terça-feira, 31 de julho de 2012

CASINHA DE HOMEM

Arte de Toulouse-Lautrec

O homem brinca de casinha. É quando ele vai a um motel.

Todo motel tem ladeira e uma torre. O motel é o castelo do macho. É seu sonho de príncipe encantado.

Todo motel tem letreiros luminosos de cinema. É sua vontade de ser um ator pornô famoso e ser descoberto por Hollywood.

O motel é o conto de fadas masculino. É o pontapé inicial de sua vida imobiliária, o exercício de sua independência de estilo.

Homem não aprecia olhar apartamentos antes de comprar, não tem paciência para analisar plantas residenciais e espiar condomínios: homem visita motéis.

É uma compulsão estranha e irrefreável.

Não acredita em mim? Por que, então, quarto de motel tem churrasqueira? Explica?

Trata-se de um projeto secreto de residência, um modelo perfeito de convívio familiar. Traz a ilusão de lua de mel permanente com sua amada, não tem que aguentar a indiscrição de vizinhos e nunca sofrerá ameaça de despejo do condomínio por gritos e gemidos.

Naquele momento, realiza sua especulação patrimonial, treina seu gosto para decoração, avalia sofás, cortinas, box, azulejos para, posteriormente, adotar em seu cantinho. Passa a conhecer o que é uma poltrona Luis XV. Vivência moteleira é cultura.

Não estou troçando, o homem desejaria que seu dormitório fosse igual ao do lugar. Com cama redonda, espelhos no teto, luz negra, piso elevado, várias atmosferas e frigobar. Pergunte a qualquer marmanjo.

Adoraria dispor de um painel com botões para acender o ar-condicionado, o som, trocar as luzes e vibrar o colchão. Um controle centralizador que simplificasse seus movimentos e mantivesse o ambiente sob o alcance de um simples gesto.

O motel é o ideal de consumo dos marmanjos. Se possível com piscina, banheira de hidromassagem e roupão branco sempre lavado esperando no gancho atrás da porta. Na hora de ligar a TV, que viesse direto os jogos exclusivos do Brasileirão, nada de novelas e seriados românticos.

Diante da pequena portinhola da garagem, logo na entrada do estabelecimento, o homem define o futuro da relação ao escolher o quarto. A tabela de preços é o equivalente à vitrine de uma joalheria para a mulher: cada quarto é uma aliança ou de 12 ou de 16 ou de 18 ou de 24 quilates.

Se ele solicita o apartamento simples, é apenas uma transa rápida, não passará de meia hora. Se ele sugere uma suíte, é proposta de namoro. Se ele requisita a chave de uma supersuíte, comemore o noivado. Se ele quer uma supersuíte luxo, é a consagração erótica, um convite indireto ao casamento.

Mas, se ele pedir uma supersuíte luxo presidencial, é que ele andou frequentando motel com outra e pretende obter o perdão.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 31/07/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17147

AMOR PARCELADO

Arte de Marc Chagall

Nunca segui a ordem natural das coisas: eu já casei no segundo dia, noivei com dois anos de relação e hoje estou namorando a esposa.

Fiquei com a minha mulher desde a primeira noite e não desgrudei mais. Não consegui sair de perto. Fracassei ao abrir a porta, mas abri todas as janelas. Arejei minha cabeça.

Ela é um vício que só me deu virtudes.

Respeito os casais tradicionais, que namoram primeiro, em seguida realizam o noivado e, após um bom tempo, sobem ao altar. Trocam a aliança da mão direita para a esquerda devagar e só casam com a residência pronta, totalmente mobiliada, com conta no azul, sem riscos de sofrimento.

Mas eu sou do segundo time. Eu caso para depois ver o que fazer. Caso sem nada dentro da residência. Dependo apenas de um colchão no chão e da mesa dos joelhos para apoiar o prato.

É somar as pobrezas e brincar com as dificuldades.

É começar retirando os rótulos do copo de requeijão até desempacotar cálices de cristal.

Um ajudando o outro, um fortalecendo o outro.

É lindo o relacionamento que não usa desculpas e adiamentos. Vai de qualquer jeito.

É lindo festejar - pouco a pouco - cada compra. Comemorar os pequenos aumentos.

Lembro quando compramos o armário do quarto e dividimos os espaços das gavetas.

Lembro quando compramos a televisão 39 polegadas e atravessamos a madrugada assistindo filmes com pipoca.

Lembro quando compramos um carro e ninguém queria ser o primeiro a dirigir com medo de bater.

Lembro de tudo o que tem em casa, como foi, onde foi, e o que significa.

Meu amor é parcelado. As parcelas de meu amor são infinitas.

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (31/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:

segunda-feira, 30 de julho de 2012

SUBINDO


Foto de Rodrigo Rocha

"Ai Meu Deus, Ai Meu Jesus" (Bertrand Brasil, 256 páginas), meu novo livro de crônicas, é o oitavo mais vendido da Livraria Cultura na lista geral de todos os gêneros e o 4º lugar na relação de ficção (da semana de 23/07 a 29/07). Festejo com os meus leitores.

domingo, 29 de julho de 2012

AMORÔMETRO: APARELHO PARA MEDIR O AMOR

Arte de Cínthya Verri

“Olá. A relação tem oito meses e ele não quer nada sério, não muda, é fechado, não se abre. Parece que me quer num potinho para ninguém ficar comigo e me ter quando quiser. A gente vai e volta, não avança o compromisso. Termino de vez? Beijo Sissa.”

Querida Sissa,


Só a morte é séria. O amor é para ser divertido. Ele tem todo o direito de ser reservado. Não é do feitio dele se derramar ou fazer retrospectiva. Integra o plantel dos tímidos que amam amar e odeiam falar sobre amor – traumatizados pela conversa séria de porta fechada dos pais e do SOE.

Não significa que ele não se importa com o relacionamento, tampouco que despreza seus conselhos.

Desabafa de outro jeito: talvez saindo com os amigos, vendo futebol, jogando PlayStation, cozinhando ou dançando.

Não é somente num papo que confessamos os problemas. O corpo é sábio o suficiente para encontrar seu próprio modo de exorcizar as tristezas.

Não pode exigir que se comporte à sua imagem e semelhança e tome atitudes definitivas.

O namorado vem sendo honesto, procurando experimentar a alegria e comunicar as descobertas provisórias. Não está lhe enganando: realmente estão se conhecendo. A insatisfação permanente – vive “terminando de terminar” – estraga a convivência. Sequestra os dias exigindo a eternidade como resgate.

