domingo, 7 de julho de 2013

FALAR-LHE-EI A TEU RESPEITO

 
Arte de Fatturi

Eu tossia com violência, mal à beça, com asma de fechar a garganta e o nariz.

Era alta madrugada.

Puxava o ar como se fosse um carrinho com controle. Algo separado de mim. Um vento estranho que exigisse o alcance visual.

Sofria a chegada do inverno. Seria mais uma passagem tumultuada pela emergência do hospital Moinhos de Vento. Estragaria o dia seguinte de trabalho. Já estava desanimado prevendo as consequências de arrasto e das poucas horas de sono.

Foi quando a banalidade me ofereceu seu milagre.

Depois da nebulização, já tranquila com a medicação, Juliana pegou com vontade a minha mão esquerda e beijou meus olhos.

Beijou os dois olhos em sequência. Beijou minhas pálpebras como se fossem lábios. Umedeceu meus olhos com sua saliva.

Não parava de acalmá-los com seu perfume. Sua boca caminhava de um lado para o outro, como uma compressa de febre.

E vi o quanto ela me desejava.

Quem beija a boca está apaixonado. Mas quem beija os olhos de seu homem está amando verdadeiramente.

Beijar os olhos é ter medo de perder quem a gente quer, é ter medo da viuvez, da solidão, do abandono, de nunca mais ser feliz.

Ninguém beija os olhos à toa, por distração.

Beijar os olhos é uma demonstração de apego, de urgência, o equivalente a uma serenata na janela.

Não é para qualquer um, é um gesto pensado, decidido, orquestrado pelos nervos e solicitado por todo o sangue do corpo.

É o auge da delicadeza. É quando a feição se abre em corredor do altar.

É o cume da sutileza, manifestação maior de confiança.

Beijar os olhos de um homem é a mesóclise da vida a dois. A mesóclise é linda, mas rara, deve ser usada em ocasiões muito especiais.

Uma mulher somente beija os olhos de seu homem porque chorar não é mais suficiente. E chora com a própria boca em outros olhos. Sua língua é uma lágrima emprestada.

Trata-se de um beijo que rouba o rosto inteiro. Um comprimir confuso, sincero, impetuoso.

Talvez seja uma confissão mais do que beijo. Talvez seja um voto de fidelidade. É o instante em que ela aceita que o tempo não existe no amor, o que existe é a palavra dada.

Beijar os olhos de um homem é um pedido de casamento feito pela mulher.

Não me curei da asma, mas, desde aquela noite, meus olhos respiram muito melhor.

 
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 07/07/2013 Edição N° 17484

13 comentários:

  1. Lindo! Sensível e verdadeiro! parabéns!

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  2. Tu é um mix de tudo que há de bom. bjujuss

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  6. Beijar nos olhos é a maior prova de fidelidade.

    bjs

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  7. Fabrício, amor acalma, conforta e faz o ar ficar mais leve...
    Tenho ficado preocupada com sua asma. Sou aquela médica do Rio (lembra? do pão viajante!) e tb tenho asma.
    Já fez fisioterapia respiratória? Eu uso inalantes (capsulas) diariamente e uso umidificador de ar. Além de muita água e suco de laranja!
    Temos que evitar as crises, hein! Mesmo que elas deflagrem gestos de amor e crônicas inspiradas...
    Beijão e se cuida!

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  8. ...porque chorar não é mais suficiente. E chora com a própria boca em outros olhos. Sua língua é uma lágrima emprestada.

    Cara, isso não é poético, isso é o absurdo da sensibilidade, é a inspiração natural da gostosa absorção de ser amado de verdade.
    Eu sou amado como você, mas quero mais, queria ser beijado nos olhos também.

    Você não é corpo, ela beijou realmente a janela de sua alma.


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  9. nossa que lindo , nada como estar estudando e de repente aparece essa pagina para ler como essa , anseio por mais descobertas com essa.

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