quarta-feira, 7 de abril de 2010

PROPAGANDA DO AMOR OU AMOR DE PROPAGANDA

Arte de Tereza Yamashita


Há casais contra qualquer ostentação. Não realizam propaganda do seu amor. Não narram vantagens, não se elogiam em público, não descrevem o que ele ou ela preparou de especial na noite anterior, não geram ciúme, muito menos inveja entre os amigos. Não se derramam em abraços de aeroporto em cada esquina.

São os casais ideais, certo? Talvez durem para sempre, o que não traduz perfeição.

Não há como ser feliz sem merchandising do que se está vivendo. Sem morder a língua. Sem fofoca. Sem contar um pouco mais. É pensar e divulgar.

O amor é público, desde quando se estendeu a mão pela primeira vez com muito nervosismo para andar na rua com ela.

Não existe como disfarçar. Sensibilidade controlada é indiferença.

Um dos graves traumas afetivos é a falta de amor pelo amor.

Os pares se amam, mas estão descontentes por amar. Não desejavam estar amando. É um amor contrariado, um amor dissidente. Como uma maldição: Por que foi acontecer comigo logo agora?

É como se a companhia não fosse apropriada. Ou que não devia ter surgido naquele momento, é bem capaz de atrapalhar os negócios ou a vontade de viajar e de ser livre. Ou porque é diferente e não responde automaticamente. Perderemos tempo, perderemos a agilidade que tanto nos caracterizava.

Não se enxergam abençoados, e sim traídos pelo destino. Não tratam de alardear seu relacionamento como um feriado de sol. Por receio ou insegurança, não se orgulham da companhia. Nunca falarão: estou com quem sonhei, é perfeito para mim.

Não identificam que já têm o mais complicado, que o restante é simples: um cartão, um torpedo, uma cartinha, uma lembrança, um prato predileto, um capricho, um colo.

Amam ao mesmo tempo em que odeiam. Amam ser, odeiam estar. Por aquilo que a convivência exige, pelo mal-estar de uma conversa truncada, pelo ciúme passivo e sempre existente, pela necessidade de telefonar e de se apaziguar, pela dependência ruidosa e ávida.

Quem ama alguém, mas odeia o amor não terá paciência. Entrará num clima de cobrança permanente, de suspeita irremediável. Conhece como o par fica irritado e trata de testar os limites. Não agrada para criar contrariedade e arrecadar sinais do fim. Quer se livrar do amor, não do outro, mas o amor está no outro que acaba pagando a conta.

Não consegue se separar, tampouco se entrega verdadeiramente.

Quando está em paz, enlouquece. Quando está estressado, age com distração e depois reclama da cobrança. Ou cobra a cobrança. Ou antecipa a cobrança que não viria. A briga está condicionada a uma postura catastrófica. Mobilizado a provar que não tem mais jeito. Em vez de elogiar, reclama. Em vez de se declarar, ironiza. Em vez de confiar, pragueja.

A mulher pode amá-lo, o homem pode amá-la, só que ambos não amam o próprio sentimento. Cada um não se ama por amar. Não basta amá-la, tem que se amar por amá-la. Não basta amá-lo, tem que se amar por amá-lo.

Mas a reflexão não termina por aqui. Caso contraiu piedade do que não ama o amor, há ainda um tipo mais terrível: aquele que ama o amor, mas não ama seu parceiro. Ama seu modo de amar e não aceita mais nada. Faz o amor de propaganda, que é o contrário de fazer propaganda do amor. Experimenta um delírio romântico. Tudo o que o outro oferece não é do jeito conhecido, portanto não serve. Alimenta uma insatisfação constante, autoritária, como um diretor que recusa o improviso de seus atores e manda repetir a cena. Não reconhece os gestos mais naturais e singelos. Sufoca o que vive de fato pela pressa de um cartão-postal. Funciona na base do escândalo: da serenata na janela, da Kombi do aniversário, dos presentes imensos e das provas vistosas. Será insaciável, pressionando para receber o que somente ele imaginou (e nunca confessou).

É um desalmado da privacidade, um amante genérico, porque ama demais a si para amar quem quer que seja.



