Fã de música sertaneja, a versátil Elisete tem a missão de levar para casa os boêmios que frequentam baile na praia de Quintão, no Litoral Norte. Foto de Emílio Pedroso.
Elisete Varani Mattos, 53 anos, acabou de fazer escova. O cabelo loiro, curto, não tem nenhum fio fora da moldura do rosto. Os lábios estão pintados e nem parece que ela faxinava naquele momento.
Ela trabalha com o que aparecer pela frente. Durante a semana, é pedreira, é zeladora, é manicure, é caminhoneira. Quase impossível prever como os moradores a encontrarão na rua: de bermuda, conduzindo carrinho em construção, ou de boné, liderando fretes. Ela se autodenomina Serviços Gerais de Quintão, balneário de Palmares do Sul, cidade de 11 mil habitantes, a 78 quilômetros de Porto Alegre.
– Nunca digo que não sei, aceito para depois aprender, não tenho escolha – afirma.
Nos últimos três meses, assumiu uma nova função que aumentou sua popularidade no litoral norte do Estado: a de motorista do Clube da Saudade, baile que acontece domingo, das 19h à 1h, no salão da esquina das ruas Esparta e Alegrete.
Separada há duas décadas, mãe de três filhos (Isaías, 29 anos, Everton, 27 anos, e Letícia, 14 anos) e vó de uma neta (Isabela, dois anos), a fã de música sertaneja aceitou a missão de levar os boêmios para suas casas num antigo ônibus de linha. É uma viagem por semana, que permite que os outros bebam sem problema algum. Elisete recebe R$ 100 por mês e carrega 30 pessoas no final da festa, numa cansativa baldeação pelas praias vizinhas.
– Já me sustentei como motorista de caminhão, o pé na estrada é herança de meu pai José Renato. Ele realizava longas viagens pelo interior do Estado em seu Mercedes-Benz cinza. Quando regressava, era sempre feriadão para nossa família de 11 irmãos. O maravilhoso de ir é ter motivo para voltar: a saudade me mantém viva.
O ônibus é velho, a poltrona de couro preto tem o estofado rasgado, o motor tosse e enguiça, mas nada é obstáculo para seu capricho obstinado. Ela não desanima com a feiúra da lataria, nem com a pouca grana – o que é torto tem direito de ser simpático.
Assim como não perde a pose nas atividades braçais, enfeita seu ônibus para receber os passageiros noturnos. Colocou fitas rosa e lilás em todos os bancos. O corredor do veículo lembra a decoração de um casamento.
– Falta apenas um marido, as guirlandas e o órgão tocando “tan na na nan”.
O banco da motorista é um autêntico altar, com ursinhos balançando no retrovisor.
– É uma carruagem do amor! – explica.
Para quem não achou sua cara-metade no bailão, que reúne 200 clientes ao preço de R$ 8 (ingresso masculino) e R$ 5 (feminino), tem uma repescagem no retorno.
– Muitos casais se formam ao sentar lado a lado no transporte, quando haviam abandonado a esperança de se dar bem. Relaxados, conversam melhor, não querem impressionar e se apaixonam.
Sem aparelho de som, ela não se nega a cantar no trajeto. Interrompe o silêncio da madrugada com animado karaokê.
– Ah... Sou também metida a mecânica e cantora, tudo a ver – ela ri.
A amizade cura ressaca. A motorista é a confidente predileta dos clientes, o pronto-socorro das desilusões. Oferece dicas, orienta relacionamentos, conforta os clientes com exemplos de suas desventuras amorosas.
– Do mesmo modo em que os bebês dormem facilmente no carro, meus bebês grandes se acalmam com o sacolejo da minha voz e das pedras irregulares.
Se a noite é uma criança, Elisete é a babá das estrelas e das dunas de Quintão. Põe os baladeiros a dormir com segurança.
Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 32, 26/11/2011
Porto Alegre, Edição N° 16898
Conheça um pouco da praia de Quintão em vídeos
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 32, 26/11/2011
Porto Alegre, Edição N° 16898
Conheça um pouco da praia de Quintão em vídeos
Interessante e necessário esse trabalho da Dona Elisete! Esse ônibus dela faz história! Bonito de ler...
ResponderExcluirDona Elisete prestaria ótimo serviço à "Balada Segura"... cá, com seu "UP"!
ResponderExcluirOlá, Fabrício! Tudo bem?
ResponderExcluirSou teu leitor há tempos, sou natural de Foz do Iguaçu, onde prestigiei tua fala no Salão do Livro com minha colega Jeane Hanauer. Também sou leitor da Cínthya... E hoje vim trazer uma novidade aqui. É um projeto de alguns estudantes de Pelotas (onde moro e estudo atualmente). Criamos o "Vadias Adoram Poemas".
Um blog onde pessoas que um dia escreveram poemas para seus amores não correspondidos (ou terminados) podem compartilhar seus escritos.
Achei válida a tentativa de te mostrar. O blog é novíssimo, ainda pequeno e se organizando, mas é pretensioso.
eis o link: http://vadiasadorampoemas.blogspot.com
Aguardamos sua visita.
Abraços
Sou gaúcho e não conheço muito as nossas praias. Quintão está entre elas... Abraço...
ResponderExcluirLucas - www.cascudeando.zip.net
Eiiii essa é minha mãe, que orgulho que tenho!!!
ResponderExcluirte amo mãe...
Everton