Há uma projeção de vontades. É você que deseja colocá-lo no potinho, para não ter que disputá-lo. O medo de ser aprisionado é disfarce do carcereiro. Transformou seu namorado num bonsai, concentrando suas forças para podá-lo e garantir o absoluto controle das raízes, da sombra e da água.  Cautela: bonsai perece pelo excesso de cuidado.

O que ele oferece já é necessário para seguir adiante: a vontade de dar certo. A felicidade é efêmera.  Pense menos, deseje mais.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querida Sissa,


Era uma vez uma senhora. Ela tinha uma galinha que botava ovos de ouro. Seu neto sempre lhe dizia:
– Vovó, como pode esperar pelos míseros ovos desta galinha? Se põe ovos de ouro é provável que seja toda de ouro por dentro. Vamos matá-la.

A velhinha hesitou, mas por fim, dissuadida, concordou. Morta a galinha, era por dentro normal como todas as galinhas.

Sissa, querida, que bonito ver seu gostar e que insiste com coragem. Oito meses não é pouco: sendo ele sério, fechado, ao lhe procurar, só o faz por querer. Isso precisa ser considerado. Um homem assim não bajula.

Algumas pessoas são derramadas, outras contidas. Não ama menos quem diz menos. Não existe um amorômetro.

Quem é mais falante tende a acreditar que sente mais, e que o outro está em dívida. Espera por ele. Como o ritmo dele é diferente, parece que há constrangimento ou sobreposição. Mas, ao mesmo tempo, será que não quer impor o seu ritmo a ele? Queria ter a batuta e ditar os compassos? Você escreveu uma síntese do jeito dele. É interessante que pense sobre o seu temperamento.

Procure conhecê-lo mais. Pode inventar um diálogo na frente dele onde diz as suas falas e as dele.  Depois pergunte o que acertou e o que errou.

É comum termos medo de sermos generosos e confundir com submissão. É uma paranoia do desperdício. Mas no relacionamento nunca estamos para ganhar: é o momento de doação. A alegria de amar está na oferta.

Você arrebentou os laços que tinha imaginando que na saudade ele seria todo de ouro por dentro. O amor não tolera a ganância.

Beijos meus,
Cínthya Verri


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 29/07/2012 Edição N° 17145

Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.
Nossos palpites amorosos não substituem consulta, terapia, exorcismo e qualquer tratamento técnico.
ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com

sexta-feira, 27 de julho de 2012

MÁQUINA RECEBE CARLOS MORENO

Ele está no Guinness Book como o ator que ficou mais tempo no ar em toda a história da propaganda mundial. Gravou mais de 340 comerciais desde 1978.

1001 utilidades. 1001 significados.

O garoto Bombril é hoje um homem de teatro, maduro e sensível, que brinca na medida certa.

Em entrevista ao meu programa A Máquina, da TV Gazeta, Carlos Moreno venceu a timidez e confessou que somente usa cueca branca.  Mostrou a verdade ao vivo.

O encontro foi exibido na noite de terça (24/7).


DOSA, COM ORGULHO

Arte de Cézanne

Descubra se você é uma dona de casa enrustida, incurável, se tem um avental na alma, se casou com a vassoura, se é irmã do rodo, se o balde é sua bolsa, se é vocacionada a limpar o mundo, se é uma borralheira sofredora com a sujeira dos outros. E pode ser tanto mulher como homem.

Você lava copo e prato descartáveis depois do churrasco.

Você não se aguenta e arruma cama de hotel.

Você corta o bife da visita.

Você mantém o álcool e o detergente na gaveta do trabalho.

Cai a roupa do vizinho em seu pátio, você lava, seca e passa antes de devolver.

Você festeja quando o filho adolescente não arrumou o quarto.

Você ajeita a gola de estranhos.

Você molha as plantas do jardim do prédio (é que elas sempre estão morrendo!).

Você ajuda a empregada a preparar o almoço.

Você elabora duas listas para o mercado, uma para a semana e outra para o mês.

Você limpa a sola do sapato assim que entra pela porta.

Você ainda usa um espanador de pó.

Você tem uma roupa especial para a faxina.

Você coloca cada produto em um pote diferente, ou separa artigos em caixas.

Você pede para a família fazer uma tarefa - lavar a louça, por exemplo – só para fazer primeiro e reclamar que ninguém ajuda.

Você acorda no final de semana e vê o lindo céu azul e fica feliz porque é um ótimo dia para estender os tapetes. 

Ouça meu comentário na manhã de sexta (27/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, com Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:

quinta-feira, 26 de julho de 2012

ISCAS

1) Mala mimosa de gatinho
2) Gola desajeitada
3) Não tirar etiqueta da compra de camiseta...

Mais estratégias para atrair atenção feminina no meu quadro DRnaTV com Cínthya Verri, no programa Tudo+, da TVCOM, aconteceu na noite de terça (24/7).

quarta-feira, 25 de julho de 2012

RABECÃO

Arte de Cínthya Verri 

Carpideira era uma executiva do choro, contratada para comparecer em velório e fazer número ao morto.

Uma militante de aluguel do luto, figura providencial para o defunto não parecer sem amigos.

Uma acompanhante de lápide, para reconfortar a frieza da carne.

Um orkut pré-histórico, que fingia uma vida que não houve e erigia uma montanha de conhecidos sobre o deserto.

Formava ofício muito comum no Nordeste do país, na segunda metade do século passado.

Toda de negro, véus escuros e de panos farfalhantes, contava com anúncio no jornal, moscas adestradas e plano de carreira. Em alguns casos, havia fila de espera pelo serviço nas funerárias, o que não deixa de ser curioso, o morto ansioso por uma brecha da agenda da carpideira para descer ao chão.

Numa época em que não se podia bater as botas de qualquer jeito, requisitavam a carpideira como personal stylist do fim.

Só não podia chorar mais do que a mãe, a esposa e as amantes, regra básica de etiqueta mórbida. Assim como a madrinha não pode usar branco no altar para rivalizar com a noiva.

O choro iniciava com um miado, avançava pelo ganido e terminava com uivos. A gripe eventual ajudava o realismo da performance.

Ilusionista, com amplo domínio dos chacras, a carpideira fabricava lágrimas de todos os tamanhos e formas (pingentes de lustre, cristaleira, casco de Coca-Cola).

Estremecia mesmo a plateia de emoção no momento de assoar o nariz. Armada de lenço longo e vermelho, cantava com as narinas, um assobio lindo somente comparável à Marselhesa.

A carpideira salvou inúmeros políticos do vexame derradeiro, recuperou a reputação de violeiros e cafajestes (sua maior dificuldade, entretanto, acabava sendo o funcionário público, de magro rebanho e tédio familiar).

Enterro bom tinha que ser um comício, com contagem oficial pela Polícia Militar.

