quarta-feira, 15 de julho de 2015

FEITIÇO DA GINA

 
                                                                 Arte de Eduardo Nasi

Não se estarei casado ou solteiro na próxima semana, não sei onde estarei morando no próximo ano, não sei se ligarei a máquina de lavar e de secar direto do celular, não sei se me apaixonarei pela voz do computador, não sei o que me espera.

Os tempos são rápidos e provisórios.

O que me acalma diante da enxurrada de notícias, aplicativos solicitando atualização e links abertos é comprar no supermercado um caixinha de palitos Gina e um pacote de Pastelina.

São as únicas embalagens que permanecem iguais desde a minha infância.

Gina e Pastelina não mudaram. Algo não mudou no mundo. Algo segue intocável há quatro décadas.

É como uma casa que não foi destruída no bairro em que nasci.

É como um brinquedo embalado e jamais usado.

Gina e Pastelina são objetos de colecionador que tenho o direito de adquirir semanalmente.

Recordo do tempo em que íamos toda a família para a churrascaria Barranco, e que os palitos serviam para brincar com os meus primos. Quebrávamos cinco Ginas ao meio, juntávamos suas pontas e derramávamos uma gota de água no centro em comum das varetas. Incrivelmente, a madeira absorvia o líquido e começava a inchar. Os palitinhos cada vez mais abertos formavam uma estrela pulsando, uma estrela se agigantando, uma estrela engolindo a mesa.

Só com o cheiro da Pastelina, sou levado de volta para a alegria do intervalo da escola. Equilibrando um copo de guaraná e o pacotinho de massa frita, sentava no terceiro banco de pedra do pátio, meu camarote imutável para assistir as meninas jogando vôlei.

Gina e Pastelina me proíbem de envelhecer. Gritam “estátua” para mim e não me mexo.

É melhor do que chá de melissa: desaparece a enxaqueca, refaz a minha linha de tempo do Facebook, acaba com bloqueio criativo.

Gina e Pastelina resistiram aos layouts modernos, à ânsia de consumismo, às tentativas de se mostrar diferente por fora e apenas por fora.

Desconheço quem inspirou o logotipo da Pastelina. Tampouco muda a minha admiração ter consciência de que a modelo dos artefatos de madeira foi a polonesa Zofia Burk, que depois não conseguiu mais emplacar nenhuma campanha.

Ela será sempre a rainha da minha cozinha: dona de casa feliz e radiante, com seu cabelo de penico dos anos 70, o olhar roubado de Jesus Cristo, a dentição de quem nunca conheceu uma cárie.

Ele será sempre o rei do meu eterno recreio: o feiticeiro narigudo, de fraque, gravata borboleta e cartola, que somente entregará a receita da Pastelina se a Coca-Cola mostrar a sua.






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira 15/07/2015

3 comentários:

VITORIO NANI disse...

Gostei.
Vou divulgar no Facebook.
Os itatibenses vão gostar.

Sarah Westphal disse...

Lindo. Finalmente entendi de onde eu conhecia o olhar da Gina. Obrigada.
Um beijo,
Sarah

Unknown disse...

É... há um consolo em coisas imutáveis. A gente tá sempre se sentindo obrigado a mudar, e mudar, e mudar constantemente sem parar. Uma guerra para adaptar-se a sei lá o quê que na maioria das vezes a gente nem quer.