quinta-feira, 26 de maio de 2016

RIVOTRIL OU RITALINA: O TEMPO SEPARA



Fabrício Carpinejar
Foto Gilberto Perin

Difícil não é amar, mas acertar o tempo do outro. O amor é hoje um problema de fuso, entre quem tem paciência e quem tem pressa, entre os calmos e os ansiosos, entre os adeptos do Rivotril e os fanáticos da Ritalina. As pessoas se separam basicamente porque andam em ritmos diferentes.

O tempo virou um juiz do divórcio. Mesmo com o sentimento correspondido, se o par não divide um momento similar, a relação tende a se diluir em frustrações e cobranças. São vários desencontros circunstanciais dentro de um encontro: é o homem que saiu de um longo casamento e não pensa em compromisso duradouro se juntando a mulher que se curou de antigos afetos e pretende firmar namoro sério, é a jovem que começa a sua vida profissional se relacionando com o sujeito que experimenta o seu apogeu, é um ferrenho defensor das viagens se unindo com uma alma caseira, disposta a se aquietar em casa.

A pressão pelo sucesso individual restringe a partilha emocional. A vida está pronta e definida antes mesmo de se conhecer alguém - o romance é apenas um encaixe secundário.

O amor não é mais a prioridade, o seu lugar soberano fora tomado pelo tempo.

Não se atinge à mão livre da intimidade nesta queda-de-braço de interesses. Há aquela que deseja um filho com aquele que já está com os filhos crescidos, é aquele que não teve fase de solteiro com aquela que cansou das festas. Ambos temem se podar, e preservam um margem segura de distanciamento para não se envolverem de verdade. Não conhecem na prática atributos caros para a longevidade a dois como doação e renúncia. Ninguém quer ceder, pois ceder é compreendido como falta de personalidade. Ninguém tampouco pode adiar as vontades ou equacioná-las num prazo maior. É um bloqueio de fundo ideológico, sob alegação de não admitir imposições.

A sincronia de desejos acaba sendo o maior desafio da convivência. O obstáculo vem representado na diferença de idade e de sonhos.

Para um casal vingar, além do amor, os objetivos devem correr na mesma direção. Não há compaixão aos pretendentes que se arriscam na contramão.

Publicado no Blog de Fabrício Carpinejar do Jornal O Globo
26.05.2016

2 comentários:

Anônimo disse...

Belíssimo texto! A assombrosa liquidez das relações.

Fernanda Rodrigues disse...

É incrível como você escreve sobre os nós da minha garganta...