Quando superava o público do circo, comentava-se que a morte de fulano foi uma festa.

Pois o que de mais terrível poderia acontecer ao homem não era morrer, mas receber enterro vazio, sem ninguém, sinônimo de falta de prestígio.

Em rodinhas mirradas, o coveiro ficava com pena e começava a cavar devagar, esperando que alguém aparecesse no corredor de pedras.  Por compaixão, trocava a pá pela colher. O padre protagonizava sermões de Antonio Vieira, torcendo pela chegada de retardatários.

As carpideiras organizaram sindicato (Chorosas sem fim) e definiram uma tabela de preços: o choro poderia ser cobrado por hora ou por diária.

Se houvesse vestibular para esse trabalho, me inscreveria no ato. Seria o primeiro lugar, ganharia bolsa, destaque de cursinho.

Sofro de coração mole. Um dom incomensurável para a lamúria.

Devo fugir de cemitérios. Uma vez em seu território de cruzes e anjos sempre seguirei algum carro fúnebre e me infiltrarei entre parentes estranhos. Tamanha a insolência, sou capaz de me aproximar para carregar a alça do caixão.

E choro copiosamente. Choro de graça. Ainda não aprendi a ser profissional e ganhar com minha dor.







Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 24 de julho de 2012

CINCO COISAS QUE PRECISO FAZER ANTES DOS 40 ANOS

Arte de Van Dongen

Por um golpe do acaso, reencontrei minha agenda de estudante da 8ª série. Estava dentro da caixa dos troféus e medalhas de futebol, na garagem.

Cometi o erro de abri-la. Não se mexe em arquivos impunemente. Não dá para passar os olhos e deixar por isso mesmo. Somos absorvidos, tragados pela curiosidade da comparação. Os cinco minutinhos destinados ao assunto se transformam em dez horas. Nem notamos o dia migrar para a noite. Interrompemos uma encomenda urgente, apagamos reuniões, desaparecemos para a família, seduzidos pela nossa caligrafia desgovernada e antiga.

O que me espantou é que havia uma cartinha presa com clipe nas costas do volume: Cinco coisas que desejo fazer antes dos 40 anos.

(Em tempo, completo 40 anos em outubro. Não duvido que não tenha programado meu corpo a procurar a agenda perto do aniversário. Foi um alarme posto na memória para soar num prazo de vinte e sete anos.)

Mas por que 40, e não 30? Juntei as pontas e identifiquei que era a idade de meus pais na época.

Eu gargalhei quando li o que esperava de mim em 2012:

1) Saltar de paraquedas.
2) Não casar.
3) Conhecer Tóquio.
4) Aprender francês e italiano.
5) Ser milionário com a indústria de cinema.

Tive 100% de fracasso. Não cumpri nenhuma das alternativas. Assinei o atestado de incompetência perante aquele adolescente disposto a ganhar o mundo.

E me deu orgulho. Fiquei orgulhoso da decepção. Ri emocionado de minha invalidez estratégica, da minha nulidade profética.

Foi um sinal de saúde. Quem cumpre objetivos é neurótico.

É bobagem elaborar metas para atingir em determinada idade. Felicidade não se planeja, felicidade se descobre.

Ingenuidade congelar lista de intenções como se a vida não nos transformasse dia a dia.

O que vale alcançar objetivos como uma maratona turística? Para quê?

Nosso legado é o que falamos aos outros, não o que aparentamos ser. Todos os desejos terminam, no fundo, iguais porque não temos a coragem da simplicidade.

Amigos não admitem morrer sem visitar as pirâmides, por exemplo. Eu não quero morrer sem visitar meu pai ou minha mãe.

Ainda que eu tivesse apenas uma semana de vida não mudaria meu temperamento. Felicidade é improvisar, é estar disposto não sabendo o que vai acontecer.

Não troco em nada o inventário do que realizei nestas quatro décadas.

(X) Dois filhos
(X) Casado
(X) Vinte livros
(X) Lê espanhol e desenha inglês
(X) Apartamento financiado.

Não é mais verdadeiro?





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 24/07/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17140

TRANSBORDOU O RALO

Arte de Van Dongen

As mulheres atingiram o extremo de treinar homens a mijar sentado.

Há homens castrados que fazem xixi sentado. Há homens condenados a fazer xixi sentado. Como num penico. Como meninas.

Mas o homem nunca devolveu a ofensa. Ficou calado, quieto, educado. 

Paciência tem limite.  Chegou o momento de revidar. Chegou o momento de nossa vingança.

E aqueles tufos no box do banheiro, são de quem?

Meus não, que sou careca.

O homem passou a vida inteira recolhendo uma cabeleira de Elke Maravilha no box sem reclamar, sem dizer nada.

Um aplique que deixava qualquer salão rico. Uma peruca que cobriria o Pão de Açúcar. 

As mulheres lavam a cabeça e largam fios e mechas por todos os azulejos. E não limpam. E não colocam no lixo.

É mais grave do que a tampa molhada da privada. Entopem o ralo do chuveiro.

E dá-lhe passar diabo verde. E dá-lhe arame de cabide!

Desculpe o desabafo, a injustiça transbordou.

Ouça meu divertido comentário na manhã de terça (24/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Fernando Zanuzo:


segunda-feira, 23 de julho de 2012

P O A I A I


"Conversar antes do sexo é nossa possibilidade de melhorar a transa. Conversar depois do sexo é nossa capacidade de piorar a transa".

Este lema e muitos outros estão no meu livro "Ai Meu Deus, Ai Meu Jesus" (Bertrand Brasil, 256 páginas, R$ 29), seleta que reúne meus melhores textos sobre sexo.

A sessão de autógrafos em Porto Alegre é na terça (24/7), a partir das 19h, na Livraria Cultura de Porto Alegre, no Shopping Bourbon Country (Avenida Túlio de Rose, 80). O evento conta ainda com debate envolvendo a poeta e médica Cínthya Verri.

domingo, 22 de julho de 2012

ELE NÃO CONTA AONDE VAI

Arte de Cínthya Verri

"Olá! Tenho 41 anos e sou casada com um homem de 62, há cinco anos. Desde que ele se aposentou, passa o dia fora de casa. Quando volta, e pergunto o que ele fez no Centro o dia todo, responde que não tem que dar satisfação e para me colocar no meu lugar. Pergunto: qual é o meu lugar? O que posso fazer para mudar essa situação que está fazendo com que nosso relacionamento termine? Obrigada. Beijo. Vera”.

Querida Vera,

Ele tem a convicção que não vai terminar o relacionamento – este é o segredo da tirania. Acredita que não tem escolha.

