domingo, 19 de maio de 2013

DEPOIS DO TRABALHO, AINDA FALTA TRABALHAR A RELAÇÃO

Arte de Fraga


Amar não é suportar tudo. Aguentar qualquer coisa.

Não é porque você ama que o amor se faz sozinho.

Não é porque você conquistou quem desejava que deve relaxar.

Não é porque alcançou a independência financeira que já tem autonomia afetiva.

Quando chega em casa do trabalho, depois de oito horas de incômodo, da chuva de cobranças e prazos, cansado, estressado, faminto, não adianta afundar no sofá, esticar as pernas, esquentar algo e se apagar.

Não terá direito à solidão e ficar em paz. Não terá direito a não conversar. Não terá direito a não ser afetuoso. Não terá direito a assistir televisão sem ninguém por perto.

Se pretende se isolar, não ouse casar, não procure dividir o tempo e o abajur.

Quando regressa do serviço, acabou a vida profissional, porém começa a vida pessoal. E do zero.

Sua mulher não tem que tolerar seu desaparecimento, sua anulação, sua desistência pelos corredores.

Ela quer senti-lo, entendê-lo, percebê-lo.

A noite é manhã para o amor.

Quando retorna da rua, agora é o instante de trabalhar o relacionamento.

Da mesma forma em que seria demitido se ofendesse um colega, não desfruta de espaço para agressão e gritos. É a esfera da delicadeza, das pontas dos dedos no rosto, de emoldurar a confiança.

Controle-se, comporte-se, cuidado com o que diz, não se entregue ao cansaço.

Sua esposa nada tem a ver com aquilo que cumpriu à luz do sol. Não conta pontos sua dedicação no escritório.

É um novo turno, sem antecedentes, sem pré-história.

É a primeira vez durante o dia que trocará assunto com ela (que seja separando as melhores peripécias). É a primeira vez durante o dia que se dedicará a ouvi-la (que decore a intensidade das palavras). É a primeira vez durante o dia que passará as mãos em seus cabelos (que seja mais generoso do que a escova). É a primeira vez durante o dia que beijará sua boca (que seja com calma da janela). É a primeira vez durante o dia que presta atenção no que ela veste e como se veste (que seja com atenção de alfaiate).

Não há como trapacear. Não há como despistar, postergar para o final de semana.

É só você e ela.

Tome guaraná cerebral, emborque litros de café, triture amendoim com os dentes. Mas se mantenha acordado. Não se ganha um casamento empatando.

É o período de oferecer atenção integral - ela espera que confirme os motivos para estarem juntos.

Por mais absurdo que soe, assim que pousa sua pasta no chão da residência, inicia o expediente amoroso - todos que amam têm dupla jornada.

É acolher as dúvidas, abraçar demorado, preparar a janta, perguntar sobre os amigos, valorizar os apelidos, deitar próximo, não se distanciar do campo elétrico da pele.

Amar é muito mais grave do que uma profissão. Muito mais complicado. Não tem aposentadoria.
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 19/05/2013 Edição N° 17437

10 comentários:

  1. Carpi, beleza cara! Temos que conquistar o FUNDO DE GARANTIA pelo menos, já que a aposentadoria não acontecerá. Quem sabe o seguro desemprego? Ou melhor, o seguro desamparo. Abraços amigo!

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  2. Fabricio ser feliz independente de qualquer coisa é AMAR????

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  3. Pena que muita gente não saiba disso... tanto homem qto mulher.
    Vc entende...

    Beijos

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  4. É o que eu sempre pensei a respeito do casamento. Se as pessoas investissem no relacionamento o mesmo que investem na vida profissional...
    Vejam quantos executivos incompetentes no amor.

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  5. Voltei a namorar seu blog depois de ficar solteira novamente. Tenho passado horas por aqui. Amo tudo o que escreves!:)

    Bjos.

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  6. Depois q li fiquei pensando em não Amor, mas no desamor... qdo a gente ama e deixa de amar? É tão mágico esse sentimento, doce, inebriante... uma explosão encantadora! Até quando perdura?

    Assim, a nutrição é essencial para que possa sobreviver, engordar, crescer, multiplicar... alimentar para que possa florir e esparramar o perfume do Amor... afinal, o que nos motiva ao Amor?

    Cultivar para que esteja sempre vivo, não permitir que o dia a dia sufoque, estar com o outro é trocar, fortalecer, é querer estar com o outro, para o outro, sem cobranças, simplesmente porque se quer estar!

    Uma relação feliz compartilhada, trilhada deveria ser, junto com o outro, como se as almas bailassem entrelaçadas no mesmo ritmo, na mesma música, no mesmo tempo e espaço. É no desamor em que o descompasso vai acontecendo. É no desamor em que as almas vão se distanciando. No desamor há Amor?

    Amor e desamor andam tão próximos... as escolhas ora amar ora desamar, ora cuidar ora punir, ora estar com o outro ora estar ausente... até quando tolerar? Até quando suportar? Até quando se permitir? Até o momento de mudar. Até o momento de enfrentar.

    Afinal, quem diz que Amar não vale a pena?

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  7. Luis Celso bazzanella21 de maio de 2013 às 11:19

    Parabéns pelas palavras que educam as pessoas ter tolerância com companheiro (a),vale!! Abraços

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  8. Tô adorando seus textos! Falta esta sensibilidade masculina nos homens muito machos de hoje em dia!

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