terça-feira, 12 de abril de 2016

DE CHINELO OU SALTO ALTO



Com ou sem desespero? Há sempre as duas alternativas diante dos problemas. Opto por sem desespero. Sei que a palavra tem poder e não banalizo o desaforo. Não xingarei quem não conheço.

Se tenho razão, perderei a razão na hora em que faltar com o respeito. Sacrificarei os meus direitos ao ferir e maltratar o outro.

Entendo que a justiça é lenta de propósito para não cometer uma leviandade. A agressividade, por sua vez, que é rápida e dolorosa – executa longe de ouvir o contraponto e examinar as mais diferentes versões.

O lado fraco não se torna forte pela imposição, nem o lado errado se torna certo pelo grito.

Não explodirei em qualquer situação, que é aquilo que costuma acontecer com a maior parte das pessoas. Só vou estourar em uma situação especial de perda ou luto. Economizo a dor e o sofrimento. Não perderei a cabeça por qualquer coisa. Perder a cabeça é condenar o coração.

Vivemos à flor da pele e nos sentimos permanentemente cactos, injustiçados, boicotados, passados para trás. Chegamos ao contrassenso de perseguir a paranoia. É um restaurante errar a conta e debochamos do garçom, é a companhia aérea não permitir o nosso embarque com o atraso e descascamos o funcionário do balcão, é um caixa errar o preço de um produto e chamamos para a briga, é alguém se confundir e tomar a nossa frente em uma fila e armamos uma confusão, é uma operadora de telemarketing telefonar no domingo, que mandamos a sua mãe a um lugar indesejado.

Personalizamos o serviço em um funcionário e jamais concedemos um desconto ao acaso. Ninguém pode errar, que já é por querer.

Não há discernimento. É um ódio gratuito e generalizado. De repente, o sujeito cumpre apenas regras como a gente em nosso trabalho, tem uma vida parecida de sacrifício e igualmente uma família para sustentar e não merecia ser ofendido de cima a baixo.

Não perdoamos nada. Tudo é caso de vida ou morte. Tudo é barraco. Tudo é escândalo. Agimos com a mesma intensidade nervosa com um estranho ou com um familiar, no momento de gravidade ou na banalidade.

Como ser feliz se reclamamos o dia inteiro? Como ser feliz se xingamos todos os atendimentos que recebemos? Atraímos o pior pela boca.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 5
12/04/2016, Edição 18497

2 comentários:

Aparecida Miranda disse...

Excelente texto.Excelente reflexão. O que está faltando é a humanização dos relacionamentos. A sensibilidade, a empatia. Reclama-se da mecanização, da informatização substituindo a mão de obra humana. Mas não será o próprio homem substituindo pelo pelo automático, pelo irracional o emocional, a "compreensão humana" que deveria lhe ser peculiar?

Herr Barbuse disse...

Isso me salvou hoje.