Arte de Eduardo Nasi
Há uma escadinha para se ter um relacionamento, formada pelo café, jantar e cinema.
Convidar para um café é sondagem de terreno, não significa absolutamente nada. Você investigou a ficha criminal no Facebook, está em dúvida se tem compatibilidade ou não, se aquela alegria das fotos é verdadeira ou miragem da web. O encontro casual num ambiente público, de preferência de tarde, não produz comprometimento. Trata-se de um espaço neutro, que ainda permite você inventar uma desculpa (“preciso voltar ao trabalho”) e desaparecer. Não atravessará nenhum constrangimento, de suportar sala e cama com quem não gostou.
O café não significa entrega, é apenas um detector de mentiras educado e civilizado, confirmar se o outro não mentiu sobre sua aparência e personalidade no jogo de sedução.
O jantar, por sua vez, representa o maior grau de envolvimento. Convidar para uma noite a dois é ter vencido as barreiras das preliminares. A curiosidade superou o medo e você decide se expor com a companhia no horário nobre. A química foi aprovada, ainda que não tenha sido tocado pela paixão. O café assumiu ares promissores de madrugada. Demonstra uma abertura para a convivência. Será o teste para verificar a avareza, que começa na escolha do restaurante e desemboca no momento da conta. Poderá descobrir a performance intelectual do candidato, como mantém uma conversa, o que aprecia beber, o que escolherá do cardápio, sua generosidade com os outros (garçom e atendentes), o modo como oferece atenção e mexe com os talheres. O jantar entrega nossas origens culturais. É na fome que se desvenda a sede do amor.
Já convidar ao cinema abarca uma plataforma mais séria. Os laços estão indo bem e devem resultar em nó de marinheiro.
Filme é muito pessoal, quase como apresentar a família. Antecede às confissões e às crises iniciais de insegurança e ciúme. O que era devagar vai correr agora, pisará no último degrau da escada rolante da atração. Existe uma disposição evidente ao namoro. Não se chama rolo ou casinho para o escuro de uma sala, e sim para festas e motéis.
O cinema mantém uma ideia ancestral de compromisso. É a igreja dos ateus, é interesse na certa, onde se portará como um casal pela primeira vez: enfrentar a fila na hora de comprar pipoca e refrigerante, esperar na porta do toalete, segurar a mão com receio da recusa e oferecer o ombro secretamente como almofada de apoio.
Não tem erro. A ocasião faz o criminoso. Transar é no café, flertar é no restaurante e namorar mesmo só acontece no cinema.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
16/05/2015
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