Arte de Akira Kurosawa
Jussara deixou para definir o nome de sua filha na última hora, curtia a dúvida, sondava numerologias. Apostou na inseminação artificial para não sofrer com dilemas existenciais com nenhum homem. Temia que fosse subornada por chocolate nos instantes derradeiros e aceitasse batizar seu bebê de Frisson, a Mulher Melão.
Era influenciável demais para dividir a vida com um marido. Aceitaria qualquer sugestão como ordem. Não aprendeu a dizer não, tomada de arrebatamentos generosos que lhe colocavam em maus lençóis. Não podia ter um estagiário, que já cumpria o trabalho de banco para ele. Não podia ter uma empregada, que já cozinhava para ela. Não podia chamar uma pizza, que convidava o entregador a comer junto. A culpa crescia e dividia os méritos e renunciava à autoria do sucesso. Jussara evitava a convivência para não ser corinho, rejeitava o amor para não ser escrava do sexo e da gentileza. A gravidez não foi bem coragem, mas cobrança da mãe por um neto. Atendeu ao pedido para dispensar explicações em toda visita.
A gestação seguiu tranquila, até o dia D. Rompeu a bolsa e ela se desesperou. Não havia ajuda para montar a mala e partir para o hospital. Não havia amparo para superar os cinco andares de seu prédio. Não havia sequer um nome para a filha (não bateu o martelo de tanto que saboreava o índice onomástico do Guinness Book).
Fazendo respiração meio latido meio miado, ela tentou ligar para a mãe, que não atendeu. Tentou também o táxi, só ocupado. Ainda por cima chovia. Despencou escada abaixo. Já na rua, ensopada, ninguém parava diante de seu sinal educado e tímido. A sorte é que uma jovem passou pela gestante e se preocupou com os gemidos. Não titubeou, colocou Jussara no banco traseiro do Palio e correu ao Mãe de Deus. A nissei dirigia com astúcia, ziguezagueando a Ipiranga, atalhando pelo corredor do ônibus.
– Calma, estamos chegando – acalmava a voluntária, com forte sotaque oriental.
Jussara desceu a salvo na entrada do hospital. Posta numa maca, reuniu ânimo para segurar o braço da salvadora e sussurrar:
– Gostaria de agradecer o gesto dando seu nome a minha filha. Como se chama?
– Sou Suashará – ela respondeu.
– O quê?
– Suashará – ela repetiu.
Jussara se arrependeu da promessa, sua filha receberia um nome incompreensível aos ouvidos ocidentais, mas tinha palavra, não iria quebrar a homenagem.
Pena que, no calor do momento, não prestou atenção no que realmente falou a estranha:
– Sou sua xará.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 03/04/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 1728
8 comentários:
um dia "go"
outro volto
a grande onda
sobre a montanha
http://is.gd/j3p6A0
“A gestação seguiu tranquila, até o dia D. Rompeu a bolsa e ela se desesperou. Não havia ajuda para montar a mala e partir para o hospital. Não havia amparo para superar os cinco andares de seu prédio. Não havia sequer um nome…”
E AGORA?
by Ramiro Conceição
Tudo aconteceu para romper um muro.
Mas que ironia! Há outros, atrás, escuros…
Teria sido mais fácil crer nos evangelhos.
Mas não… Ela procurou ser lúcida!
E agora que amara fulano, sicrano e beltrano
que eram a delicadeza dum Mário Quintana?
E agora que
nos supermercados, só havia pedaços:
a malícia - em mil fatias - à freguesia?
E agora?!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...
Adorei!
Hahahaha muuito bom!!!
Gostei muito do desfecho. Igrediente que pede bis.
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