terça-feira, 18 de agosto de 2015

O FIM DEMORA



Quantos términos para o término de um amor?

Quantos “agora acabou!” é necessário dizer para realmente acabar?

Quantas portas a bater até entregar a chave?

Quantos desaforos até calar a boca?

Quantas discussões até conversar com calma?

Quantas gavetas serão esvaziadas até arrumar a mala?

Quantas desistências existem dentro da insistência?

Quantos reavivamentos são possíveis de um fogo morto?

Quantas recaídas até cair de vez?

Porque descobrir o fim ainda não é comunicar o fim.

Porque determinar o fim ainda não é explicar o fim.

Porque sentir o fim ainda não é encaminhar o fim.

É um amigo falar que seu relacionamento não tem mais saída, que eu já sei que ele caminhará muita rua antes de enxergar a parede.

É mais um desabafo do que uma verdade.

É mais uma vontade do que uma realização.

É mais um despacho do que um despejo.

Está no começo do fim, o que não significa fim.

Está elaborando o fim, mas não selando o fim.

Está roteirizando o fim, mas não contracenando o fim.

Está preparando o fim, mas não alterando a vida.

O fim demora. O fim é semelhante a muitos reinícios. O fim é procurar o melhor jeito de contar a notícia. O fim é ouvir o contraponto. O fim é oferecer mais uma chance. O fim é cansar de tanto casar. O fim é exaurir os apelos. O fim é depor as armas e não mais impor mudanças. O fim é esgotar as chantagens e as ameaças. O fim é se perdoar pouco a pouco por quebrar as promessas. O fim é não criar mais desculpas, é não ser mais bonzinho, é não querer repassar a culpa, é assumir a responsabilidade, é não ser o certo e não julgar o errado. O fim é bloquear o coração mais do que o telefone. O fim é longo.

O fim é serenidade que vem depois da adrenalina do desespero. Não é chorar, chorar é o princípio do fim, o fim é quando as lágrimas secaram, é quando os olhos pararam de nadar, é quando não há esperança de resgate.

Encerrar uma relação imita o cartucho de qualquer impressora. O computador indica o término, mas poderá imprimir mais cem páginas: folhas falhadas e com a tinta se esvaindo lentamente.

Cem páginas rendem um livro lindo e triste de poesia, porém jamais terá páginas suficientes para fazer um novo romance.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4,  18/08/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°
18265

13 comentários:

Anônimo disse...

Retrata o que estou vivendo.
No mais, o autor tem como característica formular inúmeras frases de efeito sem perder a didática.
Simplesmente espetacular!

Pat disse...

O fim é corajoso.
É o resgate de si mesmo, é a reconciliação com sua alma.
É nostalgia, é enterrar-se no vazio.
Levantar e reiniciar a própria história
Com uma única personagem,
Leal e digna, redesenhando a cada dia.

Thiago Lourenço disse...

Excelente! E não é que é assim mesmo?

Felipe disse...

Minhas páginas impressas já estão todas falhadas em um amontoando de poesias tristes... Ainda não aceitei o fim, como se tivesse essa opção! :(

Unknown disse...

Muito eu ouço falar sobre o Carpinejar, mas só agora estou lendo algo de sua autoria. Comecei logo por este texto maravilhoso. Estou encantada como ele vai no cerne da questão. Agora sei pq muitos o admiram. Já passei a admirá-lo tbm!

Unknown disse...

Belo texto. Parabens!

Unknown disse...

Belo texto. Parabens!

Mel disse...

Vivo isso, mas um dia eu me liberto.

Unknown disse...

Tão bonito qt o texto! Belas palavras!

Unknown disse...

Uauu...São tantos comentários lindos, que me perco entre eles e o belo texto!

Anônimo disse...

Espetacular!

iv seideller disse...

É incrível a habilidade do Fabrício de traduzir os sentimentos em palavras..

Simplesmente amo e me identifico com os textos dele..

O meu texto favorito é o Respeito romântico.. Todos os casais deveriam ler..

Segue o link..
http://carpinejar.blogspot.com.br/2015/03/respeito-romantico.html?m=1

Unknown disse...

Maravilhoso... diz muito do momento que tenho vivido, as vezes a página nos pede um ponto final e insistimos nas vírgulas ou reticências...