terça-feira, 4 de outubro de 2011

FALSO BRILHANTE

Arte de Leonardo da Vinci

Há o condicionamento de que amor mesmo, de verdade, é gastar metade do salário para a esquadrilha da fumaça assinar o nome da namorada pelos céus de Porto Alegre.

Temos uma noção de que amor mesmo, de verdade, é exibicionista. Depende de surpresas públicas de afeto como serenata na janela, carro de som, anúncios na TV, outdoors com pedido de casamento.

Mulheres e homens se desesperam por um amor público, encantado, de estádio cheio, e cobram provas mirabolantes de seus parceiros. Reclamam da rotina, da previsibilidade, e exigem declarações barulhentas para despertar a inveja do próximo.

O amor espalhafatoso recebe a fama, mas o amor contido é o mais profundo.

Ao procurar o amor empresarial, desprezamos o amor funcionário público, que atende às ligações e escreve nossos memorandos.

Ao perseguir o amor de cinema, desdenhamos o amor de teatro, de quem encena a peça todo dia ao nosso lado, sempre com uma interpretação nova a partir das falas iguais.

Ao cobiçar o amor sensual de lareira e restaurante, apagamos a delícia de comer direto nas panelas, sem pratos, sem medo do garçom.

Ao perseguir a aventura, negamos a permanência.

Preocupados em ser reconhecidos mais do que amar, esquecemos a verdade pessoal e despojada do nosso relacionamento. Recusamos o amor constante, o amor cúmplice.

Não valorizamos a passionalidade silenciosa, a passionalidade humilde, a passionalidade generosa, a passionalidade tímida, a passionalidade artesanal.

O passional pode ser discreto na aparência e prático na ternura.

O amor mais contundente é o que não precisa ser visto para existir. E continuará sendo feito apesar de não ser reparado.

O amor real é secreto. É conservar um pouco de amor platônico dentro do amor correspondido. É reservar as gavetas do armário mais acessíveis para as roupas dela, é deixar que sua mulher tome a última fatia da pizza que você mais gosta, é separar as roupas de noite para não acordá-la de manhã. E nunca falar que isso aconteceu. E não jogar na cara qualquer ação. E não se vangloriar das próprias delicadezas.

Buscá-la no trabalho é o equivalente a oferecer um par de brilhantes. Esperá-la com comida pronta é o equivalente a acolhê-la com um buquê de rosas vermelhas.

São demonstrações sutis, que não dá para contar para os outros, mas que contam muito na hora de acordar para enfrentar a vida.



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 04/10/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16846

42 comentários:

O Neto do Herculano disse...

Há muitas formas de "brilhantes" que podem ser ofertados todos os dias, amar é apenas para um, não para uma plateia.

Dê Longhi disse...

Verdade!

Queti disse...

Lindo, lindo lindo... A mais pura verdade.

Christiane Neusser Sichinel disse...

Achei ÓTIMO, concordo com cada palavra sua, aliás, suas palavras seguidamente me falam do/ao coração. Obrigada por partilhar, poeta! E já compartilhei no FB, nem pedi permissão, mas foi... E por falar em redes sociais, já notaste que aí há um novo exibicionismo do amor? É publicar declarações e mandar recados públicos a/ao bem-amado(a), para todo mundo ver/ler o quanto é GRANDE este amor...ou publicar fotos íntimas para demonstrar ao mundo que os dois são grudadinhos mesmo...isso cai na categoria de amor exibicionista, não é mesmo?
Um abraço,já com saudades da sua próxima coluna!
( E caso algum dia quiseres publicar em alemão, estou à disposição, sou tradutora, muito prazer!)
Christiane Neusser-Sichinel
Tuparendi-RS.

Carla Antunes disse...

"O amor mais contundente é o que não precisa ser visto para existir. E continuará sendo feito apesar de não ser reparado.

O amor real é secreto. É conservar um pouco de amor platônico dentro do amor correspondido."

Nossa... perfeito esse trecho.

Carla Antunes disse...

Ah, ótima a ilustração também!

Francisco Carrasco disse...

Imensurávelmente belo. Esse amor que existe, que não se exibe, mas que está ali, nos pequenos gestos, na atenção prestada e não na dada.

A. Banks disse...

Perfeito.

Luciana Santa Rita disse...

Exclente! o texto me lembra a sutileza do primeiro beijo, outrora escondido. No mundo contemporrâneo, ter "sucesso" clama por glamor..clama pelo oscar. Ter alguém para chamar de seu é muito mais que diamantes da Africa, ofuscados pela normalidade do exibicionismo.

Nayara Menezes disse...

O amor do meu marido para comigo é secretíssimo, explicito só na intimidade!

Anônimo disse...

Muito verdadeiro. E lindo!
A beleza, e o amor, residem nas sutilezas dos gestos.

Pastoral Litúrgica - Diocese de Montenegro disse...

Só quem vive um amor de verdade pode escrever isso. E só quem sabe o que é amor de verdade entende o que leu aqui. Obrigada!

Débora Aquino disse...

Que delícia!

Josiane Zaniol disse...