Eu colocaria os naipes na mesa: ou você muda e me descreve sua rotina ou eu vou embora e você tampouco saberá meu caminho. Uma chantagem eventual tem seu charme.

Não é uma enfermeira suportando alguém seriamente doente, ele está ofendendo com saúde, e de graça.

Amor não é assistencialismo, no qual amamos pelos dois. Amar pelos dois é egoísmo. Não pode conceder a ele a doação irrestrita dos seus dias.

Impossível seguir permitindo os desmandos caseiros, onde um fala e o outro cala. Ao casar, assumimos o compromisso da explicação. Danou-se a soberba adolescente. Ninguém mais sai de casa sem avisar. É etiqueta amorosa. Há o compromisso de tranquilizar o par, ainda mais se ele é ansioso ou desconfiado. Todos têm o direito de enlouquecer uma hora, só que a loucura deve ser educada. Pode bater a porta, abandonar a cena urrando, porém nunca omita o seu destino.

Mas vou lhe contar algo surpreendente. Com a fachada de machista e autoritário, ele brinca de ser importante. É pura carência. Quer chamar sua atenção.

Adivinha o que ele faz de tarde? Nada. Só que tem vergonha de dizer e cria mistérios para fingir que não envelheceu.

O sádico é um masoquista recalcado. Ele vem sofrendo com o fim do trabalho e não aprendeu a pedir ajuda. Está mentindo, buscando convencer a si mesmo que tem liberdade.

Seu marido padece de tédio, não liberdade. Liberdade é ter o dia ocupado com aquilo que a gente gosta.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querida Vera,

Era uma vez uma senhora que perdeu seu marido. Inconsolável, a viúva visitava o túmulo todos os dias. Perdera o companheiro leal de sua vida.

Certo dia encontrou uma outra pessoa chorando sobre a lápide dele. Aproximou-se e verificou: sim, uma mulher estava de luto fechado. A viúva perguntou:

– Desculpe, mas eu não posso imaginar como isso seja possível. Meu marido nunca deixava a casa, apenas para o trabalho. A rotina era total: das oito às seis, sempre, sem faltas. Funcionário exemplar.

Não vejo como ele poderia ter uma amante! Deve haver algum engano.

– Não há, infelizmente, nenhum engano! – respondeu a outra soluçando – Sabe o intervalo do cafezinho?

Nossas vidas são imprevisíveis, variadas, por mais que se pareçam muitas vezes na superfície.

Casados há cinco anos: é uma titulação a ser respeitada. Significa que nos últimos 1,8 mil dias vocês fizeram por merecer, ajeitaram as diferenças. Fica nítida a capacidade que tiveram para construir um cotidiano que funcionava para ambos.

Mas algo mudou: chegou a aposentadoria. As coisas não são mais como antes. Ele passa o dia fora em lugares desconhecidos. E você se sente perdida.

Por quê? Será que tinha planos para a aposentadoria dele? Sonhava que ele teria mais tempo para se dedicar ao casal, uma alegria mansa, um café da manhã sem pressa, a tarde inteira lhe fazendo companhia enquanto corria a máquina de costuras, viagens sem destino, aventuras? Será que almejava um descanso largo para dois?

Não será este o maior choque – entender que nunca soube o paradeiro dele, apenas que imaginava conhecê-lo. Verdade seja dita: ele poderia mentir. Isso a deixaria mais calma?

Beijos meus,
Cínthya Verri

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 22/07/2012 Edição N° 17138

Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.
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sábado, 21 de julho de 2012

TIMIDEZ E RETRAÇÃO

Arte de Miró

Permita que seu filho seja tímido. Timidez não é doença, não é uma deficiência, não é um defeito.

Timidez é um tempo necessário para organizar as ideias.

Não faça a criança pagar mico e apresentar sua música ou seu desenho ou sua história para visitas, somente se ela quiser.

Caso convide e ela recuse, entenda que a negativa não é charme.

Contrariar a timidez de uma criança é criar um adulto retraído.

A retração é a timidez do mal. A timidez violentada.

Ouça meu comentário da manhã de sábado (21/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Daniel Scola e Fernando Zanuzo:

sexta-feira, 20 de julho de 2012

OLHO NO LANCE!


"Onde estou? No inferno? No purgatório?"

Assim entra Silvio Luiz no meu programa A Máquina, da TV Gazeta.

Ele é radialista, apresentador de televisão e locutor esportivo que atualmente trabalha na RedeTV!.

Estabeleceu um novo glossário nas cabines televisas dos estádios. Não narra gol, por exemplo, o supremo instante do jogo, "porque todo mundo está vendo":

"Foi, foi, foi..."

Assista a entrevista engraçada e altamente sincera exibida na noite de terça-feira (17/7).

A SORTE DE SER FEIO


As pessoas me chamam de feio, na verdade é uma promoção. Antes me chamavam de ET, agora  tomei a forma humana. E ainda perguntam como estou casado com uma mulher linda. Simples, mulheres lindas têm mau gosto e feios têm bom gosto.

Ser feio tem inúmeras vantagens e benefícios, pode perguntar ao Woody Allen:

- O feio é inesquecível, você olha uma vez e o choque é tão grande que guarda para sempre.

- Amor à primeira vista é para os bonitos. Para os feios, é amor ao primeiro trauma.

- Mais fácil se apaixonar pelo feio. Você não entende como ele nasceu assim, pede um prazo maior. O feio é um enigma, uma charada. Mulher abandona o homem quando entende rápido.

- O feio não é preguiçoso no relacionamento, não vai perder tempo ajeitando o cabelo e se olhando no espelho.

- O feio traz as melhores conversas. Ele depende da lábia para garantir a distração da mulher.

- O feio não envelhece, só melhora com o tempo. Diferente do bonito, que ficará um dia feio.

- Não, o feio não melhora com o tempo, você é que se acostumou com ele. Um feio conhecido torna-se simpático. Um feio desconhecido é apenas feio.

- Todo feio é engraçado, aprendeu a rir de si mesmo. Não conheço feio mal-humorado.

- O feio é educado, pois sofreu muito com a falta de educação dos outros,

- O feio não reclama, está sempre satisfeito. Quem reclama é o bonito, insaciável com os elogios.

- O feio gosta muito de seu nome, foi obrigado a suportar tudo o que é apelido,

- O feio é uma apoteose na cama, Sapucaí dos lençóis. A excitação feminina cresce com o medo.

- A mulher nunca se entedia com o feio, leva susto cada manhã.

- O feio é prático, já se acorda pronto, não precisa se arrumar.

- O feio apresenta uma maior resistência emocional, é capaz de ser um grande parceiro nas crises e usar a criatividade nos piores momentos.

