terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A MULHER FIEL

Arte de Joaquín Sorolla

Minha mulher permaneceu quatro dias descansando em Búzios.

Eu me encontraria com ela no final de semana.

Quando cheguei ao litoral fluminense, apareceu na porta da pousada morena, radiante, com os cabelos loiros quase brancos, um loiro diáfano. Era outra, nativa, contrastando com minha brancura amadora.

Eu, um branquinho com cravo; ela, um brigadeiro com granulado. Eu, bolero; ela, samba.

Uma diferença absurda. Ao seu lado, era mais um turista americano. Todos se aproximavam de mim falando inglês. Alguns até elogiavam meu português.

Não tinha saída, nem adiantava convencer do contrário. Faltava somente o chapéu panamenho e camiseta larga para entregar minha origem estrangeira: branquela desde a raiz dos pés.

No momento em que minha esposa pediu para passar protetor em suas costas, já ancorados na praia de cadeirinhas, identifiquei uma queimadura. Enquanto a pele seguia uniformizada, bronzeada, com a cor de café importado, ali havia uma região vermelha, doída de luz, descascando antes da hora.

Perguntei o que tinha acontecido.

– Não se cuidou?

Ela meneou a cabeça, envergonhada:

– Como estava sozinha e você não veio comigo, não pedi para ninguém passar protetor em minhas costas. Era uma infidelidade.

Eu amoleci de ternura, como se estivesse na terceira caipirinha sob o sol.

Suas palavras foram açúcar e cachaça. Sucumbi diante da declaração de amor.

Sua timidez era cuidado comigo. Katy não quis insinuar nada de errado solicitando que outro tocasse em sua pele. Vá que homens e mulheres pensassem bobagem, confundissem favor com oferta.

Ela arcou com as consequências em nome do amor. Poderia ter pedido uma gentileza para a camareira, para o porteiro, para as atendentes das tendas à beira-mar.

Mas não. Não correu riscos. Suportou a solteirice pela integridade da relação.

Não há mulher mais fiel. A que se queima para não gerar dúvidas, a que aguenta a lealdade na ardência, reta e firme, sem olhar para os lados.

Mulher fiel não tem costas. Como um anjo. Voa no céu anil da paixão.

Dá gosto de olhar para o horizonte marítimo. Dá vontade de acreditar em casamento.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 17/12/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17647

Um comentário:

Anônimo disse...

Lendo esse belo texto , "Dá vontade de acreditar em casamento"