quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O BRANCO QUE PASSA EM BRANCO

Arte de Toulouse-Lautrec

O homem tem uma séria desvantagem na praia em relação à mulher. O que justifica o nosso descaso para permanecer horas a fio em cadeira reclinada à beira do mar.

Não tem nexo tomar sol, expor-se aos raios como se a pele fosse um livro para ser trocado de página pelo vento.

Não há significado algum em banhar-se de luz de costas e de frente, simetricamente.

Não existe justiça para o trabalho masculino de se bronzear.

A mulher é valorizada pela marca branquinha que fica do biquíni; já o homem não, de modo algum.
É uma desigualdade estética, social e política.

Homem é apaixonado, louco, enfeitiçado por aquela região que evoca o líquido corretivo do papel. Tece homenagens, rilha os dentes, oferece piruetas de cachorro pidão quando ela se entremostra. Reconhece a glória da pele albina debaixo dos trajes, que determina o quanto ela se queimou e o quanto estava branca, que auxilia na comparação do antes e do depois, que pode ser demonstrada pela parte de cima ou pela parte de baixo do biquíni.

Por sua vez, a mulher não dá a mínima para o nosso branco ao tirar a sunga ou a bermuda. Ela ri. Ela debocha. Ela inventa piadas.

– Olha como está branquinho! – e aponta.

Não está excitada, não é uma reação de arrebatamento e volúpia, de morder os lábios e imaginar safadezas.

Desponta inofensivo como o focinho de um ursinho de pelúcia. É um detalhe bonitinho e fofo e querido e mimoso, nada a acrescentar na fantasia a dois.

Não tem a gravidade de um enredo picante, o combustível visual de uma atração fatal.

O branco nas coxas do macho não excita as fêmeas, não entra no ranking dos cinquenta e um tons de cinza. Não provoca nenhum frisson, não é um fetiche sexual e um afrodisíaco.

A sunga não será uma peça disputada nas últimas rodas do strip poker, talvez caia nas primeiras rodadas do truco.

Elas não chegam perto e sussurram:

– Posso espiar?

Longe de repetir nossa avidez e malícia para conferir a diferença da cor e o contraste.

Não compreendo o motivo. Temos tão poucos atrativos para esnobar. Não pintamos as unhas, não hidratamos os cabelos, não corrigimos as sobrancelhas, não nos depilamos.

Deixem-nos a sensualidade da marca da sunga, por compaixão.



Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS),  15/02 /2015 Edição N°18074

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