- Ninguém duvida da masculinidade do homem feio. Já o homem bonito demais parece uma mulher.

Ouça meu comentário da manhã de sexta (20/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:

quinta-feira, 19 de julho de 2012

SEMELHANÇAS DISCORDANTES

Por mais que eu ensine, por mais que os casais fiquem parecidos, Cínthya Verri não ronca, não aprendeu a roncar.

Veja o insano e pedagógico quadro DRnaTV, onde atendemos os telespectadores ao vivo na TVCOM, dentro do programa Tudo+.

A exibição ocorreu na noite de terça (18/7), com mediação de Sara Bodowsky.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

AMIZADE É UM TRAVESSEIRO

Arte de Cínthya Verri


Não sou preguiçoso, mas exigente. Os esportes me cansam fácil. Não me prendem a atenção.

Eu me inscrevo na musculação, e desisto no segundo mês. E me inscrevo na plataforma, e já não apareço na quarta semana. E foi igual com tênis, rapel, remo.

Compro as roupas, os acessórios, espalho minha mudança de espírito aos quatros ventos, posto fotos nas redes sociais e abandono o projeto logo que perde a novidade.

Apesar de me entender, não suporto mais a culpa e as excessivas explicações em casa.

A família me critica abertamente, chama atenção da minha flacidez, da atrofia dos braços. Filhos tiram sarro, dizem que a minha barriga é tanque de lavar roupas. Esposa lamenta a fraca insistência. Pais debocham do dinheiro posto fora. Acordo e durmo sob fogo cruzado de acusações da minha má vontade.

Tomei uma atitude definitiva, superior à cirurgia de estômago e visita a candomblé.

Convenci Mário Corso a me acompanhar nas atividades esportivas. Com uma amizade, é mais fácil acordar cedo. Um telefona para o outro, revezamos caronas, relatamos as melhorias da aparência.

Ele seria meu nobreak. Quando minha energia caísse, seu incentivo me ajudaria a ficar de pé. Seguraria a barra nos frequentes apagões de personalidade. Permitiria o tempo necessário para meu cérebro permanecer estimulado até reaver a eletricidade.

Nos matriculamos na academia da Praça Tamandaré.

Era outra história. Como não tinha pensado nisso antes, um amigo termina com a solidão dos aparelhos, espanta a tristeza dos halteres descascando nos cantos (como são melancólicos os halteres perdendo a pintura!).

O amigo é o nosso mais leal espelho. Teria alguém para trocar impressões sobre os colegas e professores, faríamos piadas sobre nossas obsessões, seguiríamos a vida com a disposição de velhos cúmplices.

A imaginação já me esculpia num novo Anderson Silva, eu fecharia meu umbigo com o inchaço dos músculos. Adeus, pneus que serviam de balanço ao meu amor.

Nos primeiros dias, foram de arrepiar. Reavi a adolescência. Acordava furando as nuvens como uma britadeira. Tomava suplemento de vitaminas, queria correr nos finais de semana e jogar futebol noite sim noite não. Um Sansão careca, como nunca se viu no cinema e no bairro Petrópolis.

No início, acertamos o encontro direto na academia. Sem erro. Transcorreu um mês e inventamos de confirmar por telefone. Qualquer abandono de causa surge quando um dos dois pede confirmação por telefone. É criar uma condicional para a inércia acabar com a reabilitação.

Corso me ligava de manhãzinha, pelas 6h.

– Acho que não vou hoje, está frio.

– Então, tá, eu também não vou, para não deixá-lo atrasado nos treinamentos –  respondia.

– Combinado.

Toda manhã, Corso me telefona avisando que não irá por algum motivo: dormiu tarde, sobrecarga de trabalho, visita da sogra.

Nem mais estamos inscritos. Mas ele é leal, continua ligando. Atendo como um despertador, concordamos em dormir mais, abraço minha mulher de conchinha por mais uma hora.

Nada como um amigo para me ajudar a não fazer nada e não arder de remorso junto aos familiares.

Hoje ponho a culpa nele.






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 17 de julho de 2012

QUANDO O GARÇOM NÃO NOS ENXERGA

Arte de Giorgio De Chirico

O garçom não nos percebia. Não virava o rosto em nossa direção. Levantava o braço e abaixava, fingia coçar a cabeça, levantava de novo e abaixava, procurava piolhos imaginários.

Diante das recorrentes macaquices de minha parte, os filhos armaram debochada hola.

A coreografia não surtiu efeito, apenas aumentou a vergonha.

Ele circulava perto e, de repente, girava o tronco para o lado inverso. Um Garrincha de gravata-borboleta dando janelinhas e lençóis nas pernas das mesas.

No momento de nos ver, voltava para cozinha.

– Diacho – eu lamentava. – Impossível marcá-lo de cima.

O sujeito conduzia a bandeja com a cabeça erguida ao teto, ao infinito, ao horizonte. Um dom para a lua capaz de irritar até poeta. Acho que estava mesmo indiferente, não distraído. É complicado diferenciar a distração da indiferença.

Ele não servia. Pela demora, fazia tele-entrega.

Meu ímpeto era pegar o celular e telefonar ao restaurante:

– Pode atender a mesa 15, por gentileza.

O serviço daquele muquifo se enquadrava no mais relapso da vida. Minha paranoia já queria reter os dez por cento.

A impressão é que todos que chegavam depois da gente tinham sido servidos e devoravam as bandejas com prazer e mexiam os garfos com estardalhaço no fundo do prato.

E só nós, ilhados, fantasmas, família do Sexto Sentido.

Nem tínhamos recebido ainda o cardápio. Depois da fila para sentar, agora havia a fila do menu. E depois a fila do refrigerante e suco. E depois a fila da comida.

Quando o homenzinho nos enxergou, ele veio com calma de santo. Fixou seu olhar em meus olhos como se eu estivesse recém me sentando e fosse novo ali.

Avancei o queixo para reclamar e acabar com a palhaçada, mas ele se antecipou com um vozeirão afinadíssimo:

– Não aguento mais esse lugar, estou louco para sair. Entreguei demissão ontem, e o proprietário recusou.

Sua resposta me desarmou. Ele mantinha uma Elza Soares dentro dele.

–Vocês não têm ideia do que enfrento – completou.

Permanecemos boquiabertos, sem reação. Num golpe de telepatia, ele tomou a minha fala, roubou minha cena do roteiro. Sua lamúria anulou a crítica. Eu fiquei totalmente paralisado, gaguejei suspiros.

Com medo de que ele chorasse, perguntei como poderia ajudá-lo.

O que ele aprontou foi melhor do que pedir desculpa, ele inverteu os papéis, mudou de lado, pulou a portinhola do balcão.

