Arte de Francis Picabia
Mulher é uma ouvinte fatal.
Ela mantém uma biblioteca de sons, um arquivo de escalas musicais em seus ouvidos.
Nasceu com um detector de mentiras nos tímpanos.
Você pode dizer as palavras certas, mas ainda será pouco.
Você pode escolher os termos mais apropriados, a ordem mais harmoniosa, as frases mais cristalinas, e ainda será pouco.
Você pode decorar o discurso, mas ainda será pouco.
Não significa que terá o respeito dela. Não assegura a compreensão dela.
Ela é capaz de implicar com você.
O homem não entende que não basta falar para a mulher o que ela quer, tem que falar do jeito que ela quer.
Quantas vezes você, para superar a insensibilidade e o laconismo do macho, finalmente expressou o que ela ansiava ouvir e ela não ficou satisfeita?
Esperava a libertação, o elogio, a recompensa e aguentará uma nova e inesperada crítica da esposa:
– Não foi o que você disse, mas como disse.
Você suspira amém, e ela entende que está sendo cínico.
Você concorda com os argumentos dela, e ela entende que somente deseja fugir da briga.
Você pede desculpa, e ela entende que é da boca para fora.
Você concorda, e ela entende que está resmungando.
O “como” feminino é mais importante do que o conteúdo da fala.
O “como” é a própria fala.
Ela valoriza o sentimento da pronúncia. A pronúncia é a porta do paraíso ou a do inferno.
Você poderá se declarar com “Eu te amo”, e ela insistir em problematizar.
– Ai, que eu te amo sem entusiasmo, sem vontade, eu não quero ser amada assim.
Será obrigado a fazer um teste vocal do “eu te amo” nesse momento. Um gargarejo do “eu te amo” até convencê-la.
Quando acertar o timbre ideal, a equalização apropriada, ela, então, num gesto de absoluto desdém, vai encontrar motivo para revidar:
– Agora não adianta, não foi espontâneo.
Está enrascado. Sempre estará enrascado mesmo empregando os diálogos perfeitos.
Além de compositor, o homem precisa ser intérprete, saber cantar, assumir o microfone da confissão.
Não basta acertar a letra, é necessário transmitir a emoção adequada pela voz.
Terá que ser um Caetano Veloso da discussão de relacionamento, um Chico Buarque do corredor de casa, um Ney Matogrosso da cozinha.
Vá treinando no chuveiro.
Ser marido é uma carreira difícil e de público muito exigente e sensível.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°
Um comentário:
hahah então temos que rever 'como' vc disse isso ae!!
Postar um comentário