quarta-feira, 25 de maio de 2016
FRIO PSICOLÓGICO
Texto: Fabrício Carpinejar
Arte de Eduardo Nasi
Quando as vidraças estavam embaçadas, eu me preparava para o silêncio. Estava frio, com temperatura abaixo de dez graus.
Já sofreria com a proteção do uniforme escolar, casaco da escola não supriria os arrepios e calafrios. A obrigação de vestir apenas trajes com o brasão da escola impediria que pudesse colocar roupa sobre a roupa. Recorria ao pijama por baixo – um sonhador forçado, por absoluta falta de opções, durante os primeiros anos de ensino.
Manta e gorro completavam o figurino azul escuro.
A geada cortava o rosto e não deixava marcas. Sabia bater para não ser presa. Nunca tinha como provar que eu apanhava.
Nenhum professor mantinha a turma quieta, nenhuma tarefa, nenhuma voz autoritária, nenhum castigo, apenas o inverno rigoroso do Rio Grande do Sul.
Éramos obedientes pela submissão do tempo.
Quem entrava ali de repente acreditava no bom comportamento da classe.
Lembro claramente que nenhum colega falava – todos vítimas dos caminhos gelados e das madrugadas de ventos.
Abríamos o livro como se as ilustrações fossem uma lareira inesperada. Colocávamos uma mão debaixo da perna para aquecer. Rezávamos mais do que estudávamos para o sol subir e o verde aparecer. O recreio nos salvaria do iceberg da quietude.
Não existia lado de fora e de dentro. As salas careciam de aquecedor. Estudava a céu aberto com um teto de mentira.
Na aula de português, no momento de interpretar algum texto em voz alta, as crianças fumavam neblina. Saíam espirais das bocas.
Publicado no site Vida Breve
25.05.2016
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