quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O ÚLTIMO TANGO DE MARADONA

Arte de Eduardo Nasi
 
O amor não permite avareza. É a regra elementar.

Quem é avarento não ama. Assim como políticos que enriquecem durante seu mandato roubam, os casados que prosperam não se gostam mais. O casal apaixonado está mais preocupado com o prazer da companhia do que enriquecer. Vai comprar uma tevê que o orçamento não autoriza, uma geladeira maior do que o salário e depois encontra um modo de pagar.
Quem ama parcela. E a perder de vista, no mínimo em 48x para ficar mais tempo junto.

Homem devoto é mão aberta. Oferece o que não tem. Privilegia o arrebatamento. Não conta centavos, divide conta e cobra juros.

O namorado/marido que é mesquinho é um falso admirador.


* * *

Vivian concordaria comigo.

Namorava Nei há três anos.

Ela: jornalista, 37 anos. Ele: engenheiro, 42 anos.

No Dia dos Namorados, armou viagem para Buenos Aires. Meticulosa, intensa, reservou um apartamento na Recoleta.

No mês que antecedeu a data, escolheu os presentes a partir de cuidadosa observação. Lembrou que o hobby predileto dele na infância era jogar futebol de mesa. Encomendou, portanto, um time de botão em madrepérola com as cores do tricolor. Achou um fabricante das peças em Pelotas. Sairia uma nota, mas azar. Também foi atrás da obra completa de Iron Maiden dentro de uma caveira. Custaria 500 dólares. Não tinha condições, porém arrumou um trabalho complementar de revisão de livros na madrugada e descolou a quantia.

* * *


Na Argentina, Vivian desembrulharia o sonho.  Quando os dois estavam a sós no quarto, ela se antecipou com os presentes.

— Tchantchantchan!

— O quê?

Ele chorou de emoção. As gotas pesaram nos cílios, e rolaram até os lábios.


* * *

Dali em diante, houve vinte minutos confusos de silêncio. Vivian aguardava a sua vez. Sentada, tímida, na ponta da cama.

Ele colocou a música no laptop, enfileirou os jogadores na escrivaninha e…

…nenhuma menção de lembrança para Vivian.

Vivian não falava mais. Com a alegria engasgada. “Será que ele me esqueceu?” — pensou.

Nei farejou tragédia no ar e gritou:

— Ah, tenho algo para ti!

Ela não se conteve e bateu palmas, como uma criança surpreendida em seu pensamento mais carente. O engenheiro abriu a mala e pegou, do fundo, um envelope pardo.

“Envelope pardo? O que será? Nunca vi notícia de presente em envelope pardo, só propina” ­— ela raciocinou, com medo.

Ao abrir, retirou uma fotografia de Diego Maradona.

Olhou para Nei, embasbacada: o que significava aquilo? Ele sabia que ela não se interessava por futebol.

Deu um voto de confiança e virou a foto, para ver se havia alguma coisa escrita: o autógrafo do craque ou a explicação da brincadeira.

O verso resplandecia em branco.

— Eu comprei uma para ti e outra para mim, não é legal? — ele ainda explicou.
 

* * *
 
Ela terminou o namoro naquele lance.

Quem ama não economiza.
 

 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

9 comentários:

Jânio Lima disse...

"Quem ama não economiza". Mas será o amor apenas supérfluas trocas de coisas materiais? Tenho pra mim que o dias dos namorados foi criado para separar casais é como a brincadeira do amigo secreto um sempre acaba ficando chateado por que recebeu um presente inferior ao que deu. Abraços!

Luis disse...

Bacana!

karla disse...

Só quem se dedica a alguém como ela se dedicou entende....
Não é a falta do presente e sim a ausência da preocupação em agradar.

Tai disse...

Concordo com a Karla. Não é o presente, mas a atenção dada ao presente.

Unknown disse...

bacana

olvidia disse...

Veio para mim este texto,sou assim.quando vou presentear alguém prezo pelo zê-lo.Surpreendi meu filho ao voltar da viagem da Argentina.Trouxe uma folha de bordô pro meu filho.Ele pretende ir morar no Canadá e saber disso é bom e ruim ao mesmo tempo.Então todo o tempo que ele olhar a folha lembrará do meu gesto de carinho.Hj ela repousa na gaveta da escrivaninha,aberta ,sequinha.

Kelley Krystinna Muniz Machado disse...

Falou tudo... o cuidado, a delicadeza. "Quem ama não economiza." Meu marido fala que adora me dar presentes para ver a felicidade que eu fico. E sem dúvida é uma maneira de nos conhecer cada vez mais.

JuSP disse...

Também sou da opinião que o problema não é o valor do presente e sim perceber que a pesosa não se preocupou conosco ...
Já tive amigos que estavam em fases duríssimas e procuraram fazer extras , vender coisas , economizar meses apenas para presentear a mulher ...e cansei de ver amigos que tinham dinheiro mas simplesmente eram pão duros de carteirinha .
Eu tenho fama de ser boa nos presentes , não pelo valor mas sim pq procuro obeservar detalhes da pessoa ( seja amigo seja namorado) para agradar ...nossa o sorriso quando abre o pacote não tem preço!!!

E chega desse mimimi de "o amor não é materialista ,datas são comerciais " ...quem ama ADORA presentear e agradar !

Unknown disse...

Esse texto me lembrou um amigo. Lembrando que ele ocupa um cargo bem importante e bem remunerado. Às vésperas do dia das mães, eu conversava com ele e perguntei-lhe por curiosidade feminina: " O que tu irá dar de presente pra tua mulher amanhã, visto que teu filho é bebê e não poderá escolher?"
Ele respondeu: " Ah puxa, nem tinha pensado nisso, o que tu me sugere?"
Respondi que quem conhecia e convivia com a mulher era ele, que deveria saber se ela gosta de jóias, que perfume ela usa, se gosta de sapatos... Ele ficou totalmente sem graça, pois, pelo que saquei, não conhecia os gostos da mulher e nem tinha intenção de presenteá-la (no primeiro dia das mães da vida dela)...
Realmente alguns homens ainda não aprenderam que presentar é um gesto simbólico de carinho, de mostrar que se preocupa, de querer agradar. E se não tiver muitas condições, pode economizar sim. Um singelo par de brincos ou um arranjo de flores já me deixaram bem feliz...