Juntou-se a nós, colocou a farda de nosso time e reclamou de seu serviço a ponto de neutralizar o ataque. Um pouquinho mais estaria comendo conosco. Um pouquinho mais seria adotado pela família.

Como a gente não localizou ninguém mais para reclamar, decidimos esperar o tempo que fosse. Uma vez no inferno, não há sentido em ter pressa.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 17/07/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17133

AS MELHORES SENSAÇÕES DA VIDA

Arte de Matisse

Não podemos esquecer nossa motivação, o que nos faz acordar todo dia. Busquei reunir as melhores sensações da vida:

- Tomar o primeiro chimarrão da manhã, aquele sozinho, olhando enviesado pela janela.
- Experimentar o feijão na panela.
- Raspar o brigadeiro com colher.
- Passar a primeira noite acordado com o filho no colo olhando os farois dos carros iluminando as paredes da sala.
- Gozar exatamente no mesmo tempo que ela.
- Andar de mãos dadas de dia e andar de pés dados de noite com sua mulher.
- Sentir o geladinho dos lençóis novos.
- Jogar futebol na chuva, e fazer questão de dar um carrinho na poça.
- Beijar a boca de sua esposa e ficar respirando a respiração dela.
- Comemorar gol de seu time no último minuto de virada num Gre-Nal.
- Pisar na fofura da praia.
- Tirar os sapatos depois de dançar a noite inteira.
- Abrir o vidro do carro e nebulizar o rosto subindo a serra.
- Ouvir um disco que você gostava e que fazia muito tempo que não colocava para tocar.
- Barbear o rosto e sair com a face ardendo no vento.
- Atravessar a madrugada cantando músicas bregas com os amigos.
- Assistir dois filmes emendados no cinema e deixar a sala só de noite.
- Descobrir um aumento inesperado no salário.
- Deitar numa banheira de hidromassagem, e ficar até cair a pressão.
- Arrumar o armário depois de receber roupas novas.
- Dormir os cinco minutinhos de tolerância do alarme.
- Pegar um edredon, deitar com a patroa e comer pipoca acompanhando filmes antigos.
- Encontrar o cachorro nos esperando sentado diante da porta.
- Escutar do filho que ele aprendeu aquela lição contigo e que isso ajudou na prova.
- Querer muito alguma coisa e esquecer, para ganhar de presente.

Ouça meu comentário na manhã de terça (17/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, com Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:

domingo, 15 de julho de 2012

AMOR E SEXO

Já está marcado o lançamento de meu novo livro "Ai Meu Deus, Ai Meu Jesus" (Bertrand Brasil, 256 págs.), crônicas de amor e sexo,  em Porto Alegre (RS): Livraria Cultura, 19h.




SERASA DO AMOR

Arte de Cínthya Verri

“Casal amigo, voltei sob a promessa de que ele havia amadurecido. Mas vejo os mesmos erros do passado. Não sou de xeretar, mas descobri conversas secretas na internet, inapropriadas a ponto de me decepcionar, e olha que sou bem pouco ciumenta. Mente que parou de fumar. Até onde o defeito do outro é tolerável, e a mentira inofensiva? Beijo. Eva”

Querida Eva,

Você também deve ter conversas secretas na internet, e-mails duvidosos, mensagens ambíguas. Se ele varresse seu HD, não iria entender metade de seus pensamentos e diálogos. Porque estão fora de contexto.

Tudo soa como traição para quem se sente ludibriado. Um mero registro de floricultura na fatura já pode iniciar exaustiva investigação. Se ele falar a verdade, que foi para uma colega de trabalho, todos da empresa dividiram a conta, não vai acreditar. Não vai confiar, pois ele tem erros no passado. O mínimo tropeço é reincidência. É a confirmação do vício.

O lema “quem procura acha” pode ser alterado para “quem procura tem que achar”. Seu raciocínio é: descubro sem xeretar, logo, se eu explorasse os dados a fundo, ele seria liquidado.

Você colocou seu namorado no SPC da Fidelidade, no SERASA do Amor. É ele lançar uma promessa que faz questão de vetar. É ele ensaiar uma recuperação que reprisa suas falhas. As palavras dele não têm crédito para você.

Não está disposta a recomeçar, mas a se vingar, oficializar ao mundo que o tipo não presta. Já sabe que ele trai, apenas quer o flagrante. Sua aritmética é letal. Trata-se de um fumante que sonega que fuma, portanto é um infiel que esconde suas cantadas.

Eu me posiciono a favor da ingenuidade. Melhor ser enganada uma vez do que viver assim com ciúme, imaginando o que não existe, sendo enganada a todo instante. Não volte nunca a um relacionamento se é para cobrar dívidas. Reconciliar significa esquecer.

Aliás, respondendo sua pergunta: o ressentimento é um defeito imperdoável.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querida Eva,

A primeira descoberta dos médicos em técnicas de hipnose, há um século, foi impressionante: atendemos aos comandos que não recordamos haver recebido; cumprimos mandados aparentemente esquecidos. Em resumo: agimos sem saber por quê.

Um exemplo: depois de hipnotizá-la, um médico poderia sugerir que nos escrevesse esta carta na quinta-feira, às 13h. Despertaria do transe sem lembrar da ordem. Na quinta-feira, o dia transcorreria normalmente, mas depois do almoço, num impulso, digitaria sua mensagem. E aqui estaríamos nós, na aparente fluidez natural do dia-a-dia.

Grande parte das nossas decisões acontece de modo parecido: sem controle racional. Não sabemos por que agimos desta ou daquela maneira. Assim, Eva, querida, você também não sabe, na verdade, porque voltou com ele. Promessas de mudança são a tábua que usamos como desculpa. Ele é quem ele é, e você se engana até mesmo sobre si própria. Cria fachadas: que não é ciumenta, por exemplo, que não é de mexer nas coisas dele.

Mas, ao retirar todo esse seu pensamento da superfície, tem forte ciúme e penetra sempre na intimidade do computador dele. Nada disso é demérito. Nossas ações não têm roteiro claro e o grande farol ainda é o desejo. Está confusa porque é inteligente: vê que ele ainda é o mesmo e mesmo assim não o deixou. Então você se questiona que tipo de mulher é você? Do tipo humana, garanto.

Esqueça a convenção moral: ela está exigindo atitudes drásticas. Não há pressa. Terminar precocemente um relacionamento implicará em idas e vindas, é um desgastante ioiô. Apenas se pergunte se ainda gosta dele todas as manhãs.

