terça-feira, 22 de novembro de 2016

MARAVILHAMENTO


Jurava que era um exagero romântico, uma idealização, uma declaração simpática e educada: aqueles que casavam e apregoavam que sofreram um baque olhando a noiva chegando.

Mas eu estava no altar e testemunhei. Eu casei no religioso e percebi a corrente sanguínea virando corrente elétrica. Deixei de ser homem por um momento para ser um relâmpago.

Quando a porta alta da igreja se abriu e enxerguei Beatriz de noiva, lindamente de branco, fui hipnotizado. Empalideci. Experimentava aquilo que os santos chamam de transcendência.

Nunca vi nada mais belo. Nunca. Não estava preparado e não tinha como pedir ajuda para ninguém. Era mais do que a emoção de uma criança mirando o mar pela primeira vez ou de um adolescente com a residência só para si, sem os pais durante o final de semana. Vinha, aos borbotões, todas as emoções inéditas juntas de independência correndo pela boca e eu balbuciava, não emitia nenhum som legível.

Beatriz caminhava, exuberante, o longo corredor vermelho. Eu a desposava lentamente, passo a passo miúdo que ela dava. Eu me fixava em seu rosto como quem se posiciona diante de um quadro do pintor holandês Johannes Vermeer e não encontra ângulo que diminua a beleza.

Eu ia entregando para ela o que fui e o que poderia ser. Senti tanta devoção por alguém que as minhas pernas tremiam e os meus braços paralisaram. O arrepio passava da pele para as roupas.

Felicidade não é ter controle, é perder o controle a dois. Não sorria para os outros, não fingia felicidade e segurança, eu ria de honesto maravilhamento, como um louco conversando com a lua.

Beatriz estonteante com o busto cravejado de pedras, com o véu deposto, arrastando a longa cauda de ondas. Uma sereia cantando em silêncio. Uma sereia voando. A mulher de todos os meus dias e todas as minhas noites.

Não acreditava acreditando, atingido plenamente pela fé. Eu olhava com os olhos da fé, não com os olhos do cotidiano e da objetividade. Abriu-se uma janela emperrada da alma naquele instante e pude colher os frutos dos galhos mais altos da árvore da vida.

Havia casado com ela no civil, mas nada se compara a casar diante de Deus. Desculpe os céticos e os ateus, é uma comoção tão violenta que não suportaria experimentá-la duas vezes.

Se quem morre tem um flashback do que viveu, quem casa recorda em minutos tudo o que amou na existência.

Eu dizia sim sim sim sim sim a cada movimento de proximidade da noiva. Jamais gritei tanto sim dentro de mim.

Publicado no Jornal Zero Hora
22.11.2016
Coluna Semanal

2 comentários:

Varlice disse...

Parabéns aos noivos, felicidades eternas.
O casamento religioso arrebata pelo seu significado.
...
Vermeer é o meu holandês predileto. Simplesmente perfeito.

taty disse...

Verdade. Passei por isso também. Desejo vida.