Arte de Eduardo Nasi
O amigo jornalista Daniel Scola foi cobrir os terremotos no Japão.
Dormia no hotel no momento em que ouviu os cabides deslizando de um lado para o outro do armário.
Um tremor repentino, quase como um soco no prédio de vinte andares.
Acordou num sobressalto e discou para a portaria.
— Houve um terremoto? O que faço?
O recepcionista, calmo como todo recepcionista, apenas orientou:
— Fique debaixo da flecha!
Scola não questionou o significado da flecha, parecia óbvio pela fala despretensiosa e mansa do funcionário.
— A flecha? Evidente, permanecerei debaixo da flecha.
Ele não quis entregar que desconhecia a flecha, acolheu a informação de imediato. Envergonhava-se de sua ignorância, como quem pergunta se tem água sem gás no frigobar.
Logo que desligou, Scola saiu a procurar a flecha, a maldita flecha, que salvaria sua vida, espécie de cofre do tremor.
Rastreou os corredores, as gavetas, o banheiro, a cabeceira da cama.
Não havia nenhum sinal de índio naquele minúsculo apartamento sob intenso farfalhar e ruído.
Desceria pelas escadas para descobrir, quando visualizou uma seta vermelha atrás da porta.
A flecha apontava onde estava a viga do prédio. É onde deveria resistir, agachado, às oscilações do tumulto. Se o chão cedesse, se o teto desabasse, aquele microscópico território se manteria de pé.
Tudo poderia ruir menos aquele círculo debaixo do sinal. Era sua guarida, seu esconderijo, seu ferrolho, seu santuário, seu guarda-chuva de abalos sísmicos.
A viga!
Da mesma forma, quando o relacionamento recebe um solavanco, uma devastação de palavras e gestos, quando as brigas cansam os ouvidos, quando as ofensas são repetidas, quando a amizade é ferida, quando a lealdade é quebrada, quando a mentira é descoberta, quando uma traição é flagrada, quando o casamento começa a desmoronar, temos que achar a flecha dentro de casa. Correr para a flecha.
Localizar a viga que uniu o casal, a viga que serviu como base daquela construção emocional.
A viga que edificou o amor. É aquela frase primeva, é aquele beijo ancestral, é aquela lembrança pura que sustenta todos os andares.
Pegue as mãos de sua mulher, abrace com força seus ombros, e se resguarde silenciosamente na viga até o terror passar.
Não corra para as janelas para assistir a destruição. Retire-se do conflito.
Proteja-se na viga. Sempre. Debaixo da flecha.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
24/9/2014
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