Arte de Cínthya Verri
“Casal amigo, voltei sob a promessa de que ele havia amadurecido. Mas vejo os mesmos erros do passado. Não sou de xeretar, mas descobri conversas secretas na internet, inapropriadas a ponto de me decepcionar, e olha que sou bem pouco ciumenta. Mente que parou de fumar. Até onde o defeito do outro é tolerável, e a mentira inofensiva? Beijo. Eva”
Querida Eva,
Você também deve ter conversas secretas na internet, e-mails duvidosos, mensagens ambíguas. Se ele varresse seu HD, não iria entender metade de seus pensamentos e diálogos. Porque estão fora de contexto.
Tudo soa como traição para quem se sente ludibriado. Um mero registro de floricultura na fatura já pode iniciar exaustiva investigação. Se ele falar a verdade, que foi para uma colega de trabalho, todos da empresa dividiram a conta, não vai acreditar. Não vai confiar, pois ele tem erros no passado. O mínimo tropeço é reincidência. É a confirmação do vício.
O lema “quem procura acha” pode ser alterado para “quem procura tem que achar”. Seu raciocínio é: descubro sem xeretar, logo, se eu explorasse os dados a fundo, ele seria liquidado.
Você colocou seu namorado no SPC da Fidelidade, no SERASA do Amor. É ele lançar uma promessa que faz questão de vetar. É ele ensaiar uma recuperação que reprisa suas falhas. As palavras dele não têm crédito para você.
Não está disposta a recomeçar, mas a se vingar, oficializar ao mundo que o tipo não presta. Já sabe que ele trai, apenas quer o flagrante. Sua aritmética é letal. Trata-se de um fumante que sonega que fuma, portanto é um infiel que esconde suas cantadas.
Eu me posiciono a favor da ingenuidade. Melhor ser enganada uma vez do que viver assim com ciúme, imaginando o que não existe, sendo enganada a todo instante. Não volte nunca a um relacionamento se é para cobrar dívidas. Reconciliar significa esquecer.
Aliás, respondendo sua pergunta: o ressentimento é um defeito imperdoável.
Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar
Querida Eva,
A primeira descoberta dos médicos em técnicas de hipnose, há um século, foi impressionante: atendemos aos comandos que não recordamos haver recebido; cumprimos mandados aparentemente esquecidos. Em resumo: agimos sem saber por quê.
Um exemplo: depois de hipnotizá-la, um médico poderia sugerir que nos escrevesse esta carta na quinta-feira, às 13h. Despertaria do transe sem lembrar da ordem. Na quinta-feira, o dia transcorreria normalmente, mas depois do almoço, num impulso, digitaria sua mensagem. E aqui estaríamos nós, na aparente fluidez natural do dia-a-dia.
Grande parte das nossas decisões acontece de modo parecido: sem controle racional. Não sabemos por que agimos desta ou daquela maneira. Assim, Eva, querida, você também não sabe, na verdade, porque voltou com ele. Promessas de mudança são a tábua que usamos como desculpa. Ele é quem ele é, e você se engana até mesmo sobre si própria. Cria fachadas: que não é ciumenta, por exemplo, que não é de mexer nas coisas dele.
Mas, ao retirar todo esse seu pensamento da superfície, tem forte ciúme e penetra sempre na intimidade do computador dele. Nada disso é demérito. Nossas ações não têm roteiro claro e o grande farol ainda é o desejo. Está confusa porque é inteligente: vê que ele ainda é o mesmo e mesmo assim não o deixou. Então você se questiona que tipo de mulher é você? Do tipo humana, garanto.
Esqueça a convenção moral: ela está exigindo atitudes drásticas. Não há pressa. Terminar precocemente um relacionamento implicará em idas e vindas, é um desgastante ioiô. Apenas se pergunte se ainda gosta dele todas as manhãs.
Beijos meus,
Cínthya Verri
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 15/07/2012 Edição N° 17131
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.
Nossos palpites amorosos não substituem consulta, terapia, exorcismo e qualquer tratamento técnico.
ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com
Porto Alegre (RS), 15/07/2012 Edição N° 17131
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.
Nossos palpites amorosos não substituem consulta, terapia, exorcismo e qualquer tratamento técnico.
ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com
Adorei a análise. A relação desnudada permite a avaliação de que, se ainda existe o amor, ele pese mais que os malfeitos da conduta do outro. Aí se ama e perdoa ou se deixa e busca outro amor.
ResponderExcluirAdorei a análise. A relação desnudada permite a avaliação de que, se ainda existe o amor, ele pese mais que os malfeitos da conduta do outro. Aí se ama e perdoa ou se deixa e busca outro amor.
ResponderExcluirQuando alguem mente para nós devemos nos perguntar o porquê de nao sermos dignos de confiança. Será que é porque cobramos demais ?
ResponderExcluirOu somos intolerantes? ou queremos impor um padrao de comportamento que o outro nao consegue atingir ?
A mentira é um sintoma de que a pessoa nao se sente à vontade
no relacionamento, nao se sente aceita.
É possivel sermos controladores mesmo sem sermos ciumentos.
Adoro ler e me divertir com a sinceridade de ambos.
ResponderExcluirDigo e repito voces são os melhores gurus!!
ResponderExcluirEu sou uma Eva, e tive em um momento Eva recentemente e tudo que eu li agora, é a resposta pra todas as minhas dúvidas.. Simplesmente sábios..
Lindo, lindo, lindo... e pensando, pensando e pensando. Sofrendo? Sofrendo. Sofrendo? E na vontade que a confusão acabe, o céu não desabe, continuo gostando todas as manhãs...
ResponderExcluirEu me acho ciumenta mas não consigo fuçar celular revirar bolsos pelo avesso, eu tenho ciúmes platônico?
ResponderExcluirE esse ciúme aparece naquela hora que eu falo: Ó presta atenção e caramba o cara tá na lua...