quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

O PECADO MAIOR


O orgulho não é apenas um pecado, é uma tirania. É alguém que falsifica a memória para atender ao capricho de seus desejos.
É um pecado invisível, imperceptível na aparência, já que traz confiança e combatividade.
O orgulhoso parece que está bem, mas unicamente não para quieto um minuto para descobrir o quanto está mal.
O orgulho não escuta, não tem a humildade do engano. Vem de pessoas apressadas de certezas, que já buscam convencer o outro antes mesmo de terminar a conversa e acolher o contraponto.
O orgulho ferido sangra a esperança, até desaparecer o futuro.
O orgulho é quando o espelho manda na vidraça, o reflexo vence a reflexão.
O orgulho é mais vaidade do que verdade.
O orgulho nasce do medo e desemboca na intolerância. O medo de perder emprego estimula o preconceito contra os imigrantes, assim como o medo da própria sexualidade arma ataques à homoafetividade.
No orgulho, você odeia quem é diferente, com receio de perder a sua influência.
O orgulho é coisa de gente pequena bancando a grande.
O orgulho transforma a fraqueza em vício.
O orgulhoso converte impressões em fatos e desacredita os fatos com impressões.
O orgulhoso dedica o seu tempo integral aos inimigos.
O orgulho não tem amigos, tem álibis.
O orgulho é previamente a favor ou contra.
No orgulho, não existe senso de humor, pois rir é igualdade social. Quem ri junto jamais se acha melhor que o outro.
A alegria do orgulho é escárnio, uma gargalhada sem mostrar os dentes, articulada no canto da boca.
O orgulhoso se explica ou se justifica em vez de pedir desculpa, não volta atrás para reconsiderar a opinião.
O orgulhoso condena antes de julgar, vinga-se antes de entender o que aconteceu.
O orgulhoso não acha o caminho porque se envergonhou de perguntar.
No orgulho, você se delicia roubando a felicidade do próximo. Ao contrário da tolerância, onde você só é feliz dividindo a felicidade.
O orgulho é a riqueza esmolando, é a fome oferecendo comida, é a sede na chuva, é a penúria na abundância.
O orgulho é avareza. Você esconde o que sente para não ter o trabalho de falar.
O orgulho é saudade engasgada.
O orgulho não conhece a paz depois do perdão. Ou seja, no orgulho você jamais é livre.
O orgulho prepara vinganças reais para dores imaginárias. Sofrerá por aquilo que não aconteceu, e que somente acontece em sua cabeça.
O orgulhoso repete o seu pior dia eternamente para decorar as dores.
O orgulhoso ocupa-se em fingir que está ocupado e fecha as portas de palavras vazias.
O orgulhoso coloca a mão na consciência enquanto os pés chutam o inconsciente.
O orgulhoso vibra mais com o fracasso dos colegas do que com os seus sucessos.
O orgulho é o otimismo da destruição.
O orgulho desafia pela frente e cria a discórdia pela fofoca.
O orgulhoso ganha o poder sem mérito e mantém o poder não se importando com os meios.
O orgulhoso diz que sabe para nunca precisar saber.
O orgulho é egoísmo, você convive com os demais para falar de si.
No orgulho, você corre atrás de um não e foge de todo o sim.
Orgulho é insistir num relacionamento errado para provar que tinha razão.
Orgulho é rastejar com as asas.
Por orgulho, desperdiçamos uma vida (já por amor, multiplicamos a nossa vida).
Quando é orgulho, vivemos a vida do outro. Quando é amor, jamais deixamos de ser.
O amor não precisa de provas, demonstrações, jogos e disputas, isso é coisa do orgulho.
No orgulho, nunca está satisfeito. No amor, você transborda.
O orgulho é um capricho, o amor é destino.
O orgulho é ego, o amor é generosidade.
O orgulho é mágoa, o amor é reconciliação.
O orgulho é ressentimento, o amor é fé.
O orgulho é se prender ao passado, o amor é escolha.
O orgulho é impor o seu projeto, o amor é alterar o seu projeto de acordo com a necessidade.
O orgulho se veste de amor, finge que é amor, é o clone do amor, é o sósia do amor, mas não é amor, é o fracasso do amor.
O orgulho é tão somente um ódio frio.

Poeta e cronista, autor de "Felicidade Incurável" (Bertrand Brasil)
Publicado na revista da Livraria Cultura, dezembro de 2016, edição 107, dossiê Sete Pecados, ps 52-53.

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