Crônica publicada no site Vida Breve

32 comentários:

Lari Dardengo disse...

Há tantas partes que eu posso sublinhar e dizer: "como queria ter dito isso".

Sempre que leio algum texto seu, tenho a certeza que devo continuar escrevendo, não há nada de mal em se dizer o que pensa e sente.

=)

O Neto do Herculano disse...

Amar, realmente, requer paciência. E um pouco de calor.

Garbo, T. disse...

Excelente!

Unknown disse...

Em parte, foi como um soco no estômago. Por outro lado, foi como uma epifânia.
Gostei da experiência.

Anônimo disse...

Seu trabalho é fabuloso! Você consegue definir o até então indefinido. Parabéns!! Sou sua fã :)

Regina Dorth disse...

ah... vc é mto bom! mas não com as palavras... é bom com as idéias e sentimentos, mistura tudo e dá isso, uma mistura de explicitação com entrelinhas e entrelaçamento de idéias, mto legal! rs

Regina

Noele disse...

Fabrício,

Primeiro quero dizer que você é um escritor bárbaro!E, pelas entrelinhas,vejo que é também uma pessoa bárbara. Te admiro muito e a cada dia mais.

Quero dizer também, melhor, repetir, pois é algo que obviamente você sabe,que você é cercado de pessoas incríveis! Também acompanho o trabalho de sua bela amada(e inteligentíssima)Cínthya Verri e os blogs das lindezas Vicente e Mariana.

Vocês são todos ótimos! Obrigada por compartilharem um pouco de vocês conosco!

Disse tudo isso para depois dizer outra coisa: você é um tradutor de almas. Você escreve aquilo que muitas pessoas não conseguem verbalizar. Seus textos respondem dúvidas, aliviam angústias, apaziguam tormentos.

Hoje mesmo entrei aqui e encontrei nesse texto a resposta e o alívio dos quais precisava. Pensei minhas questões por outro ponto de vista e isso me ajudou.

Por tudo isso, entre os gênios que me encantam - Clarice Lispector, Mário Quintana, Fernando Pessoa, Caio Fernando Abreu, Rubem Alvez, Cecília Meireles, José Saramago e outros de mesmo calibre - você tem lugar garantido!

Grande abraço!

Maria Tereza disse...

O último parágrafo foi de doer na alma! Ó-TI-MO!!!

ana disse...

Uma aula sobre o amor.
Parabéns !

Anônimo disse...

Diz meu sábio pai que o segredo da vida é o equilíbrio. Acho que o segredo do amor também.

(gostei disto: "Sensibilidade controlada é indiferença.")

Beijos.

Marrr disse...

encontrei você na Vida Simples...

tem sido bom te acompanhar por aqui.

abraços,
Marcella

Gabi Pasquale disse...

Seu texto é totalmente real, querido Carpinejar. Acredito que o amor precisa ser completo pra existir: se amar, amar o amor e amar amar quem ama. Não existe a possibilidade de amar senão houver esses 3 elementos.

Adorei suas palavras, como sempre.

JPM disse...

Que tal que este belo texto servisse de mote para uma novela das 8, que não é as 8?
Diria que acabas de desmintir o Jô, mostrando que arte não é apenas 10% de inspiração.
Bacana mesmo, bicho!
Saúde e felicidade a todos.

Alinhavando idéias disse...

Vc definiu tão bem tudo,que tenho que pensar pra poder dizer alguma coisa sobre amar...

bjos Fabro

Telma disse...

Me conta, como consegue saber tão lucidamente falar sobre o amor? É impressionante. Você diz o que todos sentem, mas não conseguem expressar em palavras. Parabéns!

Sú* disse...

Eh tão bom ler isso de um homem, já disse varias vezes que Clarice ou Florbela me entederiam, mas ver as explicaçoes sobre os devaneios do amor de um homem eh muito mais emocionante! Dá um pouquinho mais de esperança... rs

Obrigada!

Celina disse...

É mesmo uma necessidade amar o amor, caso contrário, por que então haveriam tantas canções de amor?

Anônimo disse...

