segunda-feira, 19 de maio de 2014

UMA HISTÓRIA INSPIRADA EM FATOS REAIS

Arte de Eduardo Nasi

O grande sonho de Elias era levar sua avó para o cinema.

Ela tinha setenta e cinco anos e jamais entrou numa sala.

Bernadete tinha visto o mar, mas jamais tinha visto a tela grande.

Não era por medo do diferente, que ficasse hipnotizada por aquelas figuras gigantescas se aproximando perigosamente de seu rosto.

Não era por medo do escuro, da atmosfera silenciosa que cobre a multidão.

Não tinha fobias.

É que preferia que o neto contasse os filmes que assistia.

De noite, perguntava para Elias que filme tinha visto e se esbaldava na cadeira de balanço com os olhos fechados e os ouvidos abertos.

Mas ela somente desejava filmes baseados em fatos reais. Tinha como única exigência.

Elias procurava o cinema para matar a saudade de sua avó e se abastecer de notícias. Dos quinze aos trinta anos, cumpriu essa missão.

Ela vibrava quando o jovem vinha com uma obra inspirada na realidade.

“Hoje, vó, vou contar o filme Terminal.

Enquanto Viktor Navorski, viajava de avião para a cidade de Nova Iorque, o governo de seu país sofre um golpe e seu passaporte perde a validade, deixando-o preso no Aeroporto Internacional John F. Kennedy.

Ele não pode entrar nos Estados Unidos nem voltar para seu país.

E não tem dinheiro e não sabe falar inglês. Imagina a dificuldade.

Nos nove meses seguintes, Viktor é obrigado a viver num terminal. Acaba fazendo amizade com os funcionários e aprendendo táticas para conseguir comida e sobreviver.”

Era um filme falado, com projetor aceso das palavras, impregnado da emoção da voz e cheio de perguntas e intervalos para buscar chá e comer chocolate.

A vó sorria, chorava, sofria.

“Hoje, vó, vou contar o filme À Procura da Felicidade.

Chris Gardner é um pai de família que não tem muita sorte na vida, enfrenta sérios problemas financeiros e é abandonado pela mulher.

Ele fica com a responsabilidade de cuidar de seu filho de cinco anos.

Só que não consegue nenhum emprego. É inteligente, mas não há nenhuma vaga.

Sem lugar para dormir, sem apoio dos parentes, aceita começar de baixo: um estágio numa importante corretora de ações.

Tem que ser admitido o mais rápido possível para ganhar o primeiro salário…”

Quando Elias dizia o fim, a vó dava um abraço e mexia na carteira à cata de um dinheirinho.

— Não, não, de modo nenhum.

— Toma, Elias, é o ingresso.

— Então, é a metade, pois acima de 65 anos tem desconto.

Apesar dos encontros divertidos e comoventes, Elias ainda alimentava a esperança de que um dia pudesse carregá-la para o cinema.

Preparou uma surpresa. Surgiu de carro em sua casa, não explicou o destino e entrou com Bernardete numa sala do shopping Iguatemi. Quase que forçosamente, carregando sua amada senhora pelos braços.

Optou por “Um Sonho Possível”. Quando o filme terminou, ansioso pelo resultado do encantamento, perguntou o que ela achou.

— Não gostei, você contando é muito melhor.

Sua vó era também um filme baseado em fatos reais.





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
14/5/2014

2 comentários:

Joyce disse...

O texto termina ai?Obg!

Anônimo disse...

Fico muito comovida quando escuto ou leio histórias de avós com seus netos.