terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

PERDA DA VIRGINDADE

Arte de Sonia Delaunay

Eles se encontravam sozinhos pela primeira vez: adolescentes namorando na sala.

Gisele perderia sua virgindade naquela noite. Escolheu muito a quem se entregar. Foi como definir um espelho de corpo inteiro.

Passaria a madrugada no apartamento de Fabiano. Os pais longe. Os pais dele tinham ido passar o final de semana em Gramado.

Havia suavidade. Havia firmeza. Havia carinho. Havia paciência. Havia tempo para se conhecer, desistir, voltar. Havia espaço para querer e não querer. Para não fazer nada se faltasse vontade. Optou por um homem compreensivo acima de tudo, e com ombros largos para desabar quando chegasse o prazer derradeiro.

Decisão difícil depende da liberdade dos adiamentos. Ela não queria forçar, esperava a inspiração da pele. A pele diria quando seria a hora.

Perder a virgindade não era para ser de qualquer jeito. Era para ser de seu jeito. Como se contasse seu sonho a alguém no exato momento em que sonhava.

Depois do sexo, depois de se doar inteira, de descobrir como se geme junto, de ouvir seu grito e acompanhar sua respiração falhada, Gisele tomou longo banho. Não pretendia se limpar, e sim comemorar o ato com a água. Vinha se sentindo diferente, e buscava se entender. A mulher toma banho para se entender – é onde o pensamento se acalma.

Na saída, feliz e amorosa, ela pediu um favor para Fabiano.

– À vontade , disse Fabiano.

– Mesmo?, ela pretendeu confirmar.

– Mesmo!

– Posso levar o sabonete comigo?

– O quê?

– O sabonete!, ela reiterou.

– Sim. Sim. Sim.

Ela foi até a cozinha, pegou um guardanapo, e enrolou o sabonete redondo. Como se fosse uma maçã. Com cuidados de uma fruta. Colocou na bolsa e partiu.

Fabiano talvez nunca tenha compreendido esse gesto.

Mas mulher tem rituais. Rituais são lembranças de lugares especiais.

Mulher guarda toalha bordada, travesseiro de criança, pulseiras, canetas. ingressos. Coisas que simbolizam etapas de seu crescimento. Assim como viajamos a um país diferente e carregamos uma recordação de outra cultura, para fixar nossa passagem, a mulher guarda relíquias das principais fases de sua vida: da infância, dos pais, dos namoros, dos amigos, do casamento, dos filhos, da velhice.

Toda mulher mantém uma caixinha de sapatos ou uma lata de panetone ou um estojo no fundo de seu armário com sua história. É uma arqueóloga de suas descobertas. Quando bater a tristeza no futuro, ela voltará para aquele cofre afetivo para constatar que não viveu à toa.

E o sabonete estará lá. Seco, perfumado, com o gosto intacto da coragem da primeira noite.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 25/2/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17715

3 comentários:

Tina Bau Couto disse...

Arqueóloga de mim mesma
\o/
Perfeita tradução e nomeação por mim hj adotada com impressão dessa crônica guardada em una das minhas caixas amarrada a um sabonete.

Unknown disse...

UAU! qta. sensibilidade em traduzir um dos mais significativos momentos da nossa passagem...

Obrigada, Carpinejar!

Ana disse...

Fabricio, adoro você, mas não fale "perder a virgindade", pelo amor de Zeus! A gente não perde nada, a gente só transa a primeira vez. É um ganho, não é uma perda.
E "se entregar" também é meio demais, não? Eu não entreguei nada, muito menos a mim mesma! Continuei inteirinha e com uma experiência a mais.
Beijo.