Arte de Julian Trevelyan
Mais gente está andando de avião.
O pobre está andando de avião.
Nunca se andou tanto de avião.
São frases reais. Políticos e empresários se gabam de converter o avião em um transporte acessível, barato, em comparação às décadas de 80 e 90.
O que ninguém fala é que o avião virou um ônibus pinga-pinga, para em tudo que é lugar até encher.
É um calvário, uma romaria, uma procissão, parece que a aeronave receberá a autorização para decolar se estiver lotada.
Uma viagem que poderia ser de três horas acaba concluída em seis horas.
Partir de Porto Alegre para Fortaleza, por exemplo, costuma envolver três conexões. E com paradas de mais de uma hora.
O Brasil é imenso, mas as empresas aéreas conseguem a proeza de aumentá-lo.
Está sendo criado um novo turismo. O turismo da escala.
Não se entra na cidade, mas aguardar no aeroporto é suficiente para contar vantagem.
Se você vai a Belém, você visitou também São Paulo e Brasília.
Não pôs o pé para fora do aeroporto de Guarulhos nem do Juscelino Kubitschek, ninguém precisa descobrir, pode computar que esteve em São Paulo e Brasília. Não é bem uma mentira. Sem nenhuma pergunta a mais, fica sendo uma verdade. Ok, uma verdade magra, raquítica, porém ainda verdade.
Paga por um destino e já tem condições de alardear que esteve em mais três de presente.
Olha que maravilha! É uma promoção. Toda viagem é uma turnê, uma volta ao mundo pelas nossas culturas e folclores.
As conexões são uma bênção para o selfie. As escalas são uma dádiva para marcações no Facebook e no Instagram.
Você viaja a Manaus e recebe de bandeja a chance de dizer que pisou em São Paulo, Brasília, Belém e Rio Branco.
Você tem o desejo de conhecer Recife e goza do privilégio de esperar no Rio de Janeiro, em Salvador, Teresina e Fortaleza. Esteve em cinco Estados em um dia. É uma façanha para contar aos netos.
Não sobrará em nenhuma conversa que envolva tais capitais. Encha a boca para comentar:
– Já estive em Salvador!
Ponto. É um mérito proporcionado pelas conexões sem fim da malha aérea brasileira. Não acrescente nenhuma informação. Só você saberá que não saiu do aeroporto Deputado Luís Eduardo Magalhães. Seus amigos se encantarão com suas experiências, receberá um outro tratamento no seu bar predileto, a cerveja chegará mais gelada em sua mesa.
Compre uma lembrança para comprovar sua passagem. Já levei bonecos de Olinda em rápido trânsito de malas pelo terminal pernambucano. Sempre tem uma lojinha com uma camiseta homenageando a cidade em que desembarcou rapidamente.
As escalas são o melhor e mais barato pacote turístico.
Quando há a obrigação de viajar para o Acre e o atendente me oferece apenas duas paradas, respondo que não. Acho um desaforo. Quero mais conexões. Quero mais capitais para acrescentar ao meu currículo.
Quem faz viagem direta não tem nem entende esse luxo. Além de pagar mais, perde a chance de aumentar seu histórico.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°
Um comentário:
Haha! Turismo de escala. Verdade verdadeira.
Só faltou falar do inconveniente do estômago vazio: porque conexões e escalas, há, comida no avião, não!
Postar um comentário