Arte de Egon Schiele
Você não se decide porque não pintou o clima. Alega que não deu o beijo porque não pintou o clima. Não surgiu o instante inspirado e derradeiro de avançar e deflagrar o início do enlace. Não se movimentou para não estragar o momento, e permaneceu na expectativa de um sinal do além, do lance perfeito, da concordância explícita.
Ela pode estar seminua na sala, de calcinha e sutiã, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode ter desligado o celular na sua frente, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar falando sussurrado, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar defendendo a passionalidade nos relacionamentos, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar quase sentada em seu colo, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar cheirando seu pescoço, elogiando o seu perfume, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar umedecendo os lábios a cada cinco minutos, brilhando os dentes, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar somente olhando para sua boca, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar mexendo freneticamente nos cabelos, jogando de um lado para o outro, mostrando a abertura da nuca, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar rindo em silêncio, com aquela falta de vontade que é cheia de vontade, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar alisando suas costas cortejando a cintura, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar cantando a letra da música ao fundo, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode estar roçando seus pés com as pernas, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Ela pode perguntar qual é sua comida predileta, e você acredita que ainda não pintou o clima.
Desculpa, querido, chove dentro de si enquanto ela toma sol e se bronzeia de amor há séculos.
Clima não pinta, clima se faz. Pegue, ao menos, a toalha, pois ela já está molhada e pode se gripar pela sua falta de atitude.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N° 17570
Um comentário:
hehe, golaço! amei!
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