domingo, 20 de março de 2016

O FIM DE UM LIVRO OU DE UM AMOR



Já perdi todo um livro de poemas, na época em que ele era datilografado e não existia ainda computador. Esqueci na mesa do bar do Antonio na UFRGS e jamais recuperei. Deve ter ido para alguma lixeira ou servido de rascunho para um escritório. Guardei o título: Minha Pequena.

Lembro que tentei reescrever e fracassei, pois já tinha a sensação de tê-lo escrito, não havia mais aquela emoção que me movimentava a desabafar.

O fim de uma relação é igual. É como um livro feito durante meses, verso a verso, que acaba extraviado. Um livro que não existe mais, que tampouco será lido. Só você conhece o valor que estava ali, mais ninguém, a outra pessoa jamais receberá a mensagem por inteiro, jamais compreenderá o quanto você amou, o quanto mantinha fotografias mentais em sua saudade, o quanto se esforçou para dar certo e encontrar o ritmo da felicidade a dois.

Você disse e não disse, você explicou, mas não foi entendido. Sua voz se misturou ao vento, já é chuva e não faz sentido gritar pela autoria com o estrondo dos relâmpagos. Não será ouvido, não convencerá de seu talento de amar, não inspirará remorsos com as rimas, não assegurará a longevidade das suas palavras.

Não disporá de chance de revisão dos acontecimentos, da releitura e do lápis sublinhando as passagens prediletas. Não experimentará o purgatório de uma biblioteca. Perdurará o ruído externo, cada um com a sua versão, e não virá à tona o testamento íntimo.

Não tem a prova de que os dias foram reais, de que o romance foi verdadeiro, de que valia a pena insistir pelas brechas dos risos e da cumplicidade em meio aos caos das dúvidas e das brigas. Contará apenas com a solidão de sua palavra contra a dela. De que modo comprovar a hemorragia de um coração que sangrou fora do tecido?

Até você duvida de sua sanidade, até você desconfia que não exagerou, inventou e distorceu as lembranças. Pois o desejo corrompe a memória e modifica os fatos de acordo com as vontades imediatas, que mudam com o sim ou com o não. O que poderia reconfortar é o preto no branco, a letra impressa, o papel juramentado que desapareceu no anonimato.

Não desfrutou de backup e da salvação dos arquivos temporários. É um cansaço sem recompensa. Uma exaustão sem finalidade.

O final de um amor traz a injustiça de um livro extraviado. Morreu escrevendo o que não virou vida e esperança. Talvez tenha sido a sua obra-prima, nunca descobrirá.

Publicado no jornal Zero Hora
Caderno Donna p. 34
Porto Alegre, 19 e 20 de março de 2016.

Um comentário:

Gabriela Castro disse...

Sinto o mesmo ao tentar escrever sobre um amor que já se foi. Releio o que sobre ele eu já escrevi, e sinto dentro de mim um fogaréu de saudade, um infinito inteiro de todos os sentimentos que guardei naquelas palavras. Mas tentar começar agora alguma coisa parecida é chover no molhado... O sentimento já foi. As palavras que agora moram em mim vêm de outros lugares, de outros amores... Você é genial!