domingo, 10 de julho de 2016

A CASA NO PÁTIO



Texto Fabrício Carpinejar
Foto Arte ZH

Nunca fiz nenhum piquenique, de preparar sanduíches, levar térmica de café e descansar debaixo das árvores, de estender uma longa toalha quadriculada e sentar à toa com amigos e familiares.  Não foi por falta de convite, acredito que quem gosta de piquenique são as abelhas e as formigas. Na melhor das hipóteses, sairei inchado de picada de mosquito. Minha pele é altamente alérgica. Sou urbano por uma questão de saúde.

Mas sempre fui devoto do pátio, com espaço para o trapézio das frutas e das aventuras nos muros e telhados.

O grande dia da minha infância era o da faxina. Quando se esvaziava a casa inteira para dar conta da sujeira grossa, que não podia ser feita com a velha “feiticeira”.

Os pais carregavam os móveis para fora. Inventava que estava doente e ia sendo carregado junto. Contentamento de ser pequeno e confundir a mudança de hábitos com férias.  O sofá verde ganhava assento debaixo do abacateiro, finalmente lindo contrastando com a terra vermelha – eu deitava em suas almofadas por horas a fio, olhando os mínimos movimentos do tronco e descobrindo os ninhos dos pardais.

Eu também participava da surra dos tapetes nos varais. Eles apanhavam de vassoura por tudo o que esconderam ao longo do tempo. A poeira subia luminosa. Cena pungente e tocante. O pólen mágico dos sapatos acumulados caminhava para o céu.

As colchas, cobertas e travesseiros vinham tomar sol ao lado dos colchões, pertinho da horta. Eu deitava nos tecidos quentes. Entontecia de calor. Chegava a sonhar e perder a noção da realidade. Até que alguém chegava para estragar o prazer e me enxotar da súbita realeza.

Havia uma sensação de troca de endereço, de circo, de festa no meio da bagunça.

Os adultos estavam enlouquecidos limpando geladeira, segurando a mangueira, esfregando o rodo, aspirando os corredores, e eu contente com as cadeiras desobrigadas de suas funções, escalando montanhas imaginárias com os irmãos. Botava os casacos de meu pai, esquiava com os saltos da mãe, aproveitava as roupas lavadas para montar um teatro infinito de personagens. Não havia diversão igual – uma vez por mês tomava conta da residência.

Ao final, já de tardezinha, com o crepúsculo dourando as folhas, brincava de cama a céu aberto, testemunhando o vaivém das nuvens. Uma delícia ter um quarto sem paredes, ter o mundo suspenso, ter a liberdade de não precisar ser ninguém, ter a imortalidade do vento no rosto e absoluta ausência de pressa.

Publicado no Caderno Donna de Zero Hora
Coluna Semanal
10.07.2016



Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom! Sensações que somente as crianças são capazes de experimentar e os adultos sensíveis, de recordar.