Muito lindo!!! Mas tão raro...

Samyta disse...

Verdade mais verdadeira!
Adorei, parabéns, como sempre!

Ellen Ribeiro disse...

Maravilhoso o texto!!

Anônimo disse...

só dá pra transformar em palavra o amor, quando você sente isso no dia-a-dia! isso é a demonstração do amor diário que existe entre vocês!

Lu disse...

muito lindo =)

Unknown disse...

Fabrício, cada crônica tua é melhor do que a anterior...Virei tua fã há muito, desde quando escrevias na CRESCER textos lindos e poéticos sobre a infância. Tua descrição de amor é simples, como é simples o amor...PARABÉNS POR TANTA SENSIBILIDADE e por compartilhar conosco tanta verdade! Beijo.

Re disse...

Linda crônica!!!!
Concordo com o que você escreveu! O amor está nas sutilezas, nos detalhes.

Cris Pimenta disse...

Amar é ser simplesmente um companheiro ímpar, presente sempre! Obrigada Carpinejar! Vc é inspirador! Grande abraço!

Marianita Ortaça disse...

Adorei, muito lindo e verdadeiro teu texto!!!!Um grande abraço e prazer em conhecê-lo!

Anônimo disse...

Eis o grande problema dos manuais sobre o amor, o amor verdadeiro foge à todas regras e a todos manuais....

Lindo texto Carpi!

Juliana disse...

É, amor se alimenta nos delicados gestos cotidianos... Muito bom!

Anônimo disse...

Obrigada Fabrício! "Falso Brilhante" me emocionou.

Kahtia disse...

Como sempre.... Perfeito!! Parabéns!! Sou sua fã!!

Flávio de Sousa disse...

Sempre fui adepto ao amor de metáfora, mais que o amor de exibição.

Ramiro Conceição disse...

TRANSLÚCIDA
by Ramiro Conceição

A alma obscura quer segurá-lo
na triste ilusão… de domá-lo.

Mas a alma translúcida
lucidamente... ecoa.

O Amor não se ganha nem se doa.
O Amor atravessa… a pessoa.

Soraya Carvalho disse...

Eu tô de tpm... preciso de um homem romântico e meu nome no céu... =(

espaço esplendoroso disse...

Maravilhoso, o amor verdadeiro por si só se revela, não precisa de alarde, nem de declarações(toda hora), simplesmente está ali, refletindo o seu brilho!!!

Luzia Trindade Loiola disse...

Ótimo texto e muito verdadeiro.
Pra provar que se ama não precisa dar demonstrações públicas, e sim somente pra pessoa amada.

Ilmaralina disse...

Não tem nem o que comentar...(SUSPIRO)! Cara, você é demais!

Nah disse...

Como alguém já comentou: só quem sente isso tudo pode descrever com tanta beleza!!
Parabéns mais uma vez!

Ana Jéssica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Jéssica disse...

Que texto maravilhoso! Realmente foi escrito com o coração. Parabéns pela bela descrição do amor! Virei fã.

Bruna Sales. disse...

Muiiiiiiito bom , parabéns pela crônica!!!

Lally disse...

Parabéns pelos lindos textos e pela forma como vc retrata o amor. Só alguém que ama muito (e é verdadeiramente correspondido) consegue expressar dignamente esse sentimento tão nobre, que, nos dias de hoje, está tão banalizado. As pessoas precisam saber diferenciar pequenas demonstrações de afeto do amor..
Esse sim tem dimensões enormes e, muitas vezes,caminha em direção oposta ao exibicionismo. Existe por si só e não precisa de demonstrações mirabolantes, como você bem descreveu, Carpinejar.

Anônimo disse...

amado amigo, a sutileza é uma grandeza que poucos têm, uns passam a vida sem conhecê-la. Privilégio é sabê-la. Nas pequenas coisas é que encontramos e deixamos recônditos nossos desejos. bs no coração. águeda

Foquinha! disse...

Esticamos para os lados, dobramos ao meio, viramos do avêsso, e é muito bom, não quebramos. Bjss!

(repostei no meu, adorei!)

Lai Paiva disse...

Maravilha de texto. Incrível como você se relaciona tão intimamente com as palavras e produz textos tão fantásticos. Beijo grande.

Anônimo disse...

Era o que eu estava precisando assimilar na minha vida...
O texto é maravilhoso e concordo com tudo, simplesmente perfeito...
Admiro muitos dos seus textos e esse em especial caiu como uma luva no meu caso...
Suas ideias são Maravilhosas

Anônimo disse...

Se eu passar a te amar calada... Tipo platônico...
Não serei mais eu..serei outra..
Eu gosto mesmo é de amar escrevendo poema..
Pode-se nem gostar..não ligo..
Não sei amar sem me declarar..
Ligar..escancarar..
Posso me calar, amordaçar..etc..
Mas a coisa amortece, adoece...
Perde a cor...
Posso te amar platonicamente..eu sei..
Sem poemas... Sem abraços..
Apenas distância e saudade...
Mas assim,
Eu deixo de ser...
Eu...

Donna