segunda-feira, 25 de abril de 2016
JAIR E ZÉ CAPITÃO
Jair tem 80 anos, Zé Capitão tem cara de noventa. Não conheço amizade tão bonita entre dois homens. Amizade pura de menino, de sujar as calças da missa subindo em árvores e jogando bolita de gude.
Eles nunca se entristecem, é estar perto que formam um domingo e reencontram a esperança infinita da infância.
Sempre arrumam o que fazer, mesmo que seja atirar pedras no rio, buscando o arremesso certo, de faiscar a superfície.
Conversam sem dó sobre qualquer assunto, de política a pintura, de pássaros a aviões.
Jair é divorciado e Zé é casado. A paixão pelas suas mulheres somente alimentou a confidência. Velhos homens hoje, mas com uma velhice dividida que é quase uma juventude.
Eles se vêem duas vezes ao mês na fazenda de Zé em Lagoinha de Fora (MG), depois de Lagoa Santa. Jair armou uma placa para avisar todos que passam onde mora o seu melhor amigo: a 2km o buraco de Zé Capitão. Criou o desenho de um pescador queimado pelo sol.
Zé não anda mais, amputou as duas pernas devido a diabetes. Jair movimenta-se pelos dois para pescar carpas. O filho do Zé ainda corta os cabelos de Jair, apesar do hábito de aparar mal e abrir um caminho de ratos. Jair deixa porque é filho do Zé.
Jair é chamado de Jairo por Zé Capitão - ninguém sabe o motivo. Assim como Zé, quando gosta de algo, diz que é mexicano. "Come esta mexerica? É mexicana!" Ninguém também sabe o motivo. Não é bom perguntar. Há piadas que são só dos dois, segredos de longas risadas.
No entardecer, ambos se juntam para cantar serestas. "A noite do meu bem" é a preferida do dueto que arranha uma viola caipira. Os cachorros disputam a audiência com ganidos para a lua.
Eles deitam na cama assistindo novela: Jair, Zé e Elza, a jovem esposa de Zé. Engraçado os três estirados. Não falam coisa alguma até vir o comercial. Não existe malícia, não existem segundas intenções. São homens antigos ocupando os espaços do silêncio.
Se não fossem amigos, não seriam Jair nem Zé Capitão.
Já perderam dinheiro, bens, posses, relações, jamais se perderam, jamais serão loucos. Loucura é estar completamente sozinho neste mundo.
Amigos podem ser mais do que irmãos de sangue. Pois inventam os seus próprios pais para cuidar melhor um do outro.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna
Sábado e domingo, 23 e 24 de abril de 2016
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