terça-feira, 5 de julho de 2011

NA HORA DO RECREIO

Arte de Oskar Kokoschka

Não é falta de educação perguntar a idade a um professor, e sim seu salário.

Questionar o vencimento a um educador municipal ou estadual é uma afronta, um constrangimento perante os outros. Melhor evitar; manter a amizade silenciosa, o respeito telepático, a pose compreensiva.

Mas não perguntar não significa que não sei quanto ele recebe. Acabo descobrindo. É impossível não saber.

Eu vejo cada centavo, cada real de seu contracheque. Toda vez que entro numa sala de professores testemunho um deles comercializando roupas, lingerie ou uma série inédita de produtos da Avon ou da Natura.

Varais preenchem as cadeiras de fórmica: uma festa junina de etiquetas, desafiando a procura pelas térmicas da água quente e do café.

As mesas estarão ocupadas de embalagens sendo abertas e reviradas pela ansiedade do recreio.

O salário aparece nítido no desespero da muamba.

A sala de convivência é casa de penhor, comércio ambulante, camelô.

O professor tornou-se uma formalidade cheia de informalidades. Coleciona rifas além do seu trabalho, senão não sustenta a família, não aguenta o tranco do final do mês, não tem como fazer rancho aos filhos.

É humilhante pensar que aquele que ensina não ganha o suficiente apenas para ensinar.

O magistério é total ausência de exclusividade. Não é uma carreira, é uma mesada do Estado. O professor vive eternamente como um estagiário, aguardando ser efetivado e abandonar a miragem salarial.

Professor usa o intervalo para completar seu orçamento. Acumula tarefas, sobrevive de reforços da receita, não respira à toa, não tem margem para incrementar seu currículo com cursos e especializações.

Professor não conhece férias, mas greve. Não conhece promoção, mas reajuste.

São extras e extras e extras sem fim. Bicos e bicos e bicos infinitos.

É uma comissão aqui, uma porcentagem acolá. Tudo é dinheiro contadinho para as passagens.

Escola é rodoviária. Nosso professor chega com uma malinha pesada. Não são livros, não são cadernos de estudo, são novidades imperdíveis e baratas para serem revendidas.

Ele espalha os pertences pelo sofá e não descansa um minuto tentando convencer seus colegas a levar um dos itens.

Pena que nenhum pode comprar. Porque também são professores.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 05/07/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16750

24 comentários:

O Neto do Herculano disse...

E assim caminha a educação em nosso país.

Natália disse...

Ou, como diria Amanda Gurgel, o constrangimento não deve vir do professor, mas do governo, que tem a cara de pau de lhe oferecer tal salário.

O psicolouco disse...

ótima crítica em momento mega oportuno, quando aqui no Rio professores pedem reajuste salarial e o governador continua negando e reafirmando sua postura pedante.

Fabiana Rainha disse...

Adorei o texto, apesar de ser uma das que faz questão de divulgar o salário, tendo ainda esperanças de melhorias reais!

http://www.facebook.com/photo.php#!/photo.php?fbid=1435742548991&set=a.1265855501921.30903.1695804389&type=1&theater

Renata disse...

Ai que triste, fico com vontade de chorar pela situação dos professores.
Uma profissão que é base de tudo,tão digna e importante e tão desrespeitada no Brasil!

Anônimo disse...

a verdade doe ..

Mima disse...

Muuuuuuuuuitooo bom texto sobre uma realidade muuuuuuuuito triste.

luiza.M disse...

Para um governo iletrado, educacao é luxo.
Lembre-se, que na decada de 70, os paises subdesenvolvidos em desenvolvimento eram Coreia do Sul, Brasil e India. Coreia investiu pesado na educacao e olha aonde o País está hoje? No topo da lista em educacao, saude, qualidade de vida etc etc. E o Brasil? Tudo fake. Parece que esta se desenvolvendo mas tudo nao passa de ilusao. Fazem marketing e vendem o país como se fosse o melhor lugar do mundo. Como assim? Falta educacao basica, saude é um lixo, seguranca é crítico, infraestrutura sucateada, industria perdendo o folego por causa do cambio alto, emprego para jovens so atraves de concurso público, povo endividado etc e etc. Tudo FAKE.
Para que investir em educacao e colocar professores motivados se nao podem nem reprovar mais alunos que nao sabem contar, escrever, ler...
Triste, muito triste a realidade brasileira!

Anônimo disse...

Concordo com a Luiza. O País é um puro marketing. Os jovens que saem das Universidades Públicas nao conseguem escrever um parágrafo com algum sentido ou clareza...E emprego so consegue quem tem QI alto.
Alda

Melissa Machado disse...

Mais real impossível...
E isso vale tb para as escolas particulares...
Doce ilusão achar q professor de escola particular ganha mais q de pública!!

Clara Maria disse...