Beijos meus,
Cínthya Verri
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 15/07/2012 Edição N° 17131

Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.
Nossos palpites amorosos não substituem consulta, terapia, exorcismo e qualquer tratamento técnico.
ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com

NINAR


Arte de Giorgio De Chirico

Quando é bebê, não dormimos porque ele acorda toda hora.
Quando é criança, não dormimos porque ele desperta cedo.
Quando é adolescente, não dormimos porque ele não voltou para casa.

Filho é insônia.

Ouça meu divertido comentário da manhã de sábado (14/7) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Daniel Scola e Fernando Zanuzo:

sexta-feira, 13 de julho de 2012

SEMPRE ATENTO


Quando jogador, Vanderlei Luxemburgo foi o reserva eterno de Júnior no Flamengo. Ele poderia ter amaldiçoado o clube, rescindido o contrato, denunciado boicote, como é o costume acontecer.  Avisar que vinha perdendo a sua carreira mofando no banco de reserva, que merecia uma chance de titular ainda que longe da Gávea.

Mas não: ele não protestou, não xingou os dirigentes, reservou o período que ficava na casamata para aprender tudo o que podia conversando com o preparador físico e o treinador. Ele converteu a espera em aprendizado. Transformou o período inútil em escola.

Na reserva do Júnior, ele começou a inventar sua trajetória de técnico. Entendeu como funcionava a mecânica do jogo pelo lado de fora do gramado.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (13/7) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:

quinta-feira, 12 de julho de 2012

MÁQUINA RECEBE KID VINIL

O músico e radialista Kid Vinil abre sua caixa de ferramentas punk no meu programa A Máquina, da TV Gazeta.

Recorda de todas as vezes que teve que fingir tomar drogas para ganhar a simpatia dos colegas. No fim, mesmo sóbrio, ele ficava mais pirado do que a turma de viciados.

O programa foi exibido na noite de terça-feira (10/7).

Com vocês, Kid Alucinógeno Natural.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

UMBIGO

Dança do ventre? Não!

Ele terá que assistir toda sua apresentação.

Ele não deve tocá-la durante sua longa dança e vai dormir.

Ele é condenado a não bocejar, a aplaudir, a demonstrar excitação.

Dança do ventre tornou-se um aborrecimento treinado, um voto obrigatório.  

Não tem mais graça.

Cuidado com fórmulas prontas de sedução. Em vez de ressuscitar o relacionamento, pode matá-lo definitivamente.

A pressão para agradar é maior, e a frustração também.

Veja meu programa divertido com Cínthya Verri na TVCOM, exibido na terça-feira (10/7).

O quadro DRnaTV ocorre no Tudo+, sempre com nossas respostas para dúvidas de relacionamento dos telespectadores.

TAL MÃE, TAL FILHO


Arte de Cínthya Verri


Não é simples conhecer os próprios defeitos. Humildade depende de dupla audácia, primeiro se descobrir, depois se aceitar.

Francisco manteve uma atitude lamentável ao longo da vida (percebeu tarde demais, quando o triste hábito já pertencia ao caráter). Leila foi sua vítima. Maltratou a generosidade da esposa e explorou sua paciência.

Telefonava para a mãe e entregava o fone para a companheira. De supetão.

Leila não pediu para falar com ninguém. Estava feliz com alguma distração: cozinhando, forrando as gavetas, podando as flores.

Francisco entregava sem olhar:

— O que é?
— É minha mãe…

Sua mulher pegava o gancho, deduzindo que a sogra queria conversar com ela, mas não, ele apenas forçou o encontro das vozes. E a sogra jurava que ela tinha alguma intenção, mas não, tampouco houve interesse.

Ele criava um mal-estar diplomático. O telefone negro bicaria a orelha delicada e inocente de Leila horas a fio.

Francisco nem recriminava seu gesto, não se desculpava, considerava normal repassar adiante o problema, afinal o alívio sempre ocupa o lugar da verdade.

Não sabia dizer tchau à mãe, e transferia sua incompetência. Não era capaz de cortá-la, com medo da chantagem materna, do jogo sujo, do revanchismo familiar “eu te criei para agora me abandonar”.

Telefonar para a mãe correspondia a sair outra vez de casa, justificar toda escolha pessoal, profissional, amorosa e se arrepender das decisões da adolescência.

Até porque mãe italiana não cumprimenta, questiona. Não é um “tudo bem?” normalzinho, mas um fatídico “está tudo bem mesmo?”, de quem já recebeu informações privilegiadas.

Até porque mãe italiana faz suspense da fofoca, liga para estranhamente anunciar que não pode contar algo.

Até porque mãe italiana só começa um novo assunto depois de realizar retrospectiva do que foi dito.

Até porque mãe italiana não aceita ser interrompida, e aproveita a culpa para testar o amor do filho. É tentar desligar que choraminga desgraças. Ela é que deve se despedir senão desanda a inventariar maldições.

— Você não me ouve, nunca me escuta até o fim, não respeita os mais velhos, ainda vai me pôr no asilo!

Em desespero, Francisco largava o aparelho de qualquer jeito e desaparecia. O que nunca descobriu é que sua mãe passava o telefone para seu pai terminar a conversa com Leila.









Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

A POESIA POR TRÁS DE CIDADES BRASILEIRAS


"Convidei os melhores do ofício para viajar nos mistérios de municípios, aproximado o real do imaginado", diz Carpinejar
Por Cadão Volpato
Para o Valor, de São Paulo

Ele é um tanto amalucado, usa óculos de inseto e roupas gritantes e atende pelo nome de Carpinejar, uma junção dos sobrenomes de dois poetas, Carlos Nejar e Maria Carpi, seus pais.

Ou, como ele mesmo se define: "Tenho a risada do Raul Seixas e a tristeza de Álvares de Azevedo. Sou muito contraditório para ser definido. Meu pensamento é feito de verso mesmo. É mais rápido pensar em um poema do que numa frase direta. Sofro muito para me traduzir. Não me restou opção. Nasci numa casa de dois poetas. O almoço era uma aula de história da arte e não sabia. O jantar era um curso de escrita criativa e não tinha noção. Ninguém me avisou que nascer era se matricular no abismo". "Já sobre o surgimento do pseudônimo, prefiro o apelido. O apelido é um pseudônimo mais barato. Recebi vários durante a escola e economizei meu nome", diz o escritor, que participou de uma das mesas da última Flip.

Visto assim, Fabricio Carpinejar, de 39 anos, poderia atender perfeitamente ao clichê do poeta imerso no mundo da lua, pendurado nas próprias esquisitices. Mas ele paira acima dessas coisas todas, mostrando uma língua afiada e um poder de comunicação que deixa rastros por onde quer que passe. No meio literário, ele é um acontecimento. Mas é entre os leitores de seus 19 livros que ele faz o maior sucesso, impulsionado também por um blog, programa de televisão, versos e sabedoria de "alta ajuda" no Twitter e fôlego de peregrino.

