Arte de Eduardo Nasi
Tenho necessidade de ser velho. Uma compulsão em ser antigo.
Não nasci na época errada, acumulo épocas em mim.
Entre uma Loja I-Place ou um brique, vou entrar no segundo, gastar mais no segundo, enlouquecer no segundo.
Adoto produtos de última geração, mas sou viciado em antiguidades.
Um smartphone nunca me encantará como um telefone de parede preto, daqueles de cinema mudo, de girar o disco e rezar pela chegada da linha.
Eu já quero levar mesmo não prevendo onde colocarei na sala. Suspiro de felicidade quando o vendedor diz que ainda funciona. Poderia comprar estragado.
Um iPad Air Apple 16GB não me seduzirá como uma vitrola, onde posso rodar meus LPS com a lentidão dos grilos nas tardes de sol.
Uma televisão de 65 polegadas não sugará minha atenção como um rádio Júpiter, de mesinha, em que é possível capturar estações na Argentina e em Cuba.
Sou das quinquilharias, dos secos e molhados, dos brechós.
Não me interesso por aquilo que é recente, mas por aquilo que está conservado. Festejo as peças intactas e os riscos do tempo.
Já adquiri um lustre de teatro que jamais subiu ao céu do meu teto, já adquiri um cartão-ponto de uma empresa têxtil para brincar de empilhar horários quando entro e saio da residência.
Eu me divirto com a nostalgia dos outros.
Não negocio, não barganho, é minha repescagem de viver, deixo-me levar pelo preço e pela hipnose regressiva. Não compro, arremato. Loja que me atrai é leilão.
Minha vontade é salvar a casa da minha infância, a casa dos meus avós, remontar o que foi dissolvido na partilha, juntar os escombros do castelo.
Minha ânsia é reconstituir os sofás verdes esculpidos em madeira, as camas com cabeceira de santos, os corredores com cheiro de importante.
Minha adrenalina é abrir novamente a geladeira Steigleder branca e reencontrar as garrafas de leite de pé.
Quem tem mais de 40 anos sofre de recaídas consumistas diante de feiras de antiguidades.
Passeio entre as mesinhas e as toalhas estendidas no chão como se fosse um príncipe destituído, um czar decadente. Aliso minha barbicha em cada mostruário.
Com surpreendente avidez, espio as joias de rainha, os broches com símbolos bíblicos, os chaveiros de bancos e lojas extintas, a louça de porcelana numerada da Renner.
Eu não espero o futuro no presente, procuro o passado. Faço fiado com as minhas lembranças.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
3/9/2014
3 comentários:
Fabrício sempre gostei do teu trabalho.Mas hoje em um programa de televisão,deu pra 'extrair' um pouco do teu caráter.Decepção!
Maravilhoso texto, como sempre.
Te leio para me perder, não para me encontrar.
Beijo
Estou longe dos 40 anos mas compartilho da mesma idéia! Sempre valorizei o que é antigo e sou apaixonada por tudo que é vintage. Acho que isso é uma questão de cultura e "bagagem" que todos construímos ao longo da vida.
Aliás vou mais além acredito que isso falta para muitos de nós, aprender a conservar o que é antigo, um povo que pouco conhece e cuida do seu passado não consegue fazer um bom presente.
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