Arte de Macke
Não sou o sedutor hortigranjeiro, aquele que cultiva temperos para impressionar a mulher. Faço o tipo perdido no setor de verduras do mercado. Não diferencio alface da rúcula do radite. Preciso olhar a legenda. E ainda fico em dúvida se devo pesar ou não. Entro em pânico diante das cestas, ainda mais agravado com a entrada de produtos orgânicos e sem agrotóxicos. São centenas de opções. Nunca pego a certa, a exata, a solicitada pela lista feminina. É um detalhe que me escapou, que não reparei. Se era alface americana, compro a crespa. Se era a frisada, levo a lisa. Se era a mimosa, tomo a romana. E isso quando não é a roxa.
Eu pensava que alface era alface, e ponto. Nunca é. Sempre existe uma subcategoria para provar que sou distraído e que não tenho cura.
Uma vez tosco, sempre tosco. De verde em minha vida chega o chimarrão.
Distinguir entre agrião e espinafre é tão difícil quanto comprar absorvente para esposa em farmácia. Digo sim para as expedições verdes, mas sofro muito para achar.
O que me salva de não zerar a prova é hortelã, pois o cheiro é gritante, não tem como errar.
Na última semana, excedi as expectativas. Pedi uma pizza no fim da noite. Busquei sair da tradicional calabresa e experimentar novos sabores. Optei por escarola.
Não sei o que o nome me proporcionou, foi uma sensação agradável de independência. Escarola lembrou algo chique, lembrou alcaparras, lembrou amadurecimento intelectual. Era o momento de crescer na etiqueta, dispensar o refrigerante litrão para abrir um vinho chileno.
Solicitei uma grande de escarola.
Depois de uma hora, o que aparece é uma pizza coberta de folhas. Não enxergava a massa. Um labirinto de Nova Petrópolis em cima da mesa. O time do Juventude em rodelas.
Não era pizza, mas contrabando.
Não era pizza, mas toda a salada que recusei na infância.
Para quê? Liguei no ato para a pizzaria para reclamar que trocaram meu pedido.
Expliquei que veio uma pizza de alface. Jamais chamaria uma pizza de alface. Não estava a ponto de me matar ou me converter para a magreza.
O atendente explicou:
— Olha, querido, a pizza de escarola é feita de mussarela, molho, azeitonas e escarola.
— Sim, então o que houve de errado?
— Escarola é escarola!
— Ah, bom!
Entendi o que significava a cobertura, me encolhi e desliguei. Fui apresentado, da pior forma possível, para a nobre representante da família das Asteráceas.
A escarola é rica em vitamina A, B2, B5, e gafes masculinas.
– Chegar atrasado ao arrependimento. O amor é pontual. E o perdão cansa de esperar.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 24/11/2013 Edição N° 17638
Porto Alegre (RS), 24/11/2013 Edição N° 17638
2 comentários:
Escarola é escarola! Ah, bom!
hi.. just dropping by here... have a nice day!
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