sexta-feira, 2 de setembro de 2016

ENTRE VIDRAÇAS E VITRINES



Texto: Fabrício Carpinejar
Arte: Eduardo Nasi

A minha esposa tem uma incrível vocação para perder brincos, só não é maior do que a sua capacidade fabulosa de reencontrá-los.

Já estou acostumado a vê-la triste assim que identifica o extravio e eufórica logo que localiza o par. Ela sempre resgata o conjunto sumido. No máximo, a operação de revista e reconstituição dos possíveis lugares da queda demora um dia.

Costumava ajudá-la no começo, largava as minhas atividades e assumia a força-tarefa imediatamente. Sofria junto, rezava Salve-rainha, entrava em desespero por empatia, eu me agachava no chão e encerava o piso com as mãos à procura de uma tarraxa ou um destroço da joia. Dava dó do desfalque e da orelha de outono. Perguntava quanto custava e, como todo homem desajeitado com as lacunas, prometia que compraria outro igual.

Mas eu me habituei aos lapsos. Parei de me estressar com os sucessivos desaparecimentos e reaparições.

Às vezes acho que tudo é um golpe de marketing. Beatriz perde somente para se surpreender depois e aumentar a cotação de seus pertences. No fim, fica sempre feliz com a volta do brilho ao lóbulo. Muda o seu humor, parece até que foi presenteada.

O raciocínio é mágico. Perder algo para resgatar em seguida é a possibilidade de comprar novamente aquilo que já tinha.

Nosso apartamento de manhã tem a atmosfera tensa de uma casa de penhor e de noite lembra a felicidade gloriosa de uma joalheria. Nunca é monótono


Publicado no Portal Vida Breve
31.08.2016
Coluna Semanal

Um comentário:

Paulo Vitor Cruz, ele mesmo disse...

Uma vez estive conversando com Friedrich Nietzsche, e ele mandou essa na lata:

"A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez."

*Sua esposa é amiga dele tbm?


Abraço.