quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

POR QUE TIRAR A LIMPO A OFENSA?

Metade da infelicidade é imaginação.

Ficamos ofendidos com facilidade e não tiramos a limpo a agressão, ela pode ser um mal-entendido, uma distorção, uma audição equivocada. Mas preferimos sofrer por orgulho a desfazer enganos. Nem pedimos a repetição, aproveitamos para crescer de estatura moral na confusão.

Logo nos fechamos e não conversamos sobre aquilo que foi dito e nos feriu. Entramos no modo emburrado e nos distanciamos, contrariados, guardando uma mágoa imaginária. Batemos a porta do rosto e chaveamos a respiração.

Tratamos sempre um descuido como se fosse uma ofensa gravíssima. Contabilizamos a falha em nosso caderno de fiado e preparamos uma vingança.

Quanto mais importante a pessoa em nossa vida, menos perdoaremos as pequenas vacilações. Por isso mães e pais são julgado sem direito à apelação, maridos e esposas condenadas sumariamente.

Veja o paradoxo: a intimidade não facilita a comunicação, e sim dificulta. Pois partimos do entendimento de que se alguém nos conhece tem a obrigação de nos agradar e nos proteger. A exigência por amor e no amor é insuportável.

Nenhum casal desfruta de condições de acertar cem por cento das palavras. Nenhuma amizade será perfeita a ponto de não tropeçar em uma observação.

Quantas brigas e separações poderiam ser evitadas com a reparação imediata de uma frase torta?

A paciência é confiança, a paciência é lealdade. Mas somos intransigentes a ponto de não admitir que ninguém erre conosco. É sair do script do bom humor obrigatório que não oferecemos um voto de confiança. Mesmo que tenha sido uma distração, não há desconto. Mesmo que não tenha sido por mal, não há repescagem. Mesmo que tenha sido sem pensar, não há caridade na atenção.

Personalizamos cada crítica. Levamos para o lado pessoal antes de exercer a solidariedade da compreensão do contexto. Perguntar é ter certeza, porém não queremos destruir as dúvidas que permitirão, mais adiante, cobranças e revides.

A vaidade bloqueia o discernimento. Não nos preocupamos com o que o outro está sentindo, já priorizamos a nossa emoção acima de tudo. Reativos, estamos nos defendendo sempre de críticas que ainda não aconteceram.

Em vez de cuidar com aquilo que se diz, precisamos cuidar com aquilo que se escuta.

A outra metade da infelicidade é orgulho.

Publicado em UOL em 1º/9/2017

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