sábado, 12 de março de 2016
BODAS DE PRATA
Fazer de conta que nada aconteceu é o melhor jeito de não se separar. E o mais irritante. Não ceder aos encantos da fúria vigora como a estratégia perfeita para a imortalidade dos laços.
Não revidar a briga com ofensas, nem devolver as cobranças com atitudes passionais costuma neutralizar o ódio. A separação é uma urgência momentânea, uma raiva da hora. Alterando o estado de espírito, perde a validade. Longe do consenso, é apenas uma crise. O amor perdura pelas sobrevidas da tolerância.
Meu amigo já foi despejado pela mulher dezenas de vezes, já foi convidado a ir embora semestralmente. Ela discute a relação sozinha, diz que não aguenta mais, manda o sujeito aprontar as malas, alegando que ele jamais escuta as suas reclamações, o que é uma verdade.
O marido concorda com a cabeça e se tranca na cozinha. Em vinte minutos, chama a mulher:
- O jantar está pronto, arruma a mesa?
- Mas eu lhe mandei embora!
- Vamos comer primeiro, depois pensamos nisso. Fiz a massa pesto que adora.
No dia seguinte, ainda estão juntos e ela se envergonha de insistir com o fim da relação, já que ele foi imensamente carinhoso e impregnado de gentilezas.
Transcorridos alguns meses, ela volta a explodir pela falta de empatia e cumplicidade, pois não aceita a mornidão e o tédio da rotina. Os ressentimentos retornam à superfície. Então, xinga e amaldiçoa a falta de iniciativa do seu par, assinala o término, esbraveja que não dá mais e ordena que arrume as suas coisas.
Alheio ao apocalipse, ele senta na frente da televisão com os pés estirados no sofá. Não parece preocupado. Não parece abalado.
- O que pensa que está fazendo? Acabou tudo! Não vai se mexer?
- A dor não tem pressa, amor. Estou assistindo o último capítulo da novela, deita aqui comigo, é imperdível - explica, doce, com voz mansa de quem saiu do banho.
Ela aceita a trégua, engole a insatisfação, deita um pouquinho em seu colo e cochila sem querer. Logo ao amanhecer, ele prepara o café, traz uma bandeja de suco e croissant na cama, e ela novamente não tem forças para insistir com a ruptura. Brigar é excessivamente cansativo, exige mais do que se manter casado.
Assim, com a surdez de um e a compaixão do outro, o casal completa bodas de prata neste domingo.
Publicado no jornal Zero Hora
Caderno Donna p. 34
Porto Alegre, 12 e 13 de março de 2016
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