Acho que vosse escreve muito ruim, acho que vosse tem que aprende melhor a lingua brasileira, falar menos besteira e ser mais solitario com as coisas que vose critica. caso vc nao mudar vai perder mas e mas clientes , as pessoas vaum lhe criticas, vao bota vc pra no teu lugar. entao se espelha na correçao que e melhor pra vc. e para de ser babaca e seja como o senhor jesus que nao julga a nao ser pecadores igual a vc

Carpinejar disse...

querido anônimo Eu não tenho clientes, desculpa, eu tenho leitores, minha religião não é o comércio. abraço

juliana disse...

Que idiota esse anônimo, mal sabe ele o que é bom de se ler hoje em dia,quer aparecer por escrever errado e falar mal do Fabrício?Coloca uma melancia no pescoço e saí por aí.
Se um dia você conseguir escrever 1% do ele escreve, aí meu caro, podes vir aqui e trepudiar com um dos melhores escritores contemporâneos do Brasil.
Bjosssssssss Fabro, amei o texto.Te adoro.

Anônimo disse...

Sempre gosto de suas postagens, mesmo quando discordo de sua visão, Carpinejar.

Hoje, em alguns pontos, discordei dela, embora tenha amado o texto, pois me induziu à reflexão e isto é o que realmente importa.

Parabéns e sucesso!

Anônimo disse...

Querida Ju - podemos nos beijar assim?

- Vir e tripudiar DELE, não COM ele.

Mas adoro o Fabrício, e se algum dia pudesse escrever parecido, sentiria tristeza de copiar, mesmo sendo quem é.

Criticar uma alegria? Minha vontade é aplaudi-lo. Não convivo com ele, não criei o oposto de lhe querer bem. Ofendo de mentirinha, e ele rosna de verdade!

Acho um desperdício igualar um modelo. Quando nos ajuda a descolar pensamentos, o melhor é aproveitar e fazer algo nosso, porque ele é assim fazendo algo dele.

O "bitols" espanta, lá ponho a forma de lado e uso emprestado o espírito que ele postou. É! Todo criador pode abrir a vida, soltar um espírito!!
abs

Jacelena Dourado disse...

É como eu sempre costumo falar: Que eu amo amar o meu amor...Amo esse sentimento maravilhoso que tenho por eele....
E oa mor se constroi a cada dia com o valor que damos a ele e que ele 'transoprta'para a pessoa amada!
Abraços..
parabéns pelo Texto!

Anônimo disse...

Não posso deixar de completar - Bitols é masoquista, só responde quem o maltrata!! É muita canjica, gente fazendo cafuné, abanando, apertando a bunda. Daí que ele, como qualquer outro animal – racional - fica insensível e o efeito dos elogios vai diminuindo, como se fosse cerveja. O sofrimento é o único remédio que aviva a alma do Fabro, entendem? Apertar os mamilos já não surte efeito, ele implora pela chibata! Contra fartos não há aumentos!

juliana disse...

Tenho que concordar com você Anônimo qdo fala que o sofrimento faz com que o Fabrício escreva textos que tocam fundo dentro da gente, mas qdo ele ama também lemos declarações fabulosas às suas musas.
Ah, obrigada por ter corrigido o meu singelo português.
Abs

\/ndre\/ disse...

Ai, eu adoro esse Anônimo.

Voce já apertou os mamilos do Fabrício?

- Cara, me coooooontaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!

Michelle Bernanos disse...

Fabrício, Fabrício!!! Carpinejar!!!

Daniele Britto disse...

Simplesmente, exato. Ah, Carpinejar, caracteres da minha madrugada. Ou do meio da tarde, no meio do trabalho. Enfim, sempre. Go ahead, baby.

Anônimo disse...

texto maravilhoso fabrício!!

Pedro Paz disse...

eu não amo o amor :/

Adélia Carvalho disse...

Terreno pantanoso esse, Carpinejar! Porque o amor é tantos ao mesmo tempo, que perdemo-nos tentando explica-lo...mas você passei bem por esses lugares e sempre me surpreende..
Abraços

Luzia Trindade Loiola disse...

Excelente texto!
Beijos.