Arte de Lucien Freud
Escrevi sobre o padre Nejar e recebi inúmeras confidências dos leitores.
Agora, sim, acho que o conheço bem. Conhecemos uma biografia quando desfrutamos de informações suficientes para mentir a seu respeito.
Já poderia, portanto, mentir sobre Alberto Nejar, meu tio-avô, mas desejo expor uma verdade.
A verdade sempre me seduziu mais do que a mentira. A mentira impressiona, a verdade emociona.
Alberto Nejar era monsenhor da Igreja São Geraldo.
Passou a vida esperando ser bispo, pois estava a um passo da recompensa profissional. Tratava-se da próxima escala; natural, previsível. Assim como depois de um capitão vem a estrela de major, assim como depois de um capitão-tenente vem a cruz bordada de capitão de corveta.
Alberto aguardava assumir o ruivo do solidéu, o rubro da batina. Ansiava pelo reconhecimento do trabalho comunitário, da evangelização dos jovens pelo esporte, das campanhas de agasalho e acampamentos no Interior.
O que me entristece é que ele, tão certo da promoção, tão convicto da transição, comprou meias vermelhas de bispo jurando que seria chamado. E não foi. Nunca foi.
Ele dormia com meias vermelhas de bispo para atrair sorte, talvez para convencer o destino a entregar a carta do Vaticano no dia seguinte. E não veio. Nunca veio.
É um desconforto projetar o quanto ele sofreu em silêncio. O quanto padeceu em segredo para não ser tachado de ambicioso.
Mas alguém incutiu a esperança nele, Alberto não concluiu sozinho que seria bispo. Tudo deve ter partido de uma insinuação, de uma fofoca. Alguém influente torturou Alberto com sua própria fé. Criou uma falsa expectativa para retirar o resto pouco a pouco, para deserdá-lo do sentimento de justiça e retribuição que tinha pela vida.
O exemplo de meu tio renova meu cuidado na hora de conversar: não temos o direito de maltratar a esperança do outro.
Se não ama seu namorado ou sua namorada, deixe ir, não fique prendendo por comodidade e vaidade. Se um convite desagradou, diga de cara, não torture com desculpas. Se está interessado em promover um funcionário, faça logo, não fique adiando ou explorando a expectativa para que o sujeito trabalhe mais. Se pretende oferecer um presente, dê rápido, sem suspense, não realize chantagem.
Há a necessidade de ser direto e evitar insinuações que provoquem mal-entendidos. Não procure o benefício da dúvida, e sim a lealdade da palavra.
Falar a verdade o quanto antes, para que a pessoa possa adaptar-se com a perda, criar um novo sonho e mudar a cor das meias.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 28/02/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 16993
6 comentários:
Ótima lição.
Obrigada.
Lição aprendida mestre CArpinejar!
Sejamos mais cuidadosos simsim.
excelente texto!
Muito impressionante o seu texto F. Carpinejar. Eu assisti uma palestra sua em Curitiba, no Sesc, sobre internet e literatura, em 2009. Muito interessante também. Eu tenho um blog, é o jeito que encontrei para publicar meus textos. Se quiser olhar, abaixo segue o link.
http://www.thiagodamiao.blogspot.com/
Está ai o que venho buscando cada vez mais para minha fala, para minha escrita. A virtude da verdade, envolve muita clareza, talvez.
Obrigada, por mais um texto excelente.
Sou uma (pequena) grande admiradora de Cecília, e concordo com tudo que disseste na apresentação do Cecília de Bolso. Incrível.
E quanta gente nós vemos usando as "meias vermelhas" da falsa esperança todos os dias.. iludidas? Sim creio que sim.
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