Arte de Eduardo Nasi
Não há maior orgulho materno do que cuidar de uma criança com síndrome de Down.
O rosto de mãe já é coberto de ternura. Mas o rosto de mãe de uma criança portadora é de uma pureza contagiosa. Rosto transfigurado pela doação. E pela recompensa de ver o filho crescendo miudamente.
Eu tenho arrebatamentos ao avistar uma mãe caminhando com seu filho na praça.
Ela não se entregou para aparência, não escondeu a feição de seu rebento em nenhuma imagem, não se diminuiu em preconceitos, não fugiu dos amigos e familiares, descobriu a beleza dos olhos graúdos e oblíquos pescando o infinito, a delicadeza daquelas orelhas pequenas que lembram uma boca fazendo bico para a foto.
Não se arrependeu em nenhum momento e nem rifou sua paz pela idealização.
Assimilou a lição de que o que vale é um dia atrás do outro. O que vale é o dia imperfeito (o dia imperfeito é o que completamos, o dia perfeito se faz sozinho).
Um filho com síndrome de Down é inteiro porque se comemora também os números quebrados de cada façanha.
Ele não aprende a andar uma única vez, aprende a andar sempre. Ele não aprende a falar uma única vez, aprende a falar sempre. Ele não aprende a amar uma única vez, aprende a amar sempre.
A repetição aperfeiçoa a intimidade e cristaliza os laços.
Não há o extremismo da ternura. Extremismo é imaturidade: ou é o meu sonho ou será o pesadelo daqui por diante.
Compreende-se que viver é provisório, um meio-termo, aceitar o possível.
Melhor o que é real e pode ser dividido do que aquilo que é imaginário e morre com a gente.
Ela passeia com uma altivez de mãos dadas que deve influenciar o voo dos pássaros e o salto dos gatos.
Não sinto pena, não sou contraído por compaixão, é admiração pura.
Não sofro pontadas de curiosidade, é encantamento mesmo.
Invejo a entrega irrestrita, generosa, compreensiva.
— Aquilo é amor! —, minha ânsia é apontar e completar as palavras com as mãos.
Ela tem o dobro de preocupações, porém recebe o dobro de esperança.
É como se sua criança jamais abandonasse o apelo infantil, a honestidade infantil, a confiança infantil.
Trata-se de um outro diálogo, em que exige paciência para ouvir e conversar.
O tempo suspende seu passo de ponteiro, ela baixa a cabeça para entender o que está sendo desejado pelo seu filho.
Não escuta correndo, distraída. Não escuta avoada, dispersiva. Escuta olhando nos olhos.
É óbvio que a criança tem uma outra fé no mundo quando tem alguém para si que só fala olhando nos olhos.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
7/5/2014
7 comentários:
Extensão do amor divino ou o divino encontra-se encarnado nesse amor ?Sim, amor se reservas, entrega incondicional! Constrangedor, singelo, amor despretensioso! Maravilhoso olhar e sensibilidade no texto! Parabéns ! Abraços , Alessandra
Lindo mesmo, a última frase fechou o texto com chave de ouro.
Obrigada pela comoção que nos dá com suas palavras ... abraço!
Na leitura do seu texto as lágrimas insistiram em brotar dos meus olhos.Desses olhos que todos os dias recebo o olhar que diz "eu vejo você , eu estou com você!!! Obrigada pela sensibilidade de parar, olhar e expressar com tamanha delicadeza os sentimentos recebidos do AMOR 21.
Lindo, os olhos marejaram e nos vi em cada linha
Texto lindo, emocionante e extremamente sincero. Adorei o texto e o artista.
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