"Tenho milhagens de senador. Viajo três vezes por semana. Tanto que poderia trabalhar para o 'Guia Quatro Rodas'. Sei avaliar um hotel pelo cheiro", ele diz. Quem não o conhece acha que o poeta está em diversos lugares ao mesmo tempo.

Aproveitando o ensejo, Carpinejar partiu dessa loucura geográfica pessoal para imaginar uma antologia de contos chamada "Bem-Vindo: Histórias com as Cidades de Nomes Mais Bonitos e Misteriosos do Brasil". Nela, reuniu nomes dispersos de autores brasileiros de boas safras para escrever sobre cidades cujos nomes evocam certa poesia e algum estranhamento. Para ser mais exato, a ideia nasceu numa leitura de uma coluna polêmica de Roberto Pompeu de Toledo na revista "Veja".

"Pompeu analisou cidades pelos nomes, chamando atenção daquelas com batismo belíssimo e sugestivo e outras com designações feias e cacofônicas", diz Carpinejar. Pompeu comprou diversas brigas com prefeitos e cidadãos que não ficaram bem na fita, como Sinop, no Mato Grosso, de onde o jornalista recebeu uma carta de repúdio. "Aquilo me intrigou", diz Carpinejar. "Por que não explorar lugares pela sua graça? Convidei os melhores do ofício para viajar nos mistérios de municípios, aproximado o real do imaginado, atiçando a alma aventureira do leitor."

O que saiu daí é uma coleção de histórias escritas à moda antiga, sem nenhum vanguardismo ou digressão pós-moderna. Não há em "Bem-Vindo" nenhum conto capaz de fazer girar ao contrário a roda do mundo literário, nem mesmo atormentar alguma das cidades escolhidas como musas. Ao contrário, as histórias inéditas escritas por Luiz Vilela, Marçal Aquino, Lygia Fagundes Telles, Luiz Ruffato e outros têm um toque de anos 1970, o período em que o conto vigorou no Brasil como ponta de lança na literatura. Isso dará um grande alívio ao leitor desnorteado que vive pulando de romance em romance sem terminar nenhum, na esperança de encontrar uma boa história, nada mais do que isso.

Descalvado, Amparo, Milagres, São José dos Ausentes e até Brasília são algumas das localidades escolhidas. Luiz Vilela escolheu Brasília para ser quase literal, narrando a passagem do protagonista por uma cidade às vésperas do golpe militar. Lygia abraça Descalvado com a poesia meio torta que domina como ninguém. Aquino examina a própria Amparo de nascimento com um olhar quase felliniano. O mineiro Sergio Faraco fala de Inconfidência Mineira numa Ouro Preto que já foi Vila Rica.

Tudo isso caberia numa edição escolar dos anos 1970, e a leitura continuaria sendo boa, simples, confortável. Nada que se pareça muito com a figura pública de Carpinejar. Mas é só prestar atenção numa coisa: ele é um poeta, e fez escolhas de poeta para montar a sua antologia de cidades.

"Há cidades com nomes sugestivos e maravilhosos, que poderei abordar em outro volume, como Rio do Fogo (RN), Morro Cabeça no Tempo (PI), Turvo (SC), Solidão (PE) e Bom Repouso (MG). Não são incríveis? Parecem cidades invisíveis de Italo Calvino. Cidades inventadas por Shakespeare".


Bem-Vindo: Histórias com as Cidades de Nomes Mais Bonitos e Misteriosos do Brasil
Organizador: Fabrício Carpinejar. Editora: Bertrand Brasil (126 págs., R$ 25)

Publicado no jornal Valor Econômico
Cultura e Estilo
Quarta, 12 de julho de 2012

terça-feira, 10 de julho de 2012

O AMOR É MAIOR DO QUE O ESQUECIMENTO

Arte de Jackson Pollock

A mulher esperaria na cafeteria. Era manhãzinha, 7h30, véspera de escola e de expediente.

O escritor José Cardoso Pires, no meio do caminho, falou para esposa que já voltava. Subiria ao apartamento para buscar o caderno de anotações na gaveta da cômoda. Seu moleskine vermelho, talismã de inspirações e personagens súbitos, essencial como os óculos de leitura.

Quando ele foi descer, já no elevador, sofreu um derrame. Um leve desmaio, rápido, tal piscar de olhos. Sentou um pouco no chão, para acalmar os nervos.

Recomposto do choque, ao empurrar a porta da rua, ele viu que algo de estranho e sério aconteceu: não lembrava quem era e o que precisava fazer. Foi acometido de uma amnésia total.

Estava esvaziado de referências, jogado a uma infância adulta.

Em pânico, seguiu reto pela multidão, encarando o tamanho dos prédios. Usou os cotovelos para se defender da pressa do turbilhão humano.

Não tinha mais nenhuma recordação viva.  Um pequeno derrame apagou a memória, o mapa de seus desejos.

Procurando se enganar e disfarçar o horror, andava resoluto, decidido, para frente. Percorreu três quarteirões, porém sentiu cansaço, vontade de pensar melhor e organizar as ideias.

Entrou no café, onde sua esposa lhe aguardava no balcão para beber um ristretto, hábito do casal antes de mergulhar no ritmo alucinado do trabalho.

Mas ele não lembrava que tinha esposa, família, destino profissional. 

O que impressiona é que a primeira pessoa que ele procurou depois do esquecimento foi a própria mulher. Recusou outras cinquenta que estavam presentes no lugar.

Foi falar com a sua mulher. Sorteou seu rosto entre todos. Elegeu seus cabelos castanhos e longos diante de dezenas de candidatos do momento.

Não hesitou em atravessar o salão lotado para cumprimentá-la, repetindo o encontro fundador do casamento de quarenta anos. Assim como no baile da faculdade superou a timidez medrosa e pediu uma dança.

Repetiu aquilo que não sabia. 

Ainda que não conservasse nenhuma réstia de passado, aproximou-se dela e perguntou:

- Onde estou? Pode me ajudar?

Ela riu, achando que seu marido armava uma brincadeira, perdoou a piada estalando um beijo em sua boca. Ele se assustou com o gesto. 

- Que isso?
- O que foi, amor?
- Amor?

Sim, amor, ele entenderia depois quando recuperasse a saúde.

Amava obsessivamente sua Marina a ponto de se apaixonar de novo e sempre.

Talvez fosse se apaixonar cada vez que a enxergasse. Com alma ou sem alma, com memória ou sem memória.

Seu corpo era um cavalo obediente à dona.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 10/07/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17126