segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O CORAÇÃO CUSPINDO

Arte de Bernard Dumaine

Quando você não tem como resgatar uma história de amor, meu amigo, meu irmão, o coração vai cuspindo.

O coração está gripado. Está doente.

Você respira bem, mas o coração não. Não criaram uma aspirina para o coração.

Não tem como tomar um remédio. Ou esquecer.

Seu coração cospe o nome dela, as imagens dela em cada tentativa de romance.

As mulheres com quem vai sair não notarão o seu peito apertado. O seu peito confrangido. O seu peito constrangido. O seu peito doendo a falta de esperança.

Mas, entenda, seu coração vai cuspir muito ainda. Talvez seja pneumonia do coração.

Seguirá com a vida porque não tem o que fazer: ela arrancou o futuro da relação, a esperança, ela não mudará, continuará lhe destratando, sendo grosseira, muda, fria, insensível.

Ela não dará jamais as respostas que deseja. A saúde que espera. O arrependimento que anseia.

Cuspirá, meu querido. Nas calçadas e nos canteiros, cuidando para não ser visto.

Um exorcismo que não termina, fracassando para jogar fora o excesso não vivido a dois.

Sofre da nostalgia do que não viveu e não viverá mais.

Ela não merece seu amor - o que agrava a sua angústia. Pertencimento e merecimento não andam lado a lado, descobriu isso, infelizmente.

Você já cansou de rezar. A tosse é o cansaço da memória. O cansaço do silêncio. O cansaço de Deus. O cansaço da insistência: esta insistência cansada na desistência.

O amor pulsa inteiro entre palavras quebradas.

O amor bate inteiro com a fé estraçalhada.

Tudo foi piorando de tal forma que ou você afundava junto com ela, humilhado, ou você emergia, sozinho e ferido.

Todo amor a uma mulher deve coincidir com o amor à vida.

Seu coração tosse quando janta acompanhado em um restaurante diferente e percebe que sua ex poderia gostar de um prato, da decoração, quando seu pedido no cardápio é mais o pedido dela do que o seu, quando você tem vontade de sair dali para contar para ela que precisa conhecer um novo restaurante, que é a sua cara.

Mas ela não escutará você. Porque estará de mau humor, estará cobrando novamente, sempre insatisfeita, sempre infeliz.

Você tentou fazê-la feliz e ela somente lhe machucou.

Já conclui que ela odeia sua felicidade, ama seu amor e odeia sua felicidade.

Não dará importância à sua poesia, aos seus detalhes, ao tempo que leva reunindo a saudade de lugar a lugar para oferecê-la.

Seu coração tosse sem parar quando busca se envolver com uma pretendente. Depois da euforia do sexo, da inconsciência do sexo, ficará com uma vontade imensa de se isolar e mandar a companhia embora. Terá que ser educado para disfarçar a tosse e não transmitir a sensação que usou a pessoa. Você vem se usando, não usando ninguém.

A tosse é indelicada e convence seu rosto a mergulhar na tristeza. Não consegue conversar, pois seu coração quer cuspir. De novo e de novo.

Você não fala mais com ela. Você não telefona. Você não manda mensagens. Você não tem nenhum motivo ou pretexto. A tosse é a paixão sufocada. A paixão por dentro sem voz, sem comunicação, sem nada.

Ela tampouco imagina que seu coração está cuspindo.

Seu coração cospe. Intervalos longos em que o mundo para e desaparece.

Seu coração resmunga. Seu coração não é seu, ainda é dela, até quando?


Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS),  21/9/2014 Edição N°17929

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