Se o povo brasileiro nao tem o basico que é moradia e alimentacao, educacao seria uma maneira de a pessoa sair da zona de pobreza. No entanto, o povo que recebe bolsa=familia, bolsa-gas, bolsa-leite, bolsa-qualquer coisa, investe o dinheiro em relogios, roupas, TVs etc e etc. Vai ao dentista? Faz prevencao? NAOOOO. Precisa comprar superfluos.
Entao, quem leva a serio um estudo bom? E nas escolas particulares, que voltou a ser pagou/passou?
POr tudo isso, o salario dos professores nao melhoram nunca porque os pais nao cobram ensino melhor, senao os filhos nao passam de ano. PAIS MEDIOCRE!!!!

Anônimo disse...

Professores sacoleiros é a pura realidade. Se dividir, vendem tudo porque compram em suaves prestacoes....

Régis Santos disse...

Admiro seu trabalho, meu caro. Vivo "retuitando" suas frases sobre o amor... E essa crônica foi contundente! Sou professor em Recife (PE) e testemunho todos os dias isso que vc. narrou desde os tempos em que ainda era um estudante de ensino médio. Abração!

Anônimo disse...

Que triste realidade que se estende a nivel nacional como mostrou a professora Amanda é cruel mas não é nada dificil comprovar a lamentavel realidade que você se refere basta entrar na sala dos professores para constatar o fato!

Sou pedagoga e tenho plena consciência de como é crítica e chega ser deprimente essa situação... sem falar nos que adoecem!!!!
Abração, adoro seus textos!

Cris disse...

A PRIMEIRA REAÇÃO É RIR, SIM PORQUE É FIEL A DESCRIÇÃO DA REALIDADE DOS PROFESSORES DO PAÍS E AINDA SOMOS OBRIGADOS A ENGOLIR UM TETO DE 900,00 REAIS COMO SE FOSSE O IDEAL PARA A "SOBREVIVÊNCIA" DOS PROFESSORES, NÃO ME ESPANTA ALUNOS QUE NÃO SABEM LER, POIS OS QUE ENSINAM FIZERAM PARTE DA MESMA REALIDADE.

Ana Paula Miola disse...

Concordo com sua crítica, Carpinejar. Mas me pareceu que o tom de deboche ultrapassou a crítica em si.

Lidia disse...

Achei o texto de mau gosto, não concordo com essa visão generalizada. Não nego que já presenciei esse tipo de coisa, mas em toda empresa sempre tem aquela pessoa que leva umas "novidades" prá vender aos colegas de trabalho. Agora, se engana quem pensa que "muamba" é só coisa barata do Paraguai, tem muita muambeira chique, da alta, que ganha horrores com suas vendas. O professor deveria sim ter um dos mais altos salários do país, mas vamos combinar que se a classe fosse mais unida, talvez a situação poderia ser diferente.

Unknown disse...

Cara, essa é a realidade mesmo! Já vivi isso em sala de professor e sei bem como é. E digo mais, as professoras aprendem a vender Avon e Natura na faculdade...

Não pude ir ontem vê-lo no Palácio das Artes, aqui em BH.

um abraço

Jurandir Barbalho disse...

Realismo em conflito. A verdade dói na carne quando sei muito bem que investí muito na minha carreira como docente e o estado do RN oferece migalhas para nós professores. Também pudera. O sistema político eleitoral da nossa província é o mais fiel reresultado da péssima qualidade de educação que é ofertada nas escolas - propositalmente para que nosso povo não se esclareça das mazelas que o mundo político produz!!!

Débora Aquino disse...

Texto pra ser impresso e colocado em murais de escolas e universidades! Muito bom, e triste essa realidade!

Anônimo disse...

Minha mãe é professora aposentada. Quando eu era pequeno, cansei de vê-la na sala dos professores fazendo permutas.

Maria Tereza disse...

ai! triste realidade do Brasil-sil-sil! =/

Jaime Guimarães disse...

"Professor não conhece férias, mas greve. Não conhece promoção, mas reajuste."

Professor também não conhece salários, mas gratificações. ( também chamadas de "me engana que eu gosto")

Felizmente nas escolas onde trabalho nunca tive colegas representantes da AVON, NATURA e outros badulaques. Sei que há em tantas outras escolas e repartições públicas ( e privadas). Aqui na Bahia recentemente tivemos uma funcionária com uma rifa na Assembleia Legislativa e qual era o prêmio? 4 horas em um motel! ( se era com a moça, aí não sei dizer. Mas tem o link, ó: http://g1.globo.com/bahia/noticia/2011/05/servidora-da-alba-que-rifou-noite-no-motel-e-exonerada-do-cargo.html )

abs

Caroline Delgado disse...

Brilhante! Agora meu amigo, imagine vc o que passa pela minha mente. Sou estudante de Letras Francês, futura professora! Tem que ter muita vocação mesmo para continuar. Mas gosto disso e tenho esperanças que um dia mude. Espero que nunca fique desmotivada, que é o que acontece com a maioria dos professores.
Brilhante sua crônica, é sempre a mesma cena, em cada escolha que frequento quando vou fazer algum relatório de estágio, vejo isso, os professores são camelôs ambulantes...uma pena, onde deveriam ser um dos profissionais mais bem remunerados!