segunda-feira, 15 de setembro de 2014

MOTELEIROS

Arte de Leslie Hurry

Não se dorme em motel, por mais que se tente, não se dorme.

Trata-se de uma maldição, o casal dirá que deseja virar a noite e aproveitar o café da manhã. Nunca vi alguém tomar café da manhã em motel.

No máximo, é possível passar seis horas em seus domínios. Descansar é impossível.

Motel é para transar e mais nada. Foi criado unicamente para a luxúria e insônia.

Deveria ganhar diária grátis quem consegue fechar os olhos ali dentro. Só bêbado, mesmo. Só desmaiando. Só em coma alcoólico.

Não existe nem a tranquilidade de Bíblia na gaveta.

Não há o aconchego de ninho, a atmosfera de conchinha, de se apegar mansamente nos braços da mulher e virar para o lado.

Não há lado no quarto de motel. É uma gaiola de vidro, de hamster correndo.

É uma jaula de musculação, de ginástica, de levantamento de halteres.

Não há como sonhar em paz com um espelho no teto. É acordar e se espiar de cima. Parece que estamos mortos, levitando, que saímos do próprio corpo.

Há uma luz que nos cega entrando pelas frestas e pelos reflexos dos vidros. Pode fechar as cortinas que ainda tem claridade. É como dormir de luz acesa. O quarto de motel é o sol da Sibéria em miniatura.

Mesmo que sufoque completamente as janelas, uma luz negra banha os objetos. Os objetos brilham, o telefone brilha, como adesivos de decoração infantil. É como deitar nas cadeiras do Planetário.

Estar em seu território é não se encontrar com o silêncio. Tem um chiado ininterrupto entre as paredes. Não sei se é a tevê, não sei se é o rádio, não sei se é a alavanca da cama. Apertou algum botão por engano e não localiza qual é.

O apartamento não traz a segurança da intimidade. A porta está fechada, mas a impressão é que surgirá alguém para limpar a qualquer momento, alguém sairá do elevador dos pratos ou de uma outra porta secreta.

Não há como descansar, a estrutura é moldada para contorcionismo, oferece degraus, divisórias, box. Não tem o fundo plano para o sossego. Um horizonte de calma e de estabilidade. Uma cena igual e monótona para se entregar ao cansaço.

Como repousar num banheiro? Estamos enredados em um banheiro imenso e infinito, um banheiro feito dormitório. As lajes, o mármore e os azulejos são pedras frias, pedras que não entoam cantigas de ninar.

A cama é redonda, triangular, tudo menos quadrada. Os pés escapam, ficam soltos de suas órbitas, dançam no ar, pedalam perdidos.

O lençol não dá conta do frio. É um lenço fino, pura gaze, que serve para nu artístico. Não tapa nada. Não achará cobertor e edredon no armário. Não tem como se aprochegar. O ar ou é quente demais ou é frio demais. Ou se levantará queimando em febre ou congelado.

Acima de tudo, sentirá falta de seu travesseiro. Aquele peso sob a cabeça é apenas uma almofada morta de sofá.

Terá saudade de seu confidente de penas. Macio, fofo, impregnado de seu cheiro.

Mas levar travesseiro para o motel é coisa de depravado.


Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS),  14/9/2014 Edição N°17922

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