamente estas situações!

    Bejus!

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  11. kkkkkkkkkkkkkkkkkk a-d-o-r-e-i!!!! Beijos mil

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  12. Tão humilde da sua parte, Senhor Escritor, partilhar as suas criações literárias num blog. Curvo-me numa vênia ante o seu dom de letras e o seu dom de gente.
    Desde Lisboa, uma saudação cordial e um abraço afetuoso.

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  13. ^^

    eu ri !!!!!!!!!

    ótima crônica...
    retratou muito bem o fim dos relacionamentos

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  14. Só vc mesmo para me fazer rir de uma situação destas !!!! Como sempre, fazes das coisa sque achamos "sérias" uma grande piada, fazendo a gente se ver como verdadeiro somos grandes ridiculos!!!

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  15. Maravilhoso ! Já dizia o Poeta, "ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão !"

    Saravá !

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