domingo, 13 de novembro de 2016

FRIORENTA

Tem gente que fica irritada com fome ou com sono. Sei que está ligado a flutuações dos níveis de serotonina no cérebro, fenômeno que ocorre frequentemente quando você está de estômago vazio ou sem dormir.

A minha mulher tem um problema particular com queda de  temperatura. Mineira, solar, primaveril, acostumada a tempos amenos, muda de temperamento se sofre com o frio. Fica estressada. Baixa a resistência. Enfraquece com ares juninos.

É um arrepio que cresce em calafrio que desemboca em friagem.

Sério! É encrespar o vento que ela torna-se ranzinza.

Fui percebendo aos poucos. Demorei para registrar a sua transformação.

É Porto Alegre atingir 12 graus que começa o sufoco. Ela que é doce e compreensiva passa a demonstrar uma impaciência incomum. Seus olhos congelam.

Ela não admite mais nenhuma brincadeira, nenhuma selfie, nenhuma palavra amorosa. Endurece como uma déspota. Dita regras, censura os meus hábitos, não quer ninguém perto.

Nem adianta fingir calor com camiseta de física e bermuda. Também não serve como atenuante tomar banho frio e reclamar do suor. Ela não cai mais em meus truques baratos de ilusionismo climático.

A gentileza tampouco sensibiliza. Procuro agradá-la oferecendo um casaco nos ombros ou uma coberta nas pernas e ela se irrita ainda mais com o excesso de ternura.

O problema de quem quer ajudar alguém irritado é que, ao temer a reação, perde a pose natural, exagera no carinho e bajula. Eu sinto que ela está nervosa e me aproximo com veemência quando o certo era me afastar e respeitar. Vejo que acontece o medo da contrariedade, que me impele a intensificar o meu esforço de ajudá-la e também a minha frustração de confortá-la.

O frio não é uma briga dela comigo. Mas parece que tenho culpa por ser gaúcho e trazê-la para cá e me responsabilizo por sua fragilidade, seja condenando, seja paparicando.

Não deveria sofrer junto. Ela simplesmente não nasceu para o nosso inverno, muito menos para as madrugadas gélidas e de neblina da Serra.

O que me resta fazer, dentro dos meus limites, é deixar o controle remoto do ar condicionado sob o seu domínio. Só seguro no momento de trocar as pilhas.

Isso que ela ainda não viu o que é o calor em Porto Alegre.

Publicado no Jornal Zero Hora - Caderno Donna
Coluna Semanal